O Fantástico teve acesso a vídeos exclusivos da investigação Operação Penalidade Máxima, que investiga manipulação de resultados que sacode o futebol brasileiro desde fevereiro.
– Moraes, você é brabo.
Moraes é o lateral que atuava no Juventude em 2022. A mensagem é de um dos apostadores. Depois de aceitar participar do esquema que está sob investigação, o jogador fez acordo com o Ministério Público de Goiás e admitiu envolvimento no esquema dos jogos do Campeonato Brasileiro das séries A e B de 2022 e também em alguns jogos de estaduais deste ano.
– Eu tô com contato no Campeonato Mineiro, tô com contato no Campeonato Paranaense, tô com contato no Campeonato Paulista – diz Thiago Chambó, um dos articulados do esquema, em material recolhido pelo MP-GO.
Moraes em depoimento por vídeo com o MP de Goiás — Foto: Reprodução
Segundo os promotores, o grupo investigado era liderado por Bruno Lopes, que se apresentava como empresário de jogadores. Os suspeitos se dividem em dois núclelos: o dos apostadores, que aliciavam atletas para forjar lances durante os jogos e que ainda faziam as apostas nos sites, e também o núcleo dos financiadores. Cabia a esse grupo fornecer o dinheiro para o pagamento dos jogadores aliciados.
Bruno Lopez de Moura, suspeito de participação em esquema de manipulação de resultados na Série B — Foto: Reprodução / Instagram
– O que nós percebemos é que os apostadores se uniam aos jogadores aliciados pra tentar manipular as apostas para garantir um ganho elevado, um volume elevado. Um ganho financeiro mesmo e que foge da sorte inerente ao jogo. Os jogos manipulados eram eventos encomendados e você busca lucrar em cima disso – diz o promotor Fernando Cesconetto, do MP de Goiás.
A investigação começou em novembro do ano passado. O presidente do Vila Nova, de Goiânia, Jorge Hugo Bravo, descobriu que jogadores do clube estavam sendo aliciados pelo grupo de apostadores antes de um jogo contra o Sport pela série B do Campeonato brasileiro. Ele juntou provas da tentativa de manipulação e procurou os promotores que combatem o crime organizado no estado.
Oficial da Polícia Militar, Jorge Hugo Bravo descobriu que o jogador Marcos Vinícius Alves Barreira, apelidado de Romário, tinha sido aliciado. Em depoimento aos promotores, o atleta contou como foi a proposta.
- Promotor: O Bruno (chefe) falou que era pra cartão ou pênalti?
- Romarinho: Cartão vermelho ou pênalti.
- Promotor: Por quanto?
- Romarinho: Primeiro ele falou R$ 300 mil, depois falou R$ 150 mil e dava um entrada de R$ 10 mil e depois pagava o resto depois do jogo.
O plano não deu certo, porém. Na ocasião, Romário soube que não iria mais para o jogo, mas como já tinha recebido o adiantamento pela fraude, ele tentou conseguir outro atleta para o seu lugar na armação.
A partir dessa denúncia, o MP começou a investigar o Vila Novo e outros dois jogos da mesma rodada da Série B do Campeonato Brasileiro. A Operação Penalidade Máxima teve a primeira etapa em fevereiro. Bruno Lopes, articulador do grupo, chegou a ser preso e reconheceu a combinação para que jogadores cometessem pênaltis nas três partidas e a quadrilha faturasse com as apostas.
O Fantástico exibiu depoimento de Bruno, contando sobre a armação para pênaltis nos jogos e sobre quanto gastou entre apostas e aliciamento de jogadores.
– Se juntar tudo dá uns R$ 400 mil – diz Bruno.
Houve apreensão de celulares de Bruno, de jogadores e muitos outros envolvidos. Foi quando o MP de Goiás se deu conta do tamanho do esquema.
– Nós temos elementos aqui que, em apenas uma rodada, o lucro que os apostadores tiveram foi de R$ 700 mil – diz o promotor do MP.
Moraes, lateral que jogava no Juventude em 2022, contou como foi o primeiro contato. Vitor Yamazaki, do grupo de apostadores, o procurou:
– Mano, você vai querer fazer? Eu tenho um dinheiro bom, a gente vai pagar R$ 30 mil, a gente vai te mandar R$ 5 mil antes do jogo e depois manda o restante, se der certo.
Nos jogos de primeira divisão as apostas eram maiores, como explicou Bruno, o líder do grupo.
– É muito relativo. Eu falei para eles, depende muito. É uma aposta que você faz. Casada com time grande, aí você coloca lá R$ 500, R$ 1 mil. Agora, se for time pequeno lá, a casa deixa colocar R$ 200, R$ 300…
O Fantástico mostra também que quando o atleta não cumpria o combinado, o grupo entrava em desespero. Segundo o MP-GO, os apostadores esperavam ter lucro milionário.
– Na antepenúltima rodada da série A do Campeonato Brasileiro, foram múltiplas apostas realizadas. E se esperava num dos grupos receber um lucro de R$ 2 milhões por essas apostas – contou o promotor do MP.
A reportagem lembra quando Eduardo Bauermann, zagueiro do Santos, deveria, pelo acordado com o grupo, ter levado cartão amarelo. Segundo a investigação, o jogador tinha recebido R$ 50 mil antecipados, mas não cumpriu.
Na rodada seguinte, ele deveria ser expulso contra o Botafogo para acertar sua “dívida” com o grupo. Bauermann recebeu o vermelho, mas só depois que o árbitro encerrou o jogo. Pelas regras dos sistes de apostas, o cartão não é contabilizado.
– Mano, você vai me pagar tudo. Eu te pedi. Eu confiei em você, mano. E você me desonrou de novo, mano – diz um dos integrantes do grupo ao jogador do Santos.
Numa troca de mensagens entre integrantes do grupo, um dos participantes, ainda não identificado, aparece com arma anunciando qual seria sua atitude caso um jogador não cumprisse o combinado.
– Falar pra ele aqui, fio. Essa aqui é pra você. Essa aqui é pra sua irmã. É, viado. Aqui com “nós” é só assim. Venha! – diz uma das mensagens com ameaças.
Nessa etapa da investigação, 13 jogos foram denunciados pelo MP à Justiça: oito da Série A, um da Série B, dois jogos do Campeonato Paulista e dois do Campeonato Gaúcho. O Ministro da Justiça, Flávio Dino, pediu para a Polícia Federal abrir inquérito para ajudar na investigação. O Governo Federal prepara Medida Provisória para regulamentar as apostas esportivas.
Na investigação do MP, os sites de apostas são considerados vítimas do esquema. Jogadores envolvidos foram afastados dos clubes. Quatro deles fizeram acordo de cooperação com o MP e se tornaram testemunhas do processo. São eles: Kevin Lomónaco (zagueiro do Bragantino), Moraes (lateral-esquerdo do Atlético-GO e agora emprestado ao Aparecidense-GO), Nikolas Farias (volante do Novo Hamburgo-RS) e Jarro Pedroso (atacante do Inter de Santa Maria).
Os dois primeiros receberam dinheiro para receber cartão amarelo, enquanto os outros dois foram pagos para cometer um pênalti. Além deles, outras duas pessoas estão no “Rol de Testemunhas e Informantes”.
– Na verdade, ele entrou em contato comigo mesmo. E pediu para eu fazer o pênalti. Só que ele estava insistindo e eu falei que não ia fazer – contou Nikolas, um dos jogadores que fez acordo.
Nas imagens às quais o Fantástico obteve acesso, existe ainda o seguinte diálogo:
Promotor: Então como é que você me explica isso aqui?
Aparece a imagem de Nikolas comentendo pênalti na partida entre Bento Gonçalves e Novo Hamburgo, pelo Gauchão. Depois, o áudio de Nikolas:
– Aqui é papo de homem. Se eu falei que vou fazer, eu vou fazer. É isso aí. Eu sabia que iria entrar no jogo, então, não tinha erro.
Eduardo Bauermann em chamada de vídeo em um dos celulares dos acusados manipulação de resultados de jogos — Foto: Reprodução/MPGO
Confrontado, Nikolas recuou e admitiu participação no esquema:
– A cada vez que eu negava, ele ia “então faça isso, faz aquilo”. Até que aceitei o do pênalti – contou Nikolas.
O MP-GO vai seguir a investigação nas mensagens do grupo e não descarta a possibilidade de manipulação em outros jogos do futebol brasileiro. (GE)