A defesa dos pais da adolescente de 15 anos que matou Isabele Guimarães Ramos, de 14 anos, com um tiro no rosto, em um condomínio de luxo, em Cuiabá, em julho deste ano, alega, no processo que tramita na Oitava Vara Criminal de Cuiabá contra eles, que o Ministério Público foi “benevolente” com os pais do namorado da filha e mostra que adolescente de 16 anos tinha acesso a armas de fogo.
O advogado do casal anexou imagens em que Gabriel (*nome fictício), namorado da adolescente, aparece exibindo e manuseando armas de fogo. A arma usada no crime foi levada por ele para a casa da namorada e estava registrada no nome do pai dele.
Foto mostra arma junto com materiais escolares — Foto: Reprodução
Nas imagens, Gabriel aparece com armas na cintura e outros fotos mostram armas em punho e carregadas que teriam sido tiradas por ele. Uma das fotos mostra uma arma junto com materiais escolares, em cima da cama.
Os pais da Mariana (*nome fictício) que assassinou Isabele respondem, em um processo à parte do da filha, pelos crimes de homicídio culposo, entrega de arma de fogo a menor de idade, fraude processual e corrupção de menores. Eles viraram réus no mês passado e o processo está em fase inicial.
Já o pai do adolescente e ele foram indiciados por omissão de cautela na guarda de arma de fogo, já que teria obrigação de guardar as armas em local seguro, e por ato infracional análogo ao porte ilegal de arma de fogo, porque transitou armado, sem autorização, respectivamente.
A alegação da defesa foi feita em resposta à acusação do Ministério Público Estadual (MPE) contra os pais de Mariana*.
A defesa dos pais de Mariana* pede que a Justiça determine que o pai do adolescente e ele forneçam imagens do circuito interno de segurança da casa deles, referentes ao dia 12 de julho, data em que Isabele foi morta, e ao WhatsApp a liberação de arquivos de ligações do adolescente com os pais nessa data.
Isabele Guimarães Ramos foi morta aos 14 anos na casa da amiga — Foto: Instagram/Reprodução
O advogado Arthur Osti, que representa o casal, ainda pede que seja anexado ao processo o resultado da perícia realizada no aparelho celular do namorado da filha, a qual foi determinada para a recuperação de mensagens e fotos apagadas por ele no dia em que Isabele foi morta, e questiona o fato de o adolescente ter excluído o perfil dele no Instagram onde, segundo a defesa, ele postava várias imagens dele com armas.
A defesa ainda questiona a perícia anexada ao processo e que embasou o inquérito da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, o qual concluiu que Mariana* estava em pé quando atirou em Isabele. De acordo com o advogado, pela forma como a vítima foi atingida, a autora do disparo poderia estar abaixada.
Mariana* havia alegado à polícia que teria se desequilibrado com a arma ao bater na porta do banheiro do quarto dela, onde Isabele estava, e quando a amiga abriu a porta ela atirou, mas, segundo ela, involuntariamente.
A defesa argumenta que a reprodução simulada não seguiu os critérios adequados. “Não foram verificados os procedimentos envolvendo todas as versões mencionadas. O perito optou por uma perícia percipiente, limitando -se a reproduzir o laudo de local, que, como já explicado, apresenta uma série de problemas”, alega.
Acusação
Para o MPE, os pais da adolescente foram omissos e de forma culposa contribuíram com a morte de Isabele, ao permitirem que a filha menor de idade tivesse acesso à arma de fogo que matou a vítima.
Inclusive, Mariana*, que praticava tiro esportivo, subiu até o quarto da casa dela para guardar a arma do namorado a pedido do pai e lá assassinou Isabele com essa mesma pistola.
Além disso, o MP cita que o empresário, pai da adolescente que atirou, ainda se dispôs a guardar a arma do namorado da filha para que ele não corresse o risco de ser flagrado com a pistola em uma blitz policial.
Mariana* costumava manusear armas em casa e o MP cita vídeos feitos pela mãe que comprovam essa afirmação.
A acusação argumenta que a conduta é totalmente ilegal, uma vez que, o manuseio de armas para menores praticantes de tiro somente pode ser feito no clube de tiro apropriado, com a supervisão do responsável ou instrutor.
