BRUNO SOLLER

Se há um consenso que congrega bolsonaristas e lulistas das camadas mais jovens da população é a vontade de abandonar o país. A completa falta de crença na melhoria da situação brasileira, faz com que muitos jovens, independentemente da classe social, sonhem em buscar oportunidades em outras nações. Salários baixos, medo da violência e pouca qualidade de vida são os elementos que mais motivam o brasileiro a querer emigrar. Nem mesmo o medo da xenofobia, crescente em várias partes do mundo, parece ser um empecilho para o planejamento de muitos, que garantem estar economizando recursos para conseguir partir rumo a uma nova vida.

Um levantamento exclusivo feito pela RealTime Big Data ao blog De Dados em Dados, do Estadão, mostra que 67% dos brasileiros entre 16 e 35 anos sairiam do Brasil, caso pudessem. 18% admitem estar decididos a buscar alternativas no exterior ainda esse ano. São números assustadores e crescentes. Em uma pesquisa nomeada “Branding Brasil”, de 2022, o número era de 55%, 12% menor que no atual estudo. A mudança governamental impulsionou eleitores identificados com o bolsonarismo a quererem buscar guarida em outros países. Mesmo com toda a propaganda nacionalista do governo Bolsonaro, que utilizou de elementos nacionais, como as cores da bandeira, o próprio pavilhão e a camisa da seleção nacional de futebol, a realidade se impõe de maneira mais forte na hora da decisão.

Antes, apenas desejo das classes mais endinheiradas, que viam no exterior a possibilidade de conseguir melhor educação e formação para os filhos, a emigração brasileira mudou completamente de perfil. A maioria dos jovens que querem se aventurar no estrangeiro são de classe C1 e C2, e vislumbram trabalhos que não exijam qualificação universitária para exercerem. Estados Unidos e Portugal são as terras prometidas para esse público. Experiências de amigos e familiares que já estão vivendo o sonho americano ou bandeados para a metrópole dão segurança para que se arrisquem nesses países.

Apesar dos números divulgados pelo governo Lula, de controle inflacionário, de aumento no número de empregos, o concreto é que tudo parece uma grande quimera. A população não sente essa melhora e 71% dos entrevistados não viram mudanças positivas em suas vidas financeiras neste ano. Os custos dos alimentos e de serviços básicos como a luz, o gás de cozinha e o combustível são os vilões dessa história. Essa percepção não atinge só a população, mas escancara o descontentamento do mercado financeiro com a gestão atual, que, segundo pesquisa Quaest, mostra que 90% dos economistas, analistas e tomadores de decisão do segmento acreditam que o país caminha para o rumo errado.

O acúmulo de maus resultados econômicos desde o governo Dilma Rousseff tem gerado desesperança nas pessoas. O retorno de Lula acendeu uma chama em uma porção de brasileiros que tinham uma lembrança positiva de seu período, mas que até agora não conseguiram enxergar mudanças substanciais em suas vidas, e viram o desejo de voltar a comer picanha e tomar sua cervejinha, promessa eleitoral de Lula, ainda não concretizado. Uma quebra de expectativas, que tem feito a defesa do governo diminuir.

Com a falta de empregos formais que seduzam os jovens, muitos tem partido para uma alternativa que são os aplicativos de entrega e de transporte. Com uma certa autonomia de horários, os jovens conseguem mesclar atividades e buscar uma renda para sobreviverem nesse cenário ruim econômico. A tentativa do governo de regulamentar essas atividades, no entanto, tem causado profunda irritação na maioria dos trabalhadores de aplicativos. Apesar da defesa de direitos trabalhistas, a possibilidade de ganhos menores tem feito muito desse público serem os primeiros a toparem buscar oportunidades fora.

Há que se entender que os péssimos serviços de saúde, educação, transporte e segurança não seduzem o brasileiro a pagar mais impostos. Há uma ideia de perda. Quando se demora 6 meses para conseguir uma consulta ou a marcação de um exame, anos para uma cirurgia, muitos cidadãos tem recorrido às clinicas populares e pagando novamente um serviço para conseguirem certa agilidade. Creches clandestinas em bairros, com cuidadoras tem sido alternativa para as mães que precisam trabalhar e não conseguem vagas nas estruturas municipais, gerando mais um custo para o seu cotidiano. Os ônibus, lotados e perigosos, têm sido substituídos por aplicativos de transporte, caronas pagas e até mesmo mototáxis irregulares, que custam mais, mas geram mais conforto. Com a rotatividade de empregos na área dos serviços, cada vez menos o brasileiro quer garantias trabalhistas e mais querem dinheiro limpo sobrando no bolso.

Para 65% dos entrevistados no estudo “Branding brasil”, o brasileiro consegue se reerguer após qualquer dificuldade. Essa resiliência mostra um povo capaz de se adaptar a qualquer realidade para sobreviver. Os fluxos migratórios internos, em um país continental, é uma explicação para isso. Um cearense de Quixadá, que vive num clima semiárido consegue se estabelecer em Curitiba, no Paraná, com clima subtropical e com estações de outono e inverno secas e frias. De certa forma, isso ajuda ao emigrante brasileiro a se convencionar às mais diferentes culturas e ambientes. O motivador financeiro tem feito a alguns dos que buscam essa vida fora do território nacional a irem a países vizinhos que estão em franca expansão econômica. O Paraguai tem sido um destino muito procurado por jovens que conseguem emprego, bons locais de formação e a custo acessível, vida barata e energia abundante e em conta. É o terceiro destino mais procurado por brasileiros.

Estados Unidos, Portugal, Paraguai, Reino Unido e Japão são, em ordem, os cinco destinos prioritários dos brasileiros. Se os emigrantes fossem um estado, seriam o décimo terceiro mais populoso do Brasil. O fluxo de expatriados só tende a aumentar e, isso, mostra muito sobre como o país se encontra e a baixa perspectiva de futuro que se tem. Na briga política pelo poder, esqueceu-se do mais fundamental: as pessoas. Não há governo ruim, na democracia, que consiga manobrar o desejo popular. Se o país não reagir após uma década de maus resultados, a incidência dos que pretendem o abandonar só tende a crescer. O orgulho de ser brasileiro, bradado outrora em cânticos de estádio de futebol, pode até não esmorecer, mas estar no Brasil nem sempre será bom. Cada jovem brasileiro que sai, é um possível talento que o país desperdiça. Para construir o futuro, urge olhar para o presente e reverter um quadro de desesperança que assola os construtores desse amanhã.

(*) BRUNO SOLLER é Cientista Político – PUCSP, Especialista em pesquisas, estratégia eleitoral e advocacy, e diretor do Instituto de Pesquisas Quaest Big Data.

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