Essa data relembra o Marco Internacional de lutas e resistência da mulher negra para reafirmar a necessidade de enfrentar o racismo estrutural e o sexismo vivido até hoje por mulheres que sofrem com a discriminação racial, de gênero e social.
Indicadores sociais, econômicos e políticos denunciam que a mulher negra no Brasil se encontra num patamar de desigualdade muito maior que os demais grupos, e vivencia uma realidade de desemprego; subemprego; informalidades; salários mais baixos; extensas carga horárias; ambientes insalubres; assédios; violências constantes; falta de tempo para os estudos; maternidade solos e dificuldades para acessar seus direitos, e são as meninas negras que estão mais suscetíveis aos estupros e os meninos negros mais suscetíveis a violência urbana situação que perpassa pela luta das mulheres negras no Brasil.
De acordo com o estudo Atlas da Violência 2018, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a taxa de homicídio de mulheres negras ficou em 5,3 a cada 100 mil habitantes. Entre mulheres não negras, esse índice cai para 3,1 a cada 100 mil habitantes, uma diferença de 71%. Outros Dados do IPEA revelam que as mulheres negras estão 50% mais suscetíveis ao desemprego do que outros grupos sociais, e segundo Dados do IBGE, 39,8% de mulheres negras compõem o grupo submetido a condições precárias de trabalho – homens negros abrangem 31,6%; mulheres brancas, 29,9%; e homens brancos, 20,6% do total.
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Esse quadro de desigualdade é evidenciado mesmo quando a graduação no ensino superior é considerada. Pesquisas apontam para um percentual maior de mulheres negras chefes de família, mães solos e mulheres que vivem nas periferias e favelas das grandes cidades.
Qual a cor predominante dos moradores das favelas e periferias do Brasil?
Qual a cor predominante dos jovens brasileiros que morre em contato com a polícia nas favelas e periferias?
Quantas mulheres negras (pretas e pardas) e da periferia temos nos espaços de poder do Poder Legislativo (municipal, estadual e federal), Poder Executivo (municipal, estadual e federal) e Poder Judiciário, que não seja na copa ou na limpeza?
Quem trabalha na copa ou na limpeza, assim como nos serviços domésticos nas casas de famílias como diaristas ou empregadas domesticas tem seu valor e deveriam ser tratadas com respeito porque desempenham uma função de grande importância e necessidade que exige muito de quem a desempenha, merecem respeito e viver com dignidade, mas nem sempre isso acontece e esses trabalhadores e trabalhadoras ficam sujeitos à situações de fragilidades como por exemplo: condições precária de trabalho; locais insalubres; extensas carga horárias; sobrecarrega de responsabilidades; falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e riscos constantes de acidentes ou adoecimento. No entanto, o que me leva a abordar esse assunto não, é a significância do trabalho em si, mas o perfil dessas pessoas. Não vamos aqui conceituar nenhuma profissão, mas chamar atenção para a cor e o gênero predominante nessas atividades que são na sua maioria mulheres e negras, e mostrar como o machismo e o racismo atuam de forma articuladas e determina de maneira sutil o lugar da mulher e das pessoas negras na sociedade.
A categoria de empregados domésticos é historicamente uma classe discriminada e invisibilizada que por muitos anos para terem seus direitos concedidos dependiam de ação judicial, contudo a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional de nº 72/2013, chamada de PEC das Domésticas, trouxe um grande avanço no reconhecimento dos direitos dos trabalhadores da classe.
Por que as mulheres negras se encontram numa situação de inferioridade e invisibilidade na sociedade brasileira?
Porque nossa sociedade é machista, racista e escravocrata, e isso é um fato apontado pelas estatísticas e pela forma como está hierarquizada. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. É preciso encarar o racismo e o machismo como pilares que sustentam as desigualdades de gênero no Brasil e conduz as mulheres negras para uma zona onde convergem diferentes opressões e as coloca numa situação de vulnerabilidade social e riscos constantes de mortes.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base em dados de 2019, mostra que mais da metade da população brasileira era de pretos e pardos: 56,10%. As desigualdades podem ser verificadas em diversas estatísticas, contudo, elas são ainda mais gritantes quando se trata da mulher negra.
Segundo, Zélia Amador de Deus, mulher negra e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) que esteve à frente da política de cotas na universidade, no Artigo “Cor, gênero e classe: os desafios da mulher preta” – publicado no site de notícias Brasil de Fatos do Pará, em 2020, a mulher negra é alvo de uma intersecção de discriminação que se sustenta com base três vertentes: a discriminação de gênero (vivida por toda mulher), a discriminação de raça (que versa sobre a população negra) e a discriminação de classe (nos quais estão inseridos os mais vulneráveis).
As mulheres negras sofrem uma tripla discriminação por ser mulher, negra e pobre e se encontram numa posição de visíveis desigualdades e sujeitas a todo tipo de situação, e isso se reproduz à medida que cresce a população. Basta olhar as galerias de fotos do Judiciário brasileiro; de governadores de Estados; prefeitos; Poder Legislativos das esferas municipais e estaduais e do Congresso Nacional; dos Ministérios Públicos; Tribunais de Contas; das Academias de Letras e outros espaços de visibilidade para ver que a presença marcante são de pessoas brancas e na sua maioria masculinas. Representatividade importa e, falar sobre isso é necessário, mas somente falar não basta é preciso romper com os mecanismos que alicerçam essas desigualdades.
Por isso são importantes os momentos de reflexão, a exemplo do 25 de julho “Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Afro-caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela” – criado pela Lei Federal de nº 12.987/2014, porque refletem a história de lutas e resistências das mulheres negras e indígenas contra o sistema escravocrata e machista e pelo bem viver.
Em todos os anos, nessa data mulheres negras se reúnem para discutir os avanços que trouxeram esse marco e reafirmarem a importância da luta antirracista e contra o sexismo. É preciso o comprometimento dos poderes constituídos, na criação, implementação e execução de políticas públicas de enfrentamento às formas de discriminação sofridas pelas mulheres negras, de forma continuada com objetivo de erradicar os mecanismos que sustentam essas discriminações e promovem a desigualdade de gênero e raça, e para finalizar, ressalto a importância da mulher negra no processo de construção de uma sociedade livre e democrática, porque somos a maioria da população brasileira e herdamos uma luta histórica, no entanto, estamos numa condição de inferioridade, e sofremos com os impactos do racismo e do machismo que não apenas nos coloca numa posição de desigualdade social, mas também nos adoece e nos mata todos os dias.
*VERA LÚCIA MORAES DE OLIVEIRA é graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário de Várzea Grande-MT (Univag), Assistente Social, Servidora Pública concursada da Universidade do Estado de Mato Grosso -UNEMAT da Diretoria de Gestão de Ações Afirmativas, membro da Comissão de Acompanhamento da Política Afirmativa da UNEMAT, Conselheira governamental do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial CEPIR-MT e de Políticas Sobre Drogas CONESD-MT, Integrante do Coletivo de Mulheres Negras de Cáceres-MT, e ex-líder comunitária.
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