Depois da morte, a mãe ainda aguardou os apetrechos usados na manutenção das armas, que estavam em cima de uma mesa na casa da família, e foi advertida pela equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) que foi até o local para tentar socorrer Isabele, depois dela ter sido baleada.
“Ao efetuarem a entrega da arma de fogo, a menor (Mariana*) estava vindo a ceifar a vida da vítima, quando na condição de genitores da mesma, tratando-se da pessoa menor de 18 anos de idade, acabaram por corrompe-la, com ela praticando fato definido como crime”, diz a acusação.
Acusação contra a adolescente
A polícia indiciou a autora do tiro, que tem 15 anos, por ato infracional análogo a homicídio doloso. A polícia concluiu que a versão apresentada por ela, no decorrer do inquérito, era incompatível com o que aconteceu no dia da morte e que a conduta dela foi dolosa, porque, no mínimo, assumiu o risco de matar a vítima.
O MP a acusou por ato infracional análogo ao crime de homicídio doloso, quando há intenção ou assume o risco de matar e pediu a internação provisória dela. Ela foi internada no Centro Socioeducativo de Cuiabá e foi liberada no dia seguinte, cerca de 12 horas depois da apreensão.
No julgamento do habeas corpus, por unanimidade, os desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso decidiram substituir a internação da adolescente por medidas cautelares, ou seja, ela ficou obrigada a recolher-se em casa no período noturno, fins de semana e nos dias de folga. Além disso, ela não pode fazer uso de substância alcoólica e similares.
Mas o processo contra ela ainda continua tramitando e está em fase final, aguardando sentença.
Praticantes de tiro
As duas famílias, a da adolescente que disparou, e a do namorado dela, praticam tiro esportivo, de acordo com a investigação da polícia. A Federação de Tiro de Mato Grosso (FTMT) disse que a adolescente que matou a amiga praticava tiro esportivo há pelo menos três anos.
Segundo a federação, o pai e a menina participavam das aulas e de campeonatos há três anos. Os nomes deles constam nos grupos, chamados ‘squads’, que participavam das competições da FTMT. Outros membros da família também participavam desses grupos e praticam o esporte.
Isabele Guimarães Ramos — Foto: Fantástico
A morte
Isabele foi morta em 12 de julho deste ano, na casa da amiga que atirou nela. Durante as investigações, a adolescente alegou ter sido acidental.
Logo depois da morte de Isabele, a polícia ouviu a amiga da vítima. Ela alegou que subiu até o quarto dela, que fica no andar de cima do sobrado onde Isabele morreu, para guardar a arma do namorado. Isabele estava no banheiro do quarto nesse momento.
A adolescente disse que pegou o case – uma maleta onde estavam duas armas – e subiu, obedecendo ao pai. Apesar de estar guardada, a arma estava carregada.
Segundo ela, uma das armas caiu no chão e a adolescente tentou pegar, mas se desequilibrou ao levantar e o objeto acabou disparando, quando ela estava do lado de fora de banheiro. No entanto, essa versão foi contestada por laudos periciais.
Para a polícia, a versão apresentada pela adolescente era incompatível com o que aconteceu no dia da morte e a conduta dela foi dolosa, porque, no mínimo, ela assumiu o risco de matar a vítima.
Além da adolescente, o namorado dela, de 16 anos, também foi indiciado por ato infracional análogo ao porte ilegal de arma de fogo, porque transitou armado sem autorização. Ele levou as armas para a casa da namorada, onde ocorreu o crime.
As armas eram do pai dele. Por causa disso, o pai dele também foi indiciado. Segundo a polícia, mesmo tendo alegado que não tinha conhecimento de que as armas tinham sido levadas pelo filho, ele foi indiciado por omissão de cautela na guarda de arma de fogo, já que teria obrigação de guardar as armas em local seguro.
O pai da adolescente que atirou, que é empresário, foi indiciado por posse de arma de arma de fogo, homicídio culposo, entrega de arma para adolescente, previsto no Estatuto do Desarmamento, e fraude processual.