Todos nós tivemos dias que deixaram marcas indeléveis em nossas vidas. Com exceção das datas relacionadas a fatos decorrentes com nossas famílias, tais como nascimento, aniversário ou falecimento, todos temos alguma que jamais esqueceremos.
Começo as minhas pelo dia cinco de dezembro de 1970.
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Chegava eu na minha “república” em Uberaba MG depois da última aula da Faculdade, e de volta para minha querida Cuiabá, encontro sobre o sofá da sala minha trouxa de roupa lavada e passada pela mesma lavadeira que me auxiliou por cinco anos. Parecia nada demais se em cima da trouxa não tivesse um envelope com uma carta para mim.
Peguei-o cuidadosamente e virei para ver o remetente.
Dizia assim: Alverida Maria- Rua Prata nº 168-Nesta.
Uma carta escrita por uma pessoa de pouca intimidade com as letras, mas de um coração e de uma dignidade descomunal. Era a carta da minha inesquecível lavadeira que por cinco anos tratou minhas roupas como se suas fossem.
Dizia essa senhora na carta que até hoje guardo com um carinho imenso: ”não sei como agradecer a você por estes cinco anos que você me confiou a sua roupa para que eu lavasse e passasse, com isso você me ajudou cinco anos, o que eu sinto agora uma dor no coração e as lágrimas nos olhos de lembrar que você vai e não volta mais….”. Assim começava sua bela carta de despedida para mim.
Até hoje, quando releio essa carta, tenho que parar por vários momentos para enxugar minhas lágrimas. Lágrimas que descem pelo meu rosto como que perguntando onde deverá estar D. Alverida Maria? Onde estará essa senhora que com minhas migalhas diz ela, ajudei-a a criar seus filhos. Gostaria de algum dia te ver de novo D. Alverida para agradecer-lhe os imensos remendos feitos pela senhora nas minhas toalhas e nos meus lençóis. Que Deus tenha te escolhido para ser uma das privilegiadas a estar ao seu lado.
Outra data marcante na minha vida foi em um dia de agosto de 1988. Estava no meu consultório quando minha secretária diz que na sala de espera estava uma senhora, avó de uma ex-paciente que queria falar comigo. Perguntei de quem se tratava e a secretaria lembrou-me que eu teria realizado um tratamento em sua neta sem cobrar meus honorários.
Graças a Deus pude no decorrer da minha vida profissional, ajudar muitos que necessitavam daquilo que me propunha fazer. Pedi que trouxesse a senhora no meu escritório. Cansada e suada a senhora, com uma sandália havaiana nos pés, tendo seus calcanhares castigados pelo tempo, pergunta-me: “o Senhor se lembra de mim?”
Disse: desculpe, mas não me lembro! Adianta ela: “sou avó da fulana que o Senhor tratou e nunca me cobrou, vim trazer um presente pro Senhor”.
Estendeu seus braços na minha direção e me entregou um embrulho. Abri o embrulho e lá dentro estava um vidro cheio de doce de caju. Disse ela: “só sei fazer isso, desculpe-me”!
Abraçamo-nos e comecei a chorar com um gesto que jamais esperei. A velha senhora acompanhou-me acariciando minhas mãos.
Pedi que minha secretária desmarcasse ou outros pacientes, pois não tinha eu condições emocionais de continuar a trabalhar. Esse foi o maior presente que recebi em 30 anos de vida profissional.
Ao escrever este, minha intenção é demonstrar que através de pequenos atos pode-se fazer a felicidade de um irmão.
Uma carta e um doce de caju recebido de corações humildes e sinceros podem acelerar os batimentos do seu!
*EDUARDO GARGAGLIONE PÓVOAS é odontólogo em Cuiabá.
E-MAIL: eduardopovoas@outlook.com
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