Arqueólogos analisaram impressões digitais em estátuas de terracota encontradas na antiga cidade de Thonis-Heracleion, no Egito. E o resultado levantou conclusões interessantes as divisões de gênero e idade na produção de peças durante os séculos 7 a 2 a.C – como por exemplo a possível presença de trabalho infantil.
Fundada no século 8 a.C., a região prosperou até o surgimento de Alexandria, no século 4 a.C., quando começou a entrar em decadência. A cidade foi descoberta na década de 1990, e, desde então, 60 estatuetas de terracota foram encontradas no local – nove das quais tinham impressões digitais preservadas com nitidez. Agora, cientistas analisaram essas marcas. Os resultados encontrados foram publicados em um artigo na revistaOxford Journal of Archaeology em outubro.
Produção das estatuetas
Ainda se sabe pouco sobre os fabricantes de estatuetas de terracota, mas estudos anteriores já haviam indicado que, tradicionalmente, essas peças eram feitas de lodo do rio Nilo, um material relativamente grosseiro e inadequado para trabalhos detalhados. Mais tarde, os artesãos evoluíram a técnica para usar argila mais finas, como faziam os gregos.
Para fazer as esculturas, as folhas de argila eram molhadas e prensadas em moldes, o que resultava em impressões digitais. Depois que o material secava parcialmente, as duas metades eram fixadas juntas para fazer uma estatueta completa.
Todas essas etapas deixavam impressões digitais nas peças – um prato cheio para a equipe de cientistas. Com a tecnologia Reflectance Transformation Imaging (RTI), as digitais foram submetidas à análise de densidade de cristas, que mede quantas cristas epidérmicas aparecem dentro de uma área definida.
Geralmente, as marcas deixadas por mulheres contêm cristas mais densamente compactadas do que as masculinas. Essas medições foram então comparadas com os padrões de densidade de cristas encontrados em populações egípcias contemporâneas.
Para analisar fatores como a idade, a largura da crista é o que importa. As crianças geralmente têm cristas mais finas do que os adultos. Contudo, nesses casos, não foi possível identificar o sexo das crianças.
O estudo identificou que cerca de 14 indivíduos diferentes manipularam as estatuetas de argila. No entanto, de acordo com o autor do estudo Leonie Hoff, en comunicado, não foi possível determinar se o mesmo indivíduo trabalhou em múltiplas estatuetas, uma vez que as digitais estavam muito fragmentadas.
Divisão do trabalho
A pesquisa apontou que homens e mulheres trabalhavam na produção de estatuetas quase na mesma proporção, com as mulheres sendo ligeiramente mais envolvidas na produção. Isso sugere que, apesar da etimologia antiga da profissão – “koroplathos”, que derivada das palavras “moldar” e “menino” – e de outras evidências textuais que sugeriam que a fabricação de estatuetas era uma profissão exclusivamente masculina, as mulheres também participavam desse ofício.
Da mesma forma, percebeu-se que a presença de crianças nesses postos de trabalho também não era incomum. Mas foi revelado ainda que elas não produziam estatuetas sozinhas; indivíduos mais velhos sempre acompanhavam suas impressões digitais.
Os pesquisadores trabalham com a hipótese de que as crianças provavelmente tinham a tarefa de pressionar as folhas de argila nos moldes, o que parece ser uma tarefa mais adequada às mãos menores de uma criança, enquanto os adultos removiam a argila e consertavam as duas metades. No artigo, isso é descrito como uma espécie de cadeia de operações “supervisionada”.
Tal percepção é apoiada pelo fato de que as digitais das crianças foram encontradas apenas dentro das estatuetas. Por sua vez, as dos adultos estão presentes dentro e fora, ao longo da base da figura.
No geral, os “supervisores” pareciam ser adultos pouco mais velhos do que as crianças. Na Grécia, onde essa relação também aparece em alguns exemplares, o responsável parece ser bem mais velho do que o aprendiz. Isso indica que as duas regiões apresentavam culturas de educação e tutoria diferentes.
(Arthur Almeida)