O pé esquerdo de Deyverson já tinha entrado para a história palmeirense quatro minutos depois de entrar na prorrogação em Montevidéu. No ataque do Flamengo, Gabigol não se conformava:

– Tomar gol do maluquinho é f…

A anedota foi ouvida em campo por um zagueiro do Palmeiras e contada ao ge. Traduz um pouco da imagem de Deyverson Brum Silva, ex-jogador do Cuiabá, para o grande público.

O novo atacante do Atlético-MG muitas vezes é folclórico, quase sempre é irreverente, mas o jogador que revê o ex-clube Cuiabá neste sábado, às 16h, na Arena MRV, tem vontade de mostrar que sempre foi mais do que isso. É competitivo e é artilheiro. Também um amante apaixonado pela esposa Karina – que virou espécie de guru do jogador. Um divisor de águas na carreira de Deyverson.

O baixinho com os primeiros passos no futebol — Foto: Arquivo pessoal

O baixinho com os primeiros passos no futebol — Foto: Arquivo pessoal

Deyverson, pequeno artilheiro, chora ao receber troféu — Foto: Arquivo pessoal

Deyverson, pequeno artilheiro, chora ao receber troféu — Foto: Arquivo pessoal

Conhecido como Acosta no início da trajetória – até hoje não é difícil de encontrar pela internet a confusão com o nome do uruguaio ex-jogador de Náutico e Corinthians como se fosse um terceiro sobrenome de Deyvinho -, ele jogou a quinta divisão do Rio de Janeiro em 2011 e 2012. Fez nove gols em cada temporada pelo Grêmio Mangaratibense.

Na Wikipédia, apelido de Acosta virou sobrenome — Foto: Reprodução

Na Wikipédia, apelido de Acosta virou sobrenome — Foto: Reprodução

– Muitas pessoas acham que meu nome é Deyverson Brum Silva Acosta. Não tem Acosta. Foi apelido que me colocaram no Grêmio Mangatibense. Achavam que eu era parecido com ele, mas, pelo amor de Deus… olha isso aqui, tá louco, olha essa beleza aqui. Não tem como! – brinca Deyverson, alisando o rosto para mostrar o conteúdo.

– Falei até com ele (o “verdadeiro” Acosta) esses dias no Instagram. A gente bateu um papo. Eu falei: “pessoal me compara muito contigo, pô”. Eu falei: “pela altura, né?” Mas ele é gente boa, gente boa.

 

Deyverson com a camisa do Grêmio Mangaratibense em 2011 — Foto: Reprodução

Deyverson com a camisa do Grêmio Mangaratibense em 2011 — Foto: Reprodução

Farra no passado

Nascido no bairro de Santa Margarida, em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, Deyverson fez 33 anos em maio. Um mês antes, recebeu a reportagem do ge para a gravação do Abre Aspas – quadro de longas entrevistas que não foi publicada porque, logo em seguida, o imprevisível jogador foi afastado pela direção do Cuiabá e pouco atuou até ser negociado com o Galo.

O rubro-negro Anderson, ex-goleiro do Figueirense, e o irmão e vascaíno Deyverson com as cores do time fundado pelo pai Mamaô — Foto: Arquivo pessoal

O rubro-negro Anderson, ex-goleiro do Figueirense, e o irmão e vascaíno Deyverson com as cores do time fundado pelo pai Mamaô — Foto: Arquivo pessoal

A família Brum nas origens de Deyverson — Foto: Arquivo pessoal

A família Brum nas origens de Deyverson — Foto: Arquivo pessoal

Ele contou um pouco da vida, da carreira e do momento especial que vivia no Cuiabá. O que ele considerava o de maior maturidade em seus pouco mais de 30 anos de vida. Não à toa.

– Se eu estivesse conhecido a minha esposa antes, acho que talvez eu teria trilhado caminho mais brilhante. Acho que não tinha uma pessoa do meu lado que me orientasse a fazer as coisas da forma que devia acontecer. Meu empresário falou esses dias que se eu não tivesse feito as coisas que eu fiz estaria na Seleção faz tempo. Porque surgiu o interesse da Seleção, há um tempo atrás, só que eu estava bebendo, curtindo, vivendo a vida, tomando cartão vermelho, amarelo, fazendo polêmicas… – contou Deyverson.

