Milhões em dívidas na Fifa, bloqueio de inscrições na Confederação Brasileira de Futebol, possibilidade de dedução de pontos. Essas são algumas das preocupações de clubes brasileiros nos últimos meses. Em meio à paralisação das competições, em decorrência da Covid-19, são os bastidores que movimentam o futebol.

É o caso de equipes como Corinthians, Cruzeiro, Fluminense, Santos e Sport, que acumulam dívidas por conta de negociações e precisam voltar as atenções para o lado jurídico da história. Mas o que está em risco?

Há um mês, a punição imposta pela Fifa ao Cruzeiro ligou o sinal de alerta para as equipes que têm dívidas internacionais cobradas na entidade máxima do futebol. Por não cumprir com a ordem para pagar € 850 mil (cerca de R$ 4,8 milhões) ao Al Wahda, a Raposa começará a Série B de 2020 com menos seis pontos na tabela.

A questão do clube mineiro retrata uma tendência a ser seguida pela entidade. Segundo o advogado especializado em direito desportivo, Rafael Botelho, as etapas do processo foram encurtadas, tornando o procedimento mais rápido.

“A Fifa deu uma potencializada de investimento, aumentou o número de pessoas que trabalham no departamento e com isso ficou super rápido.”

 — Foto: Reprodução

Uma vez que o débito com o clube dos Emirados Árabes não é o único pelo qual responde na Fifa, o Cruzeiro reconhece estar sujeito a sofrer novas sanções. No entanto, de acordo com o superintendente jurídico do clube, Flávio Boson, a diretoria trabalha no sentido de minimizar o cenário.

“Risco há, na medida que são ainda 18 processos ativos na Fifa. Mas esperamos que, com muito esforço, essas punições não venham ocorrer. Que consigamos saldar as dívidas adquiridas. A situação é, de fato, muito triste. É o resultado da má gestão que nos antecedeu, para dizer o mínimo. Todas as dívidas estão sendo objeto de negociação de diversos lados, para captação de recursos e de conseguir a quitação.”

Dívida que resultou na dedução de pontos do Cruzeiro corresponde ao empréstimo de seis meses do volante Denilson — Foto: Washington Alves/Light Press

Dívida que resultou na dedução de pontos do Cruzeiro corresponde ao empréstimo de seis meses do volante Denilson — Foto: Washington Alves/Light Press

Vale ressaltar que, apesar de a proibição de registrar atletas estar prevista no Regulamento sobre Status e Transferência de Jogadores como primeira sanção em caso de dívida, as penas podem mudar a depender do peso do processo, explica o advogado especializado em direito desportivo, Cristiano Caús.

“A Fifa em primeiro lugar vai decretar proibição de registrar novos jogadores. Se ainda assim não se não efetuar (o pagamento), o caso vai ser enviado ao Comitê Disciplinar. Lá, vai demorar de seis meses há um ano, vai se avaliar quão grave foi o descumprimento, para se aplicar a multa e perda de pontos. Os critérios são tempo, valor e o que envolve o caso. Se é um atleta, um clube.”

O Sport ainda corre contra o prazo da primeira ordem de pagamento emitida pela Fifa, no início de maio. São 45 dias, a partir da comunicação dos dados bancários do Sporting, de Portugal (credor no caso), para pagar € 907 mil (cerca de R$ 5,1 milhões) referente à compra do atacante André, adquirido em 2017.

O Rubro-negro, que trabalha pela captação de recursos para solucionar a pendência, optou por não falar sobre o assunto.

Vale ressaltar que, diferentemente do caso do Cruzeiro, com a perda de pontos, pagando a dívida, o bloqueio de transferências previsto pela entidade ao Sport deve ser retirado.

“São sanções de graus diferentes. A Fifa aplica de acordo com a análise do caso concreto. Escolhe a sanção e aplica. Dedução de pontos é uma sanção mais grave” – explica o advogado especializado em direito desportivo, Bichara Neto.

André deixou o Sport no início de 2018, vendido ao Grêmio — Foto: Marlon Costa/ Pernambuco Press

André deixou o Sport no início de 2018, vendido ao Grêmio — Foto: Marlon Costa/ Pernambuco Press

O Corinthians vive cenário semelhante. Deve duas parcelas da compra dos direitos do zagueiro Bruno Méndez ao Montevideo Wanderers, do Uruguai, e está sujeito à mesma punição, com o bloqueio da janela de transferências.

