O ministro da Agricultura e senador licenciado, Carlos Fávaro (PSD-MT), emplacou em seu reduto eleitoral o maior convênio com dinheiro do caixa do Ministério da Defesa durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Os recursos foram articulados pelo general Braga Netto, então ministro da Defesa, para obras apadrinhadas pelo centrão, após o STF (Supremo Tribunal Federal) suspender o orçamento secreto.

O que aconteceu

Os R$ 30 milhões para uma obra de pavimentação de trecho da rodovia MT-010, que liga São José do Rio Claro e Tapurah, na região central de Mato Grosso, foram direcionados pelo então senador por meio do programa Calha Norte, do Ministério da Defesa, em dezembro de 2021.

Tabela de controle interno do Ministério da Defesa, obtida pelo UOL via LAI (Lei de Acesso à Informação), mostra que o senador é o padrinho oculto da verba.

Eles direcionaram verbas do Calha Norte para obras de infraestrutura em seus redutos eleitorais sem emendas parlamentares. As indicações dos recursos também se deram sem transparência.

Além de driblar decisões do STF que barraram o orçamento secreto (emendas cujos autores não eram identificados usadas para compra de apoio político), a manobra vai contra regras das leis orçamentárias que determinam critérios socioeconômicos para a distribuição do dinheiro federal.

Procurado por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura, Carlos Fávaro não quis comentar o apadrinhamento da verba. Em suas redes sociais, ele anunciou ser o padrinho da obra.

Ao UOL, o general de divisão Ubiratan Poty, que comanda o Calha Norte desde o início do governo Bolsonaro, admitiu o caráter político da distribuição de verbas. “Isso [os recursos com o carimbo de políticos] foi [definido] através de documentos específicos lá do Congresso”, afirmou o general (veja o que mais disseram o Ministério da Defesa e os demais parlamentares beneficiados).

Já Braga Netto disse que “não houve qualquer ‘manobra’ com verbas do Programa Calha Norte para favorecimento político partidário”. “Enquanto estive à frente do Ministério da Defesa, todos os repasses passaram por uma análise criteriosa do departamento responsável pelo programa, seguindo os princípios fundamentais de legalidade, probidade e responsabilidade pública”, afirmou ele em suas redes sociais.

Propaganda em rede social

A indicação dos recursos para a obra foi motivo de postagens do atual ministro da Agricultura em rede social. Em 31 de dezembro de 2021, no dia em que o Ministério da Defesa assinou o repasse dos R$ 30 milhões, Fávaro postou:

“Para fechar esse ano com chave de ouro, uma ótima notícia para a população de Tapurah e São José do Rio Claro, o empenho de R$ 30 milhões para a pavimentação da MT-010. Consegui a liberação do recurso através do Ministério da Defesa, pelo programa Calha Norte!”.

Ao ser questionado por um seguidor sobre a indicação da verba, o senador demonstrou irritação nos comentários da postagem.

Se não fosse o meu trabalho, a minha indicação, esse valor não iria para essa obra. Não viria nem para Mato Grosso. Então fui eu sim [o padrinho].
Carlos Fávaro, em rede social

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No dia 6 de maio, já durante o governo Lula (PT), Fávaro voltou a usar as redes sociais para anunciar a liberação de uma parcela de R$ 6 milhões pelo Ministério da Defesa.

Na ocasião, o senador disse que a verba saiu de uma “emenda do Fávaro”, apesar de não haver nenhuma emenda dele relacionada a esse recurso.

Os recursos do Calha Norte são reservados no momento da assinatura do convênio com os governos locais, mas o desembolso acontece à medida que as licitações são realizadas. Os repasses do programa são voltados para obras, como pavimentação e iluminação, e compra de equipamentos.

Liberação a jato

Apesar de ter sido o maior convênio assinado pelo Ministério da Defesa na gestão Bolsonaro, os recursos para a obra da MT-010 foram garantidos a jato.

O governo de Mato Grosso, que está executando o projeto, apresentou a proposta de parceria com a União no dia 27 de dezembro de 2021.

Quatro dias depois, em 31 de dezembro, foi feita a assinatura.

Os R$ 30 milhões integram uma leva de recursos extras decorrentes de um pedido do então ministro da Defesa, general Braga Netto, que solicitou mais de R$ 300 milhões ao Calha Norte, no fim de 2021, para ações de infraestrutura apadrinhadas por políticos.

A manobra ocorreu após a ministra Rosa Weber, do STF, ter suspendido o orçamento secreto em decisão liminar. Em 2022, após a decisão definitiva da Suprema Corte, que proibiu o orçamento secreto, o drible voltou a ocorrer, totalizando ao menos R$ 1 bilhão.

Os custos da obra em Mato Grosso estão fora da curva do Calha Norte: uma portaria de 2019 estabeleceu teto de R$ 7,5 milhões para os repasses, a não ser em “situações excepcionais” que deveriam ser analisadas pela pasta.

Ao todo, a pavimentação do trecho da MT-010 foi estimada inicialmente em R$ 112,6 milhões. A maior parte do dinheiro vem do governo estadual.

A licitação, concluída em março deste ano, foi vencida pela empresa Lucena Infraestrutura LTDA., com o valor de R$ 98,1 milhões.

A obra está em andamento, com pouco menos de 2% já realizados.

Verbas em áreas de padrinho

O uso de verbas próprias do governo federal em redutos eleitorais já gerou desconforto para Carlos Fávaro.

O ministro da Agricultura empenhou R$ 47,2 milhões para Canarana e Campo Verde, cidades de Mato Grosso onde Eraí Maggi, o maior produtor de soja do país, reúne ao menos dez fazendas. Apoiador do presidente Lula (PT), Eraí e o primo, o ex-governador Blairo Maggi, foram os responsáveis por aproximar Fávaro do petista e a trabalhar por sua indicação ao cargo.

Esse dinheiro faz parte das extintas emendas do orçamento secreto, consideradas inconstitucionais pelo STF em 2022. Parte dessas emendas previstas no Orçamento de 2023 foi transferida para os ministérios com o objetivo de financiar programas.

O ministro das Relações Institucionais do Palácio do Planalto, Alexandre Padilha, questionou o envio de recursos para cidades específicas do estado, atendendo a interesses individualizados, conforme mostrou reportagem do UOL.

A assessoria de imprensa do ministério informou que a aplicação de recursos está de acordo com portaria interministerial do governo Lula que trata de regras de transferências de recursos para estados e municípios.

“Cabe destacar que há diversos objetos presentes nos instrumentos em celebração e/ou em execução no ministério, dentre esses, se materializa o escopo de recuperação e ampliação de estradas vicinais, que configuram importante mecanismos de escoamento da produção agropecuária, redução dos custos de transporte e ações de desenvolvimento regional, aproximando o trabalhador rural aos acessos de escolas, hospitais e mercados consumidores”.