Tico, um peixe-boi-marinho (Trichechus manatus) brasileiro, é o protagonista de um novo estudo publicado no final de outubro na revista Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom. A pesquisa analisa o curioso comportamento apresentado pelo animal, que o levou a nadar por uma impressionante distância de 4.017 km – do Ceará à costa da Venezuela, no mar do Caribe – em apenas 62 dias.

História de Tico

Originalmente, Tico foi resgatado recém-nascido, de um encalhe em uma praia na costa do Ceará, pela Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis). De 2014 até 2022, ele foi cuidado pela ONG e reabilitado para voltar ao mar.

Porém, quando foi, por fim, liberto, em julho de 2022, o animal parece não ter lidado bem com o novo ambiente, e passou a apresentar uma série de comportamentos atípicos para a espécie. Com um dispositivo com sinal GPS preso ao bicho os especialistas da Aquasis verificaram que Tico havia deixado a costa cearense, seu habitat natural, e adentrado o alto mar.

Em apenas 62 dias, o peixe-boi percorreu mais de 4 mil km de distância no oceano, ultrapassando o território marítimo brasileiro, em direção ao mar do Caribe. Com isso, prevendo o pior, a ONG decidiu intervir novamente e resgatar o animal. Uma ação conjunta com as autoridades venezuelanas – país onde ele se encontrava em setembro –, conseguiu trazer Tico de volta à terra firme.

Submetido à avaliação de médicos veterinários, constatou-se que ele estava em péssimo estado de saúde. O mamífero estava desidratado, havia perdido peso e tinha um saco plástico bloqueando seu trato digestivo.

Descobertas do novo estudo

Transferido para espaços de proteção da vida marinha na Venezuela, Tico tem sido cuidadosamente tratado. A partir das análises conduzidas sobre o peixe-boi, bem como os dados obtidos pelo GPS, a equipe da Aquasis, com outros colaboradores convidados, elaborou o novo estudo.

No novo artigo, os pesquisadores defendem que Tico provavelmente foi vítima da Corrente Norte do Brasil (NBC). Esse forte fluxo de água explicaria como o animal nadou tão rápido até o Caribe.

Tico viajou cerca de 4 mil km ao longo de 62 dias de Icapuí (CE) até a Ilha La Blanquilla, na Venezuela. Embora alguns peixes-boi sejam conhecidos por viajar centenas e até milhares de quilômetros, a velocidade e a distância da jornada de Tico foram tudo menos normais — Foto: Charin Park/Woods Hole Oceanographic Institution
Tico viajou cerca de 4 mil km ao longo de 62 dias de Icapuí (CE) até a Ilha La Blanquilla, na Venezuela. Embora alguns peixes-boi sejam conhecidos por viajar centenas e até milhares de quilômetros, a velocidade e a distância da jornada de Tico foram tudo menos normais — Foto: Charin Park/Woods Hole Oceanographic Institution

“Estudando seu caminho, podemos assumir que o peixe-boi teve uma jornada muito cansativa”, explica Lury Simões-Sousa, um oceanógrafo físico do Woods Hole Oceanographic Institution (WHOI), que foi chamado para ajudar na pesquisa, ao blog Discover Wildlife, da BBC. “É provável que Tico tenha encontrado múltiplas tempestades violentas”.

De acordo com o grupo, entender a natureza do movimento de longa distância de Tico pode ajudar a informar decisões sobre o seu futuro. Mais do que isso, a compreensão do fenômeno pode servir para lidar com outros exemplares resgatados e que aguardam para ser liberados na natureza.

Como Tico está hoje?

Desde que foi resgatado do oceano, Tico tem residido no Parque Zoológico e Botânico Bararida, na Venezuela, onde tem sido reabilitado. Há dois anos, a Aquasis busca o auxílio das autoridades brasileiras e locais para fazer a repatriação do animal.

A ONG defende que o peixe-boi deve ser novamente liberado para o oceano, quando se recuperar completamente da primeira tentativa. Mas, para isso, ele precisa voltar para o Brasil, a Venezuela apresenta uma população geneticamente distinta dele, o que poderia gerar desequilíbrios ecológicos, bem como a expressão de novos comportamentos atípicos.

No entanto, o processo de transferência para outro país é demorado e exige muita burocracia. Em suas redes sociais, a organização indica que já possui toda a infraestrutura e documentação necessárias para o retorno do animal. Segundo os pesquisadores, a única coisa que falta é o transporte aéreo dentro do território nacional.

Veja o vídeo da campanha #VoltaTico:

(Arthur Almeida)