O diretor jurídico do clube, Fabio Trubilhano, diz que analisa a possibilidade de recurso no Tribunal Arbitral do Esporte.

– Existem alguns valores em atraso perante o Montevideo Wanderers, que serão pagos conforme as possibilidades orçamentárias do Corinthians. Estamos analisando a decisão da FIFA, e eventual recurso à Corte da Suíça (CAS) só será interposto se forem identificados equívocos na cobrança. Trata-se de processo de arbitragem internacional e para recorrer ao CAS seria necessário pagar altos valores de custas recursais, ainda mais com a cotação atual do Franco suíço.

O Santos, por outro lado, perdeu um dos prazos. Atualmente, está bloqueado no sistema de inscrições da CBF por conta de uma pendência com o Hamburgo, da Alemanha, em relação à compra do zagueiro Cleber Reis. Mas não é o único caso. O clube paulista também responde processos envolvendo o Huachipato, do Chile, o Club Brugge, da Bélgica, o Atlético Nacional, da Colômbia, e o Krasnodar, da Rússia.

O caso com o Huachipato, em que deve cerca de US$ 3,4 milhões (R$ 17,1 milhões) sobre a compra do atacante Soteldo, está sob sentença definitiva e correndo na Corte Arbitral, após apelação do Santos. De acordo com o advogado do clube chileno, Eduardo Carlezo, houve uma tentativa de negociação, mas sem acordo, portanto o processo segue em trâmite.

“A proposta que foi feita não atende aos interesses do Huachipato.”

A frente das tratativas, o presidente do Peixe, José Carlos Peres, vê apenas um caminho para solucionar as questões: negociação com os credores e tentativas de captação de receita.

“Há uma negociação com o Hamburgo para a retirada desse processo e a gente fazer por vias normais. É uma dívida que herdamos, mas só vejo negociação. A não ser que a gente consiga vender um ativo, um jogador, assim teríamos dinheiro para movimentar. Nessa calamidade pública, todos os clubes parados, só vejo uma saída: negociação. E tentar fazer uma ou duas transações para equilibrar esses pagamentos.”

Vale ressaltar que o bloqueio, sofrido pelo Santos e que ameaça equipes como Sport, Cruzeiro e Corinthians, não impede os clubes de contratarem.

Em 2015, por exemplo, o Barcelona contratou o meia Arda Turan e aguardou até o início do ano seguinte para utilizá-lo. Ali, estava impedido de registrar atletas, porque havia sido considerado culpado por ilegalidades em contratos com jogadores menores de 16 anos.

“Não tem problema contratar, apenas não pode registrar. Não tira a habilidade de fazer negócio. Apenas a possibilidade de usar o investimento” – explica Rafael Botelho.

E quais são as punições que a Fifa pode aplicar?

O Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores, utiliza o artigo 9 do Anexo 3 para registrar as penas que podem ser aplicadas para clubes. O peso das sanções, no entanto, dependem de critérios subjetivos adotados pela entidade.

9. Sanções
9.1 Provisões gerais
Sanções podem ser impostas a qualquer associação ou clube que viole qualquer uma das disposições do presente anexo.

9.2 Competência

  1. O Comitê Disciplinar da FIFA é responsável por impor sanções de acordo com o Código Disciplinar da FIFA.
  2. Os procedimentos de sanções podem ser iniciados pela FIFA, por sua própria iniciativa ou após o pedido de qualquer parte interessada.

9.4 Sanções em clubes

Em particular, as seguintes sanções podem ser impostas aos clubes por violação do presente anexo, de acordo com o Código Disciplinar da FIFA:

  • uma reprimenda ou um aviso;
  • uma multa;
  • anulação do resultado de uma partida;
  • derrota por perda forçada (em um jogo);
  • exclusão de uma competição;
  • dedução de pontos;
  • rebaixamento para uma divisão inferior;
  • uma proibição de transferência;
  • retorno de prêmios.

Essas sanções podem ser impostas separadamente ou em combinação.

Trecho original do Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores — Foto: Reprodução FIFA

Trecho original do Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores — Foto: Reprodução FIFA

Trecho do Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores da FIFA — Foto: Reprodução FIFA

Trecho do Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores da FIFA — Foto: Reprodução FIFA

Trecho original do Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores — Foto: Reprodução FIFA

Trecho original do Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores — Foto: Reprodução FIFA

(Globo Esporte)