Os crimes contra a honra cometidos na internet terão pena triplicada. Na semana passada, o Congresso derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro a essa e outras medidas – que agora aguardam promulgação – referentes à Lei Anticrime (13.964/2019), sancionada para modificar a legislação penal e processual penal. Em um mundo cada vez mais virtualizado, fazem-se necessárias normas mais incisivas para coibir noções de anonimato e impunidade no ciberespaço.
A advogada Patrícia Corrêa Sanches, presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, fala sobre o assunto. “O aumento da pena, fazendo-a triplicar, está no compasso da realidade social, necessitando de aplicação efetiva para fazer coibir essa prática tão perniciosa ao desenvolvimento da personalidade e que causa sofrimento e dor”, opina.
Mudanças sociais e tecnológicas notadas nos últimos tempos impactam a discussão, segundo a advogada. “A tecnologia traz novos fatores que passam a integrar a sociedade, criando uma nova realidade, o que demanda novas regulamentações no compasso dos objetivos sociais vigentes – é a conhecida Teoria Tridimensional do Direