O goleiro uruguaio Guillermo de Amores, que passou pelo Fluminense entre 2018 e 2019, mas não chegou a atuar uma partida sequer, entrou na Justiça contra o clube cobrando verbas trabalhistas não pagas e danos materiais e morais relacionados à grave lesão sofrida no joelho em meados de 2018. O total da ação, que corre no Tribunal de Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro, é de R$1.569.138,95. A entrada com o processo foi revelada pelo site Saudações Tricolores. O ge teve acesso à íntegra do pedido e traz todos os detalhes.

No processo, De Amores acusa o departamento médico do Fluminense de ter cometido erros no diagnóstico e no tratamento da lesão no joelho direito. Nos autos, o goleiro relata que teve complicações nas cirurgias que passou pelo clube, como infecção, e que só conseguiu descobrir e tratar o problema com um especialista na Espanha, pedindo ressarcimento também do tratamento e dos custos da viagem.

Mesmo após o tratamento fora do clube, segundo a acusação, o goleiro ficou com uma sequela permanente no músculo de sua coxa em razão dos procedimentos realizados pelo Fluminense e por uma volta equivocada aos treinamentos após o diagnóstico de que a lesão estava curada. A ação alega que tais sequelas impedem o jogador, hoje com 26 anos, “de exercer suas atividades laborativas no mesmo nível em que estava quando se apresentou ao clube carioca”.

A reportagem procurou o Fluminense para solicitar um posicionamento a respeito das acusações do goleiro e aguarda retorno.

Guillermo de Amores em passagem pelo Fluminense — Foto: Mailson Santana / FFC

Guillermo de Amores em passagem pelo Fluminense — Foto: Mailson Santana / FFC

De Amores sofreu uma lesão no joelho direito no meio de 2018 e foi submetido a uma cirurgia para operar o menisco. Nos meses seguintes, ele seguiu sentindo dores e passou a apresentar quadro febril, tendo detectada uma infecção na região. O goleiro precisou passar por outros procedimentos e chegou a ficar quase um mês internado.

O uruguaio retornou aos treinos no início de 2019, mas continuou sentindo dores e inchaço no joelho. Após novos exames, ele teria sido diagnosticado com uma “miosite ossificante” (um tecido ósseo que se desloca do osso). Após novo tratamento, o goleiro teve a lesão considerada curada pelo clube. Seguindo com incômodo, De Amores procurou uma segunda opinião que detectou que a miosit, provável razão da sequela muscular, prosseguiu e ainda evoluiu para uma “periostiste ossificante reativa” (uma inflamação ao redor do osso).

Pedro e Guillermo de Amores fazendo exercícios na academia do Fluminense em 2018 — Foto: Lucas Merçon

Pedro e Guillermo de Amores fazendo exercícios na academia do Fluminense em 2018 — Foto: Lucas Merçon

No processo movido, De Amores pede:

  • R$546.460,00 de verbas trabalhistas alegadamente não pagas;
  • R$ 65.000,00 de multa por rescisão contratual;
  • R$154.778,66 por danos materiais;
  • R$325.000,00 por danos morais;
  • Além de honorários advocatícios

Pedido da torcida e nenhum jogo pelo Flu

Eleito o melhor goleiro do Mundial Sub-20 em 2013, De Amores chegou ao Fluminense em janeiro de 2018 contratado pela gestão Pedro Abad após uma campanha da torcida nas redes sociais. O uruguaio havia chamado a atenção ao se destacar contra o próprio tricolor em confrontos pelo Liverpool-URU pela Sul-Americana 2017.

Ele, no entanto, nunca chegou a jogar pelo Fluminense. Além de status de terceiro reserva pelo técnico Abel Braga, sofreu lesões musculares até a grave lesão no joelho. Após sair do Tricolor em julho de 2019 ao fim do empréstimo, ele ficou um ano sem clube recuperando-se da lesão e recentemente foi contratado pelo Fénix, do Uruguai. Seu último jogo profissional foi em 19 de novembro de 2017, ainda pelo Liverpool.

Além deste novo processo de Guillermo de Amores, o Fluminense responde na Fifa por uma ação movida pelo Boston River-URU, pela transferência do goleiro. O jogador foi contratado por empréstimo de um ano por US$ 200 mil (R$ 980 mil na cotação atual) com opção de compra de US$ 1,5 milhão (RS 7,35 milhões atualmente). O clube pede o pagamento do valor inicial. A dívida atualmente é de US$ 212 mil (cerca de R$ 1 milhão na cotação atual). O Flu negociou o acordo com os uruguaios para quitar a dívida.

Confira as acusações relatadas em linha do tempo por De Amores no processo:

  • 23 de maio de 2018 – Goleiro sofre lesão no joelho direito durante treinamento
  • Inchação não retrocede prontamente e departamento médico do Fluminense submete goleiro a exame, que não detecta lesão, apenas presença de líquido articular. Segundo goleiro, na época lhe foi informado que recuperação seria rápida e que logo voltaria aos treinos.
  • No entanto, após um mês, De Amores segue se queixando de dores, limitações de movimento e inchaço após as atividades.
  • Em 30 de junho de 2018, departamento médico do clube realiza nova ressonância magnética que aponta lesão no menisco do joelho direito.
  • Em 24 de julho de 2018, De Amores é submetido a uma cirurgia pelo Dr. Douglas dos Santos, chefe do departamento médico do Flu, auxiliado pelo Dr. Victor Favilla e tem alta no dia seguinte.
  • Três dias depois, goleiro inicia fisioterapia. Segundo processo, “apesar dos esforços, o ferimento sangrava constantemente e permanecia dolorido”
  • No fim de agosto, De Amores começa a ter febre e há suspeita de infecção na região.
  • Médicos realizam nova cirurgia para lavar articulação e retirada de amostras para análise e diagnosticam uma monoartrite séptica (uma infecção na articulação).