Bem, alguns tipos de polêmicas vamos dizer que seja especialidade da casa e de difícil mudança. Logo nos primeiros dias em Belo Horizonte, fez a festa dos atleticanos ao dizer que “nem escutou” a torcida do Cruzeiro no Mineirão, tomado apenas pelos torcedores da Raposa. Nem Karina consegue modificar esse jeitão do 9 do Galo.

Mas foi ela – e o amigo Pepê, ex-Cuiabá, hoje no Grêmio – quem o levou a se tornar evangélico e se batizar. Deyverson passou a frequentar a igreja, ser presença assídua em cultos e virou padrasto carinhoso da filha de Karina. Mudou hábitos e se tornou mais profissional aos 30 anos de idade.

Deyverson é batizado nas férias em 2023 — Foto: Reprodução

Deyverson é batizado nas férias em 2023 — Foto: Reprodução

– Eu gostava de tomar minha cervejinha, de sentar no portão e ficar bebendo. De ficar ouvindo pagode, ouvindo sertanejo. Se eu puder dar um conselho para essa juventude, é: não faça. Sei que é difícil colocar na cabeça dessa juventude, porque o mundo nos propõe coisas maravilhosas. Mas se parar para pensar é vazio. Se eu pudesse voltar no tempo, eu não faria. Estaria bem melhor hoje – diz Deyverson.

– Eu não estou questionando quem bebe, quem deixa de beber. Estou falando o que vivi. Para ser profissional de alto nível tem que renunciar muitas coisas. É difícil, o mundo proporciona coisa muito boa. Quando você está ali, você não quer saber de nada. Você quer beber, quer curtir, quer dançar…

Ex-auxiliar e treinador do Cuiabá, Luiz Fernando Iubel era um dos profissionais que mais conversava com Deyverson nos tempos mato-grossenses. Incutiu na cabeça do jogador que ele era referência daquele grupo e que devia, então, ser também líder. Um papel que nunca tinha exercido em sua carreira.

– Uma vez ele me disse: “eu te agradeço porque você me reconheceu como um dos líderes aqui”. Ele conseguiu colocar isso para fora. Ter mais consciência das ações – relata Iubel, hoje em preparação para curso de treinador na UEFA.

Luiz Fernando Iubel e Deyverson na vitória do Cuiabá sobre o Metropolitanos, em 2024 — Foto: AssCom Dourado

Luiz Fernando Iubel e Deyverson na vitória do Cuiabá sobre o Metropolitanos, em 2024 — Foto: AssCom Dourado

 Pai e irmão goleiros

Quando era pequeno em Campo Grande, Deyverson sonhava em ser pagodeiro ou dançarino. Até hoje é muito fã de Belo, de Thiaguinho, do sertanejo Gusttavo Lima. Só que o pai Carlos Roberto marcava duro. De cabelo “black power”, era goleiro do futebol de várzea na área. Mamaô, como é conhecido, criou a própria escolinha de futebol. De lá, saiu Patrick de Paula, ex-Palmeiras, hoje no Botafogo.

Deyverson ficou com trauma de tanto que o pai o acordava de madrugada para pegar os ônibus que precisava para fazer testes e treinar futebol Rio de Janeiro afora. Foi no Tigres, de Xerém, no Colônia, de Jacarepaguá, no Nova Iguaçu… até ser aprovado no Grêmio Mangaratibense.

Deyverson vai no meio da torcida do Alavés e dá medalha ao pai, que se emociona — Foto: Reprodução

Deyverson vai no meio da torcida do Alavés e dá medalha ao pai, que se emociona — Foto: Reprodução

– Eu tentei ser goleiro também, só que o meu pai não aceitou. ”Você vai ser centroavante” – lembrou Deyverson, contando que o irmão Anderson, esse sim, virou goleiro e teve passagem pelo Figueirense.

– Ele tinha canhotinha potente. Meu pai falou: eu e seu irmão ganhamos dinheiro como goleiro. Foi uma dica de milhões – lembra Anderson, irmão mais velho de Deyverson.

Além de Anderson, Deyverson tem um outro irmão, Leandro, que foi militar paraquedista. Antes de se destacar e começar a ganhar dinheiro, o jogador recebia apenas o que se pode chamar de ajuda de custo nos pequenos clubes, mas muitas vezes contando muito mais com a contribuição de lanches em comunidades próximas aos clubes em que treinava. Deyverson ganhava R$ 50 ensacolando compras na feira em Campo Grande. Também vendia salgados na rua. Era assim ainda com 18 anos.