A delação premiada é o instituto do direito penal mais famoso e usual nos tempos hodiernos, se perfazendo num instrumento jurídico de acordo entre acusador e defesa. Ganhou notoriedade com o advento da operação lava-jato que colocou grandes empresários e políticos sob condição de cárcere e que depois de um período privados de liberdade resolveram colaborar com a justiça, confessando seus crimes com o objetivo de desarticular quadrilhas criminosas e evitando a prática de novos crimes.
No entanto, para a homologação do acordo de colaboração, um dos requisitos obrigatórios é o ressarcimento dos danos causados, bem como o pagamento de indenizações em favor do Estado.
Todavia, após a homologação, as informações do acordo são compartilhadas com o Fisco. Este, por sua vez, de posse de todas as informações declaradas, lavra autos de infração, cobrando toda a tributação sobre os atos ilícitos confessados no acordo de colaboração. A título de exemplo, um dos delatores da Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef, fez o acordo de colaboração e se comprometeu a devolver R$ 50 milhões de reais. Porém, depois das informações do acordo compartilhadas com o Fisco recebeu uma autuação fiscal de pouco mais de R$ 1 bilhão reais.
O problema fiscal frente as atividades ilícitas é antigo e continua gerando profunda discussão nos moldes atuais. A análise jurídica é superficial aos olhos das discussões técnicas. Importante destacar que os argumentos, favoráveis ou não, falecem todos, no mundo jurídico, porque, em sua maioria, são fundamentos pré-jurídicos de natureza ética ou econômica.
De acordo com o art. 118 do CTN, que consagra o princípio do non olet, é irrelevante a legalidade jurídica dos atos, ou a ilicitude do seu objeto ou dos seus efeitos para a incidência do tributo. Entende se que, acontecida a hipótese de incidência da obrigação tributária, o tributo será cobrado. Indaga-se: recebimento de propina é fato gerador do tributo!? Pode o Estado tributar vantagens advindas da prática de crimes!?
Mesmo sabendo que existe entendimentos diametralmente opostos, algumas perguntas importantes merecem ser respondidas:
a. Um dos pré-requisitos da delação é o sigilo, pode o juiz quebrar o sigilo fiscal e enviar as informações do acordo de colaboração para a Receita Federal? Se a resposta for positiva, pode o Fisco lavar auto de infração com base nessas informações? Caso haja a lavratura do Auto de Infração, como fica o direito constitucional da ampla defesa e do contraditório do delator? Visto que já está tudo confessando no acordo de colaboração.
b. O Fisco pode usar as informações do acordo como provas, mesmo que a lei estabeleça que a delação é um meio de obtenção de prova e não prova em si?
c. De acordo com o art. 3º do CTN que dispõe sobre o conceito tributo, está descrito que se o fato for ilícito, não teríamos tributo, mas multa, pois a imposição não pode constituir sanção por ato ilícito. Nesse caso poderia haver tributação?;
d. Quando homologado o acordo, os bens dos delatores são perdidos em favor do Estado, ou seja, foram devolvidos e o prejuízo foi reparado. Como pode haver tributação sobre bens que não mais pertencem ao delator?;
e. Pode o Estado ser imoral e aético se beneficiando financeiramente da prática oriunda atos ilícitos?;
f. Poderia a autoridade tributária lavrar o auto de infração, tendo como hipótese de incidência recursos e/ou produtos que juridicamente o próprio Estado reconhece que não pertencem ao delator porque teve origem criminosa?;
g. E mais, para proteger o cidadão dos abusos de poder do Estado, nasce o princípio tributário da capacidade contributiva, que implementa a importância de igualdade entre os contribuintes. Partindo do princípio que o delator devolveu todos os valores adquiridos ilicitamente ao Estado, qual capacidade econômica ele teria de pagar os tributos remanescentes?
Portanto, verifica-se, pois, que a delação premiada surgiu como uma forma de facilitar as investigações na medida em que o Estado fornece benefícios para aqueles que colaboraram, voluntariamente, com a apuração dos fatos. Isso faz com que o custo social de captura tenha uma redução drástica, uma vez que o Poder Judiciário e as forças policiais tornam-se mais eficazes no desempenho de suas atividades, otimizando o tempo de trabalho e capturando mais rapidamente os componentes das organizações criminosas.
Contudo, não estou aqui me posicionando contra a delação, de maneira alguma, mas com a consequente cobrança da tributação dos produtos devolvidos nos acordos de colaboração premiada, haveria uma redução na quantidade de pessoas que gostariam de colaborar, a exigência do tributo sobre tais montantes poderia, igualmente, desestimular a colaboração.
Por fim, é de extrema importância, antes e depois de celebrar um acordo de colaboração premiada, consultar um advogado tributarista para que a delação não seja uma prisão eterna, financeiramente falando.
*THIAGO DAYAN é advogado tributarista, escritor, mestre em Direito Constitucional, Conselheiro do CARF.
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