Carla Gruner/Angelo Donatoni
O planejamento patrimonial e sucessório é amplamente adotado no Brasil por famílias e empresas que desejam proteger seus bens para futuras gerações. A criação de holdings, uma das estratégias mais usadas, centraliza o patrimônio e prepara os herdeiros. Um dos principais benefícios dessa estrutura é a imunidade ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição Federal, que isenta a tributação na integralização de imóveis ao capital social de empresas.
No entanto, o julgamento do Tema 796 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 alterou essa prática. O STF decidiu que a imunidade ao ITBI se limita ao valor correspondente ao capital social subscrito, sendo tributado o excedente. Essa mudança impactou especialmente a integralização de imóveis em holdings familiares.
Antes, o ato de integralizar imóveis para realização do capital social de empresas, especialmente holdings familiares, era uma via segura para a transferência de patrimônio sem a tributação típica de uma compra e venda de imóveis. Exceção apenas para casos em que a atividade preponderante for imobiliária. Agora, o entendimento do STF é um divisor de águas na tributação do ITBI, especialmente no contexto da integralização de imóveis para realização do capital social de empresas.
A tese fixada pelo STF estabeleceu que, embora a integralização de imóveis em capital social seja imune ao ITBI, essa imunidade se limita ao montante correspondente ao capital social subscrito, de maneira que aquele valor excedente será tributado. Curiosamente, nem todas as decisões relacionadas ao ITBI e ao Tema 796 se concentraram no mesmo ponto e com a mesma aplicação da regra acima apresentada.
Recentemente, em abril de 2024, o STF julgou o Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.485.056, oriundo do Estado de Goiás, tendo, ao revés de se aprofundar no tema, se limitado a recusar a análise, por conta do contexto fático que seria revisto. Por consequência, foi mantido o entendimento do Tribunal de Justiça de Goiás, que afastou a cobrança de ITBI sobre a diferença entre o valor declarado no Imposto de Renda pelo contribuinte e o valor avaliado pelo município.
Isto porque a Lei do Imposto de Renda (9.249/95) permite ao contribuinte utilizar o valor constante na Declaração de Imposto de Renda ou o valor de mercado para a integralização de bens em realização do social de uma empresa. Esse entendimento é relevante, pois reforça o princípio de que a escolha do valor a ser utilizado para fins de integralização, permitindo ao contribuinte a opção legal e lícita de como deseja promover a integralização de um bem, não cabendo ao Município modificar essa regra, com fito de arrecadar mais.
Ainda, o TJGO destacou que a interpretação do município estava em desacordo com o entendimento do STF, especialmente porque a cobrança de ITBI sobre a diferença entre o valor declarado e o valor avaliado não se enquadra no limite do capital social subscrito, que é o ponto central da imunidade tributária discutida pelo STF.
Sem sombra de dúvidas, a decisão do TJGO é importante para as discussões sobre a cobrança do ITBI no Brasil, tendo em vista que aparou algumas arestas que até então se destacavam, na medida em que reequilibra a balança entre contribuinte e fisco, efetivando a aplicação da Lei do Imposto de Renda. Afirmou a legalidade do contribuinte se utilizar do valor declarado no Imposto de Renda para a integralização de imóveis sem ser penalizado com a cobrança de ITBI sobre uma eventual diferença avaliada pelo município.
Certamente, o entendimento adotado pelo TJGO, ainda que recente e tímido perto das demais decisões sobre o tema, representa uma luz de esperança para que haja a correta aplicação do sistema legislativo brasileiro. Em especial, representa a garantia constitucional e o próprio tema, que em nada permite uma avaliação pelo fisco municipal.
Embora o STF tenha se recusado a reexaminar os fatos do caso no Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.485.056, a decisão do TJGO permanece como uma referência significativa para outros tribunais estaduais e para os contribuintes que enfrentam questões semelhantes em suas operações de planejamento patrimonial.
A interpretação do TJ-GO, mantida pelo STF, reforça a importância das decisões estaduais na aplicação da imunidade ao ITBI e na garantia de que os direitos dos contribuintes sejam respeitados. Essas decisões fortalecem a segurança jurídica no planejamento patrimonial e sucessório no Brasil, promovendo práticas tributárias justas e previsíveis.
Autores:
Angelo Donatoni
Advogado, atuante no escritório Oliveira Castro Advogados. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso – UFMT. Possui especialização em Advocacia Empresarial. Foi professor voluntário da Universidade Federal de Mato Grosso de Legislação Empresarial e Societário, junto ao Departamento de Ciências Contábeis. Atualmente, é professor junto a Universidade de Cuiabá – UNIC, nas matérias de Títulos de Crédito e Recuperação Judicial e Falência e em Prática Jurídica Supervisionada. É membro do IBRADEMP – Instituto Brasileiro de Direito Empresarial. Está como vice-presidente da Comissão Estadual de Direito Empresarial, junto a OAB/MT.
Carla Gruner
Advogada e Controller, atuante no escritório Oliveira Castro Advogados, atuante na área do Direito Empresarial, com foco em Falência e Recuperação Judicial. Professora do curso de Pós-Graduação MBA em Direito Empresarial UNOESC, no módulo de Empresa, Tributação e Holding Familiar 2024. Foi professora voluntária da Universidade Federal de Mato Grosso de Legislação Empresarial e Societário, junto ao Departamento de Ciências Contábeis.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do site de notícias Cuiabano News