Sim! Nada vive muito tempo, só a terra e as montanhas…
A vontade de descaracterizar, reduzir, desfigurar, esbulhar, extinguir os primários e naturais senhores da terra de Pindorama, Ilha de Vera Cruz e hoje Brasil, é obstinada. Vejam o que resta das gentes indígenas.
Cláudio Villas Bôas, ao tentar “salvar” um dos povos indígenas, disse
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Já foram denominados e rotulados bárbaros, selvagens, primitivos e subdesenvolvidos. Sofreram muitas formas de supressão física e étnica. Chamados de “entraves ao desenvolvimento”; “atrasados”; “preguiçosos”. Alguns caracterizados como “não índios de verdade”. Foram amputados como sujeitos históricos, sempre vistos como não sujeitos; às vezes como vítimas, por alguns.
Mandu Ladino, Ajuricaba, Nheçu e muitos outros que a história não escreveu, já que foi escrita por um sólado (“o outro não é considerado para si mesmo. Mal se olha para ele. Olha-se a si mesmo nele”), lutaram contra essa expropriação existencial. Preferiram o arco e a cuia à espingarda e ao prato.
Essa história descaracterizadora do Brasil de antanho, e de hoje, começa com “o descobrimento”. São os “descobridores” que a inauguram … E eles ainda querem mais e mais…mais terras…mais
E o que vemos hoje são fragmentos, reminiscências de um mundo, muito maior; muito mais complexo e abrangente, provavelmente cobria todo o nosso território. Até onde a vista não alcança, com urucum e jenipapo já pintavam o corpo; a mandioca e o cará já estavam pela terra.
Do que parece dos livros que li, das pessoas que ouvi, do que senti, com o meu corpo todo, não se trata de um dolo direto de extermínio, vontade e consciência de aniquilação dos povos originários e sua cultura. Sim motivos mesquinhos, egoísticos, presentes até hoje. Basta olhar Brasília e suas discussões, todos os outros Estados também, mas mais Brasília por ser o centro das decisões. Mirem e vejam!
Povos e povos, gentes e gentes indígenas desapareceram principalmente por ganância, cobiça e ambição, chamadas também de desenvolvimento, globalização, capitalismo, dentre outros nomes, por alguns (nem ficam vermelhos, os caras pálidas).
Há tempos aconteceu o suposto “descobrimento”, “o encontro do mundo antigo com o novo mundo”. Mas até agora, vistos como estrangeiro na própria terra, tratados como estrangeiros nativos, estranhos semelhantes; o outro não foi encontrado ou descoberto.
Ora amiga leitora! A descoberta e o encontro começam pela “revolução do olhar”. “Ela implica um descentramento radical, uma ruptura com a ideia de que existe um “centro do mundo”, e, correlativamente, uma ampliação do saber e uma mutação de si mesmo.” Como escreveu Roger Bastide em sua Anatomia de André Gide: “Eu sou mil possíveis em mim; mas não posso me resignar a querer apenas um deles”.
A descoberta do outro. A saída de nosso pequeno território, deixar de rejeitar o presumido diferente, é medida que se impõe.
Para os viajantes desse mar imenso, quando descobrirem e encontrarem o outro diferente, deixe de lado as perguntas sempre perguntadas: aqueles que acabaram de ser descobertos pertencem à humanidade? Eles (o outro) têm uma alma? E passamos a nos questionar: eu pertenço à humanidade? Eu tenho uma alma?
*EMANUEL FILARTIGA ESCALANTE RIBEIRO é Promotor de Justiça em Mato Grosso
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