“Agora é 2019, e eu poderia ter escolhido qualquer lugar para jogar, mas escolhi voltar para o Brasil, pelo meu país, pelo meu povo, pelo meu clube de coração. É irreal, mas estou aqui.” As palavras acima foram ditas por Daniel Alves no dia 1º de agosto de 2019. A data marcou o anúncio do lateral-direito como reforço do São Paulo. O discurso do jogador deixava claro que aquele momento era especial.
Dois anos se passaram, e o que parecia um sonho perfeito de três anos e meio terminou como um pesadelo. Na última sexta-feira, a diretoria são-paulina anunciou que Daniel Alves não irá mais jogar pelo clube após ele ter se recusado a treinar sob a alegação de que só retornaria depois que uma dívida de R$ 18 milhões fosse paga.
A decisão não foi surpreendente para quem acompanha o dia a dia do clube. A situação de Daniel Alves no Tricolor era praticamente insustentável com os diretores e, principalmente, com a torcida.
Após a apresentação de gala, com direito a entrevista coletiva no salão nobre do Morumbi (algo muito raro), o lateral-direito estreou no meio de campo no dia 18 de agosto daquele ano com direito a gol da vitória contra o Ceará, pela 15ª rodada do Campeonato Brasileiro.
A estreia encheu o torcedor de esperança. Naquele momento, imaginou-se que Daniel Alves seria o dono do meio de campo tricolor – o jogador pediu para sair da lateral e atuar como meia no Brasil.
Mas depois disso o que se viu foi um Daniel Alves entre altos e baixos, conseguindo apenas alguns lampejos com assistências e lances de efeito. O segundo gol dele, por exemplo, foi sair apenas em novembro de 2019, em empate por 1 a 1 contra o Santos.
Naquele mesmo mês, Daniel Alves recebeu as primeiras cobranças de parte da torcida após uma derrota em casa para o Athletico, pelo Brasileirão. Começava ali uma relação conturbada que jamais seria reatada.
O grande estopim para o racha aconteceu em 21 de setembro de 2020, no famoso caso da batucada. O camisa 10 postou vídeos em suas redes sociais onde aparecia com um tantã. Ele tocava no instrumento musical com a mão direita, a mesma que o tirou da viagem ao Equador para o jogo contra a LDU, pela Libertadores. O meia se recuperava de uma fratura justamente no antebraço direito.
Na primeira oportunidade que a torcida teve para protestar, o jogador de 38 anos foi o principal alvo. Em outubro do ano passado, após as eliminações no Paulistão, para o Mirassol, e a queda na fase de grupos da Libertadores, torcedores se reuniram em frente ao CT da Barra Funda e lembraram o episódio do tantã:
– Ô, Daniel, quebra meu galho, vai tocar samba lá na casa do c…
A temporada de 2020 terminou sem títulos e com um clima péssimo na relação clube/jogador. Foi neste ano, inclusive, que o grande problema começou.
Daniel Alves posta vídeo tocando instrumento — Foto: Reprodução
A dívida
Daniel Alves assinou contrato com um salário de R$ 1,5 milhão. O valor era considerado fora da realidade para o futebol brasileiro, ainda mais para um clube que passava (e ainda passa) por grave crise financeira.
A ideia da gestão de Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, era arrumar parceiros e fazer um grande marketing em torno de Daniel Alves para conseguir arcar com as altas despesas. Além disso, contavam com o fato de ele ter saído de graça do PSG.
No entanto, essa expectativa nunca se confirmou, e o São Paulo se viu mergulhado sozinho na dívida com o jogador. Em um primeiro momento, até houve o pagamento em dia, mas a crise se agravou com a pandemia do novo coronavírus.
Em março de 2020, o futebol no mundo foi paralisado devido ao vírus, e a grande maioria dos clubes precisou se readequar à realidade. No caso do São Paulo, os salários foram cortados em 50% com a promessa de que os vencimentos seriam repostos a partir de 2021.
A partir dali, o que se formou foi uma grande bola de neve em torno dos salários de todos os atletas e, principalmente, de Daniel Alves, já que tem os maiores vencimentos do elenco.
A nova gestão, presidida por Julio Casares, assumiu o clube no primeiro dia de 2021 com a esperança de apaziguar a situação e conseguir honrar com os pagamentos, mas isso não foi possível.
Com uma dívida de mais de R$ 600 milhões, o São Paulo viu seu débito com o jogador chegar a R$ 18 milhões. A insatisfação de Daniel Alves começou a se tornar pública, como em entrevista ao “Bem, Amigos!”, de maio deste ano:
– Quando você compra um grande vinho, você não compra a garrafa, você compra a história. A história tem um preço. Se você não tem a capacidade de arcar com essa história, dificilmente você vai beber grandes vinhos constantemente – afirmou.
O discurso mais duro, porém, veio após a conquista dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Ao ganhar a medalha de ouro com a Seleção em uma convocação que causou mais ira nos torcedores, Daniel Alves afirmou que o São Paulo havia falhado com ele em várias ocasiões.
– O São Paulo falhou muito comigo, e era um momento que eu tinha de escolher pelo São Paulo e por defender meu país, e sempre vou representar meu país e por tabela representar o time. As pessoas falam porque não conhecem minha dedicação, entrega e respeito com o São Paulo, sendo que o São Paulo muitas vezes falhou comigo, e eu não falho com o São Paulo – disse.
A fala causou descontentamento na diretoria e encerrou de vez a pouca relação afetiva que ele tinha com o torcedor. O São Paulo tentou abafar o caso para não dar ainda mais repercussão, mas o sentimento no clube é de que já não havia mais saída a não ser cada um seguir seu caminho.
O fim
A ruptura, no entanto, não era esperada tão imediatamente. Depois do episódio da Olimpíada, o São Paulo passou a procurar uma maneira de fazer um acordo para pagar esses atrasados e planejava uma rescisão amigável ao fim da temporada.
Nas últimas semanas, o Tricolor apresentou uma proposta aos representantes do jogador para sanar a dívida, mas ela não foi aceita. As conversas continuariam enquanto Daniel Alves atuasse pelo São Paulo. O caso, no entanto, teve uma enorme reviravolta na última sexta.
Junto com a seleção brasileira nas últimas duas semanas para a disputa de três jogos das eliminatórias sul-americanas para a Copa de 2022, o jogador era esperado no CT da Barra Funda na sexta-feira, com Miranda. No entanto, somente o zagueiro compareceu.
A diretoria do São Paulo, então, entrou em contato com o representante do jogador, que informou que Daniel Alves só iria retornar ao clube após o pagamento dos atrasados.
Para o São Paulo, não tinha mais volta. Diante da postura do jogador e dos seus representantes, o diretor de futebol Carlos Belmonte foi a público para declarar que mesmo após o pagamento da dívida, Daniel Alves não faria mais parte do elenco de Hernán Crespo.
A rescisão de contrato ainda não foi assinada. Clube e jogador agora tentam um acordo de forma amigável – e que isso seja feito da maneira mais rápida possível para que eles fiquem livres um do outro. O vínculo vai até dezembro de 2022 .
A passagem de Daniel Alves pelo São Paulo termina com 95 jogos, dez gols feitos, um título do Campeonato Paulista e muitas mágoas para ambos os lados. (Globo Esporte)