O Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT) ingressou na Justiça Federal com uma Ação Civil Pública para que seja decretada uma intervenção na administração da Santa Casa de Misericórdia de Rondonópolis. Na ação, apresentada nesta segunda-feira (11.11), a autarquia apresenta indícios de uma série de irregularidades, incluindo atrasos no pagamento de prestadores de serviços médicos, fraudes contratuais e ausência de transparência na aplicação de mais de R$ 114 milhões em recursos públicos recebidos entre 2023 e 2024.

Além da nomeação de um interventor para gerir a Santa Casa, responsável pelo atendimento a pacientes de 19 municípios de Mato Grosso, o Conselho pediu, em caráter liminar, o afastamento de oito diretores da unidade; a aplicação dos recursos públicos na manutenção dos serviços médicos essenciais; a realização de uma auditoria independente; a proibição da realização de novos contratos ou alteração dos atuais sem a análise dos órgãos de controle; e a nomeação de um diretor técnico habilitado, entre outras coisas.

Na ação, a Procuradoria Jurídica do CRM-MT relatou que os indícios de má gestão dos recursos públicos e possíveis irregularidades constatadas têm gerado consequências diretas no acesso e na qualidade dos serviços médicos ofertados. “O não pagamento de profissionais médicos, a precariedade de materiais e insumos hospitalares e os indícios de fraudes em contratos comprometem gravemente o atendimento à saúde, especialmente para a população mais vulnerável que depende do Sistema Único de Saúde [SUS]”, afirma o advogado Cristiano Polla, responsável pelo processo.

Ele apresenta à Justiça o resultado de três inspeções realizadas na Santa Casa pelo CRM-MT, pelo Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso (Coren-MT) e pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso (Crea-MT). As três vistorias constataram condições inadequadas de trabalho enfrentadas pelos profissionais de saúde na Santa Casa, incluindo a ausência de insumos básicos e infraestrutura mínima necessária. A precariedade, salienta Polla, associada à inadimplência com os profissionais médicos afeta diretamente a continuidade dos serviços prestados.

Fraudes

Os indícios de má gestão da Santa Casa de Rondonópolis não se limitam às condições de trabalho dos profissionais que lá atuam, mas também a uma série de irregularidades constatadas pelo CRM-MT após a análise de documentos e informes recebidos. “Entre as irregularidades constatadas estão pagamentos por serviços médicos não efetivamente prestados, substituições abruptas de empresas médicas contratadas sem a quitação de débitos anteriores e discrepâncias nas escalas de profissionais em relação aos pagamentos realizados”, enumera o advogado na ação.

Polla lembra que as irregularidades fizeram com que a Polícia Federal instaurasse um inquérito para apurar a destinação dada pela direção da unidade a recursos públicos, incluindo uma emenda parlamentar de R$ 10 milhões, destinada exclusivamente ao pagamento de honorários médicos. “No curso das apurações, a Polícia Federal identificou elementos que reforçam as suspeitas de má gestão e possíveis fraudes contratuais, como a contratação de empresas médicas substitutas em condições questionáveis e o pagamento de profissionais em desconformidade com as escalas divulgadas”.

O procurador responsável pela ação salientou que mesmo tendo recebido mais de R$ 114 milhões em recursos públicos, a direção da unidade acumula dívidas de R$ 12 milhões com médicos e empresas prestadoras de serviços, colocando em risco a continuidade das atividades assistenciais. “A má gestão dos recursos públicos é agravada pela constatação de possíveis fraudes na execução contratual”.

Interdição

Nesta segunda-feira (11.11), o CRM-MT realizou a interdição ética das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) Neonatal e Pediátrica, do alojamento e da Sala de Parto da unidade. A iniciativa foi motivada pela ausência de pediatras na sala de parto e a exaustão física e psicológica dos profissionais em serviço, expondo não apenas os médicos, mas também os pacientes, a riscos irreparáveis.

As atitudes tomadas pela diretora executiva da Santa Casa, explica Polla, agravam ainda mais o cenário de desorganização e precarização dos serviços médicos. “Entre essas ações, destaca-se a convocação de força policial para impedir que uma médica, já em estado de extremo esgotamento físico e mental após mais de 60 horas de plantão ininterrupto, deixasse o hospital. Além disso, a diretora teria proibido a transferência de pacientes para outras unidades com vagas disponíveis”.

Diante de todos os problemas apurados pelo CRM-MT, o Conselho pede na ação que, no mérito, os diretores da Santa Casa sejam definitivamente afastados e responsabilizados pela má gestão; que sejam obrigados a ressarcir os cofres públicos pelos prejuízos gerados; e que a Santa Casa seja obrigada a adequar sua gestão às finalidades previstas nos convênios e contratos celebrados com a administração pública.