Neste ano, em todo o Brasil, autoridades resgataram 523 vítimas de trabalho análogo à escravidão. A informação foi repassada nesta terça-feira (7), pelo Ministério do Trabalho e Emprego, à Agência Brasil.
No estado de São Paulo, o primeiro caso do ano, ainda sob investigação, foi registrado em 26 de janeiro. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), 32 trabalhadores da cadeia de produção de cana-de-açúcar foram localizados nessa condição.
O resgate aconteceu a partir de uma operação conjunta, do MPT, Ministério do Trabalho e Emprego, Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal. As vítimas foram recrutadas por dois homens, conhecidos como “gatos”, nos municípios de Francisco Badaró, Minas Novas, Turmalina, Jenipapo de Minas e Berilo, em Minas Gerais, para trabalhar em Pirangi, no noroeste paulista.
O alojamento dos trabalhadores, porém, ficava em um município vizinho, Palmares Paulista, a 20 minutos de Pirangi. A acomodação foi feita em casas e um cômodo comercial, onde antes funcionava um açougue, que apresentava “péssimas condições de higiene e conforto”, conforme detalha o MPT. “Nos alojamentos havia colchões velhos, forros rasgados, fogões e geladeiras velhos, banheiros em condições precárias de higiene e instalações elétricas expostas”, complementa o órgão.
Os “gatos” cobraram R$ 320 de cada trabalhador, para transportá-los até o alojamento, de forma clandestina, em duas vans. As vítimas relataram às autoridades que não tinham como custear a própria alimentação e que dependiam deles para comprar produtos em um mercado. Os débitos no estabelecimento tornaram-se mais um fator a prejudicar os trabalhadores.
Em virtude das chuvas, as vítimas permaneceram nove dias sem trabalhar e, com isso, sem receber nenhum pagamento. Os empregadores celebraram um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o MPT e a DPU, que os obrigou, entre outras coisas, a pagar as verbas rescisórias devidas aos resgatados, além de cobrir os custos com alimentação e passagens de volta dos trabalhadores às suas cidades de origem. As multas estabelecidas em caso de descumprimento variaram de R$ 1 mil a R$ 5 mil por trabalhador.
O que é trabalho análogo à escravidão?
A legislação brasileira atual classifica como trabalho análogo à escravidão toda atividade forçada – quando a pessoa é impedida de deixar seu local de trabalho – desenvolvida sob condições degradantes ou em jornadas exaustivas. Também é passível de denúncia qualquer caso em que o funcionário seja vigiado constantemente, de forma ostensiva, por seu patrão.
De acordo com a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), jornada exaustiva é todo expediente que, por circunstâncias de intensidade, frequência ou desgaste, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, que, vulnerável, tem sua vontade anulada e sua dignidade atingida. Já as condições degradantes de trabalho são aquelas em que o desprezo à dignidade da pessoa humana se instaura pela violação de direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes à higiene, saúde, segurança, moradia, alimentação, a repouso ou outros relacionados a direitos da personalidade. Outra forma de escravidão contemporânea reconhecida no Brasil é a servidão por dívida, que ocorre quando o funcionário tem seu deslocamento restrito pelo empregador, sob alegação de que deve liquidar determinada quantia de dinheiro.
Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Walk Free e Organização Internacional para as Migrações, divulgado em setembro de 2022, destaca que, no mundo todo, cerca de 28 milhões de pessoas foram vítimas de trabalhos forçados, em 2021. A maioria dos casos de trabalho forçado (86%) ocorre no setor privado, e quase uma em cada oito pessoas que eram submetidas a esse tipo de violação é criança (3,3 milhões).
O MPT disponibiliza, em seu site, um canal para registro de denúncias de crimes que atentem contra os direitos dos trabalhadores. A notificação pode ser feita de forma anônima.
(Juliana Andrade e Letycia Bond – / Agência Brasil)