25 dias de internação

  • Em 1º de setembro de 2018, goleiro é submetido a nova cirurgia para lavagem da articulação.
  • No dia 6 do mesmo mês, exame realizado por uma infectologista contratada pelo próprio jogador detecta a presença de um fungo que seria o causador da infecção.
  • Diante do quadro, médicos do Flu realizam nova lavagem no ida 10 de setembro.
  • Jogador recebe alta apenas no dia 25 de setembro de 2018 com indicação de tratamento a base de antibióticos e antifúngicos.

Segunda opinião

No fim de 2018, quando se encerrava o empréstimo de De Amores com o Fluminense, a direção tricolor negociou com o goleiro a prorrogação do vínculo por mais seis meses, para que ele pudesse concluir a recuperação no clube.

  • Segundo o processo, ao se reapresentar em janeiro de 2019, De Amores informou ao departamento médico que seu joelho ainda o incomodava. Na ocasião, teria sido orientado a “continuar com a fisioterapia durante o período de um mês e que depois voltaria aos gramados para iniciar os treinos normalmente”
  • Em 30 de janeiro de 2019, com a continuidade das dores, o clube realizou uma nova ressonância magnética no joelho do jogador, e detectou uma “miosite ossificante” (um tecido ósseo que se desloca do osso e fica solto em parte do corpo)
  • De acordo com o relato, o Dr. Douglas Santos determinou que De Amores fizesse um tratamento com ondas de choque na região.
  • Após voltar aos treinos, De Amores voltou a sentir dores e limitação de movimento e teria ouvido do departamento médico do Flu que a lesão estava curada, que os incômodos seriam comuns e cessariam aos poucos com o passar do tempo.
  • De Amores decide buscar uma segunda opinião e em abril de 2019, autorizado pelo Fluminense, vai até o Uruguai, onde é consultado pelo Dr. Eduardo Vilesnky, especialista em ortopedia e traumatologia da Associación Española.
  • Segundo os autos, ao analisar os exames apresentados pelo Reclamante, o médico “informa que o caso não estava resolvido e desaconselha o retorno aos treinos, alertando-o que caso continuasse realizando atividades de campo, a lesão certamente se agravaria”.
  • De Amores então é aconselhado a consultar dois médicos espanhóis para ter um diagnóstico mais preciso.
  • De volta ao Brasil, goleiro é submetido a ultrassonografia no Flu. Segundo o processo, departamento médico do clube mantém entendimento inicial de que jogador está recuperado da lesão e atribui “a insegurança sentida pelo Reclamante a fatores psicológicos, que seriam superados com o passar do tempo e determinando o imediato retorno aos treinos e realização de fortalecimento muscular”.
  • Ao retornar aos treinos, goleiro volta a sentir dores, inchaço e limitação de movimentos
  • De Amores relata ter se reunido em 25 de maio de 2019 com Paulo Angioni, diretor de futebol do Fluminense, externando desejo de ir até a Espanha para ter um diagnóstico dos médicos que havia recebido indicação.
  • Segundo o goleiro, após ter consultado o departamento médico do clube, que garantiu que o jogador estava recuperado da lesão, Angioni teria o informado que o empréstimo não seria renovado mais uma vez e que, faltando um mês para o fim do vínculo, ele estava liberado para ir à Espanha se consultar, desde que arcasse com as próprias despesas.
  • Antes de ir para a Europa, De Amores diz ter se consultado com outros três especialistas no Brasil que o garantiram que não estava em condições de voltar aos treinamentos.

Novo diagnóstico e volta aos campos

  • Em junho de 2019, De Amores vai para a Espanha e é submetido a diversos exames. Segundo o goleiro, os especialistas apontaram que “em razão de erros cometidos durante as intervenções cirúrgicas” anteriores, o quadro de “Miosite ossificante” evoluiu para uma “periostiste ossificante reativa” (inflamação em volta do osso), provavelmente causada por excesso de sangramento durante as diversas manipulações do local afetado (lavagem e raspagem do tecido muscular e do osso).
  • De acordo com o processo, os médicos espanhóis teriam dito também que o goleiro “não estava apto para a prática de futebol profissional” e que “a alta médica recebida do departamento médico do Fluminense, além de ser inadequada e temerária, certamente acabou agravando o problema clínico”.
  • Laudo afirmaria também que a artrtite infecciosa e a miosite ossificante diagnosticadas pelo Fluminense eram “problemas menores” comparados à “periostiste ossificante reativa”.
  • Em 28 de junho de 2019, De Amores é submetido a nova cirurgia, na Espanha, para ressecção da calcificação e cauterização da zona de sangramento para evitar novos hematomas na região.

Recuperação

  • De Amores recebe alta em 5 de julho de 2019 e retorna ao Uruguai e passa por um período de seis meses de fisioterapia no Boston River, clube uruguaio.
  • Em 17 de janeiro de 2020, goleiro é liberado para voltar a treinar no campo.
  • Segundo o processo, médicos uruguaios informaram ao jogador que “sua recuperação não seria totalmente completa, em razão dos irreversíveis efeitos causados pela ruptura de parte do músculo de sua coxa direita, causada pelo prematuro retorno aos treinos na época do Fluminense. (Globo Esporte)