Prestes a conquistar o acesso à Série C do Campeonato Brasileiro no comando do Mirassol, o técnico Eduardo Baptista vive uma nova fase da breve carreira de seis anos. Apesar do pouco tempo como treinador de futebol, o filho do experiente e vitorioso Nelsinho Baptista acumula passagens por clubes como Athletico, Fluminense, Ponte Preta, Sport e Palmeiras.
Eduardo Baptista deu, para muitos, um passo atrás na carreira. Na temporada passada, acabou demitido do CSA após maus resultados na Série B. A saída do time alagoano foi o estopim para, segundo ele, uma mudança de rumo na carreira: deixar o mercado dos principais clubes brasileiros em busca de maior estabilidade e trabalho a longo prazo.
No comando do Mirassol desde setembro, Eduardo Baptista está a um jogo da semifinal na quarta e última divisão do futebol nacional, o que garante a promoção para a Série C.
O time do interior paulista, aliás, vive uma de suas melhores temporadas em 95 anos. O histórico terceiro lugar no último Paulistão, eliminando o São Paulo no Morumbi nas quartas, garantiu a inédita participação na Copa do Brasil. A meta agora é ter um calendário cheio em 2021.
Eduardo Baptista passou por Fluminense, Sport, Athletico e Palmeiras antes de chegar ao Mirassol — Foto: Infoesporte
Na sala de imprensa do luxuoso Centro de Treinamento do Mirassol, Eduardo Baptista conversou com o ge sobre a carreira, a rápida e intensa passagem pelo Palmeiras, amizades e futebol. Confira abaixo o bate-papo:
ge: Como você avalia atualmente a carreira. Considera que busca dar a volta por cima? É um recomeço?
– Não vou falar que é uma volta por cima porque vai parecer que saí em baixa do CSA, quando aconteceu algo natural no futebol atual. Montamos um time que tínhamos certeza que estaria brigando com Chapecoense e América-MG pelo acesso e título, mas aí a Covid-19 acabou atrapalhando todo o planejamento. Isso aconteceu com muitos trabalhos por conta desse problema, mas não considero que seja uma volta por cima. Tenho apenas seis anos de carreira, me considero um jovem na profissão.
ge: O Mirassol chamou a atenção após eliminar o São Paulo no Paulistão. A estrutura que o time oferece permite sonhar com a elite do futebol brasileiro?
– Não estou no Mirassol para fazer um bom trabalho, chamar atenção em um Paulistão, por exemplo, e sair para um grande clube do estado. Estou porque, ao lado do Juninho [diretor de futebol], planejei um trabalho a longo prazo, de, se Deus quiser, colocar o Mirassol na Série B do Campeonato Brasileiro. E tomara que consiga fazer isso ainda em 2021, com o acesso na Série D e na Série C na sequência.
ge: Disputar a Série D do Brasileiro é diferente? O nível técnico entre as competições está cada vez mais parelho?
– Atualmente prefiro assistir um jogo da Série D do que dá Série B do Brasileiro. O investimento que a CBF fez nas outras divisões permitiu que vários comissões técnicas possam mostrar o seu trabalho e linha de pensamento, maneira de jogar, e isso dá uma maior variação, principalmente na Série D. O futebol brasileiro, exceto na Série A que você tem um grande investimento, está cada vez mais nivelado, como podemos observar nas Séries C e D, por exemplo. Esperamos poder conquistar o acesso com o Mirassol e em breve disputar os principais campeonatos.
Eduardo Baptista treinou o Palmeiras por menos de cinco meses — Foto: Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação
– Não saí do Palmeiras decepcionado ou frustrado, pelo contrário. Acho que o meu trabalho foi muito bom. Pegamos um time que havia sido campeão brasileiro e conseguimos trabalhar bem nas competições que vínhamos disputando. A minha saída do Palmeiras aconteceu pela derrota para a Ponte Preta no Campeonato Paulista, mas vínhamos bem na Libertadores, classificados com duas rodadas de antecedência e fazendo história. Conseguimos vencer um time uruguaio fora de casa pela primeira vez desde a “era Ademir da Guia”, isso não pode ser questionado e esquecido. O trabalho era muito bem feito, mas no Palmeiras não adianta você ir bem nesse ou naquele campeonato, é um time atípico, diferente de trabalhar. Você precisa ganhar tudo, a torcida não se contenta com apenas um bom desempenho, tem que conquistar todos os campeonatos que disputa.
Eduardo comandou o Palmeiras em 23 jogos, com 14 vitórias, quatro empates e cinco derrotas – aproveitamento de 66,6%.
ge: Queria que você comentasse aquela entrevista que viralizou e é relembrada até hoje, quando acabou se exaltando por conta de uma declaração de que seria “maleável” com sugestões de escalação no Palmeiras. Como encara isso atualmente?
– Falta verdade no futebol. Esse é o ponto que precisamos discutir atualmente. Ninguém mais se posiciona por medo da reação do próximo, mas nós sabemos que existem opiniões e posicionamentos que devem ser ditos. O jogador atualmente é treinado para falar apenas o básico, passa por um media training desde cedo. Não acho isso ruim, mas perdemos as referências e cada vez menos temos jogadores como Fred, Durval, Felipe Melo, que se posicionam e se tornam referência para os jovens. Precisamos repensar essa relação e a falta de verdade, aquele desabafo foi apenas parte do que penso sobre o que se tornou o mundo do futebol. Não ligo de virar meme, mas creio que muita gente esteve e está ao meu lado com aquele posicionamento.
“Me tornei amigo de grandes jogadores, como Felipe Melo, Dudu, Diego Souza, Fred, Ronaldinho Gaúcho. Isso mostra o trabalho que desenvolvemos nos clubes, sempre priorizando coisas que vão além do campo. São jogadores que estão em falta no mercado, não produzimos mais essas personalidades”, afirma Eduardo Baptista.
ge: Uma das passagens que mais marcaram no Palmeiras foi a briga generalizada após a partida contra o Peñarol, pela Libertadores. Como foi aquele momento em que parecia que uma guerra aconteceria nos vestiários?
– Lembro que eu, Felipe Melo e outro jogador ficamos presos no estádio, encurralados. O Palmeiras levou uma grande quantidade de seguranças e foi isso que nos salvou de apanharmos. Temi pelo pior naquele dia. Levamos empurrões, chutes, outras coisas e foi por muito pouco que não aconteceu uma tragédia. Acho que é algo que precisa ser evitado no futebol atual, não existe mais espaço para esse tipo de coisa, ainda mais em uma Libertadores, que é o nosso principal campeonato.
Felipe Melo dá soco em Matias Mier na briga de Peñarol x Palmeiras, em jogo da Libertadores de 2017 — Foto: REUTERS/Andres Stapff
ge: Você disse em uma entrevista que não trabalha para ficar rico, mas para ganhar títulos. É esse pensamento que fez abrir mão do mercado de grande rotatividade da Série A do Brasileiro?
– Claro que ninguém é hipócrita em dizer que não trabalha por dinheiro, mas minha linha de pensamento vai além disso. Você deve conhecer meu pai, o Nelsinho Baptista, e me apego muito ao que ele passou durante a carreira. Se ele cedesse a muitas coisas, poderia ter tido outro caminho, mas ele é um profissional vitorioso mantendo a sua filosofia. Assim que fui criado no futebol, com essas referências que me fazem pensar como um todo, não apenas no dinheiro ou no status de estar no comando de um grande clube. Foi até por isso que abdiquei neste momento de algumas coisas por um projeto que me permite evoluir e crescer profissionalmente. (Globo Esporte)