Do pensamento, felicidade.
É no mundo das ideias que se encontra a liberdade e não no mundo dos fenômenos. Nestes, a moralidade, costumes, religião e cultura, nos impõe obrigações, e delas só se consegue libertar-se pelo pensamento.
Um titular de pensamento liberto é senhor da própria prisão. Se prende quando convier e se liberta quando quer. Ele tem a chave de seu arbítrio.
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Aquele que controla as próprias inclinações e apetites (para Kant, estes são fenômenos do mundo sensível – ‘Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos’) coloca o tronco cerebral em seu devido lugar, acima dos inferiores.
Nada é mais aterrorizante e sofrível que a convivência na insensatez, na crítica sem fundamento, na fala irreflexiva. Boa parte dos viventes não se importa com os fatos, mas tão somente com o que faz deles. A outra parte, minoritária, sofre pela audácia dos ‘palpites’.
Ter opinião é salutar, quando acompanhada de conhecimento, reflexão e honestidade intelectual. No mundo há muitas mentiras, blefes de quem não sabe que nada sabe, mas se dão a pertencer à categorias, academias e ilusões.
O segredo para conviver com esse caos pragmático e utilitário é residir-se no mundo das ideias, colocar os seus tesouros na razão (mundo inteligível kantiano).
Quando o grito da consciência não ecoa nas vontades e inclinações, se faz da moral mudanças nem sempre legitimadoras, libertadoras e democráticas. Há muita ‘frescura’ pessoal no paraíso das formas sem lógicas. Seria como o ‘se e somente se’ transmudando em ‘se acaso se’.
Por isso que a metafísica não pode ser abandonada. É dela a tarefa de, nos fundamentos primeiros, manter incólume a origem do paradigma, ainda que analítico.
Seria como condenar a Nietzsche pela expressão ‘Deus está morto’ sem sequer saber seus fundamentos e o devido contexto. A ignorância faz escola num universo de conhecedores por ‘osmose’ (sentido coloquial, sem necessidade de gastar energia), por aproximação e mero contato.
Pensemos em dois pescadores em lados opostos num largo rio, fundo e sem canoa. Um acena para o outro, que não pode ouvi-lo, levando os dedos indicador e médio na boca. O outro não entende tratar-se de tão somente um pedido de cigarro. Pensa num gesto de mandar beijos. Fica cismado e não responde. Mas, qual a verdade, primeira e reflexiva, por trás desse quadro? Não é a comunicação e sim algo mais prático: ainda que o outro entendesse a mensagem, como enviar o cigarro? Portanto, essa impossibilidade independe da vontade, da mutação das coisas, da comunicação. É premissa imutável, universal e invencível, que deveria ser considerada mesmo antes da primeira ação, do fenômeno do mundo sensível.
Ter o domínio das próprias inclinações é viver mais livremente. E vida em condições tais é vida inteligível, que não abre mão da razão.
O mundo dos fenômenos é mundo dependente de algo mais superior que os meros acontecimentos, ainda que se considere somente as leis da natureza. Mesmo nestas, haverá, sempre e sempre, uma inteligência permanente, quer se chame de motor imóvel, princípio primeiro, Deus ou Grande Arquiteto.
*GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é da Academia Mato-Grossense de Magistrados (AMA), da Academia de Direito Constitucional (MT), formado em Filosofia (UFMT), poeta, professor universitário e juiz de Direito na Comarca de Cuiabá.
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