Depois de quarenta anos em sala de aula, como não refletir sobre esse poema de Drummond: “O professor disserta sobre ponto difícil do programa. / Um aluno dorme, cansado das canseiras desta vida. / O professor vai sacudi-lo? / Vai repreendê-lo? / Não. / O professor baixa a voz,/Com medo de acordá-lo.”. Este dia 15 de outubro será único para nós educadores, jamais haverá outro igual, porque a pandemia obriga-nos a refletir sobre coisas e fatos de um cotidiano que não mais existe. Ano atípico, no qual não houve nem gritos, nem risadas, nem bocejos e nem espantos advindos das descobertas. Só a sala de aula muda, carteiras vazias e sombras (ainda que de relance) de jovens passantes: milhares de escolas-fantasma (talvez algum colega de área prefira “escolas-fantasmas”).

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Mudamos nossa rotina, aprendemos a falar para paredes e câmeras, usamos mais tecnologia, abusamos das perguntas retóricas, elaboramos mais questões inéditas et cetera: enfim, trabalhamos muito mais que o habitual (e, infelizmente, muitos de nós ou perderam o emprego ou tiveram os salários reduzidos). “Que fazer, exausto,/ em país bloqueado, /enlace de noite raiz e minério?” (Drummond, em “Áporo”). Se as condições de trabalho (tanto na iniciativa privada quando nas escolas públicas) são caóticas em tempos normais, imagine em tempos pestilentos. É certo que parte de nós já retornou às salas de aula, mesmo com os riscos inerentes a essa volta; afinal, o Enem e vestibulares pululam por aí. Drummond, vamos ter de acordar os dorminhocos.

Rubem Alves, em “Estórias de quem gosta de ensinar”, vaticina: “Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro…”. Acredito que tenhamos que refletir sobre o ensino que queremos; mais mitocôndrias ou mais calor humano; mais teorema de Pitágoras ou mais  solidariedade; mais verbos intransitivos ou mais abraços; mais 3ª lei de Newton ou mais sorrisos; mais reações químicas ou mais empatia; mais acidentes geográficos ou mais ósculos; mais 2ª Guerra Mundial ou mais amor; mais cogito, ergo sum ou mais sentimento?

Se educadores é por que acreditamos que podemos ajudar a construir um mundo melhor, talvez “um mundo” seja muito grande, como grande é o Brasil, e Mato Grosso, e Cuiabá; então, vamos apenas colocar um “tijolinho” nessas paredes gigantescas: vamos transformar uma pessoa por vez, vamos ensinar cidadania aos pequeninos e eles farão a transformação que tanto sonhamos, como diria Paulo Freire: “Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem ‘águias’ e não apenas ‘galinhas’. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”.

*SÉRGIO CINTRA é professor de Linguagens e de Redação em Cuiabá. Foi Diretor Executivo da Funec. 

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