O escritor português José Saramago (1922 – 2010) escreveu, talvez, as mais encantadoras e instigantes páginas da literatura portuguesa. Sempre tendo como foco o comportamento do homem em sociedade; para tanto, extrema o real, usando o absurdo como forma de denunciar a realidade. No memorável “Ensaio sobre a Cegueira” (1995), ele nos presenteia com o seguinte aforismo: “A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente.”; infelizmente, a máxima do Nobel de Literatura é cada vez mais presente em parcela significativa da população brasileira. Tomada por sentimentos que vão da mitificação à indiferença, néscios corroboram com desmandos, agressões, violações e atrocidades cometidas pelo ocupante do Alvorada.
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São tantas estultíces, mas a última (caso não haja mais alguma entre o ato deste escriba e a publicação desta missiva) é tacanha, mesquinha, grosseira e, principalmente, chauvinista. O presidente, ao proferir a indecorosidade “ – Ela queria dar o furo…”, o monstrengo que faz arminha, com concordância e risadas de sua trupe, demonstra toda a sua inaptidão intelectual, moral e ética, não apenas para ocupar o cargo maior do país como também para conviver com as diferenças.
A luta das mulheres pela igualdade é sabida por muitos e negada por muitos mais, inclusive por parte do sexo feminino. As conquistas feministas foram às duras penas. Quantas não sofreram tipo de violência para que suas iguais pudessem votar? Assista ao filme “As Sufragistas” (2015). Como não refletir sobre a absurda realidade brasileira; um estupro a cada 11 minutos? Leia “Uma a cada onze” (https://7seminario.furg.br/images/arquivo/315.pdf). Por que não pensar sobre a escalada do feminicídio? Pesquise “Violência contra mulheres em dados” (https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/). Imagine o efeito que causaria se, ao invés de fazer arminha e vomitar termos chulos, o “capetão” pregasse paz, respeito e tolerância…
Simone de Beauvoir, em “O segundo Sexo” (1967) afirma: “As mulheres de hoje estão destronando o mito da feminilidade; começam a afirmar concretamente sua independência; mas não é sem dificuldade que conseguem viver integralmente sua condição de ser humano”. Daquele ano até hoje, passaram-se 53 difíceis e dolorosos anos e a selvageria contra as mulheres não arrefeceu. Antes, parece florescer com vigor na sociedade contemporânea. Independentemente da posição que se ocupe no estamento social, o comportamento em relação ao sexo feminino é troglodita. No longínquo século XIX, Sörin Kierkegaard já alertava para a condição da mulher: “Que desgraça ser mulher! Entretanto, a pior desgraça quando se é mulher é, no fundo, não compreender que sê-lo é uma desgraça”.
O cantor Genival Lacerda emplacou um sucesso, em 1979, com “Radinho de Pilha” (de Namd e Graça Góis): “Eu não tolero tanto desaforo/Tem mulher que só aprende quando o coro desce/ Pra gente ficar empate, eu vou lhe dar uma sova/ Pois o rádio que eu comprei todo mundo já conhece/ Ela deu o rádio…” fala, em seu forró malícia, sobre a coisificação da mulher e de atitudes machistas, herança dos Senhores de Engenho. Sem metáforas e com um alcance e repercussão descomunais, o incipiente e insipiente planaltino verde-oliva-mor afronta não só mulheres mas também estilha dos homens. Assim, como disse Saramago, no mordaz “Ensaio sobre a Lucidez”: “Que monstruosas coisas é capaz de gerar o cérebro”.
*SÉRGIO CINTRA é professor de Redação e de linguagens em Cuiabá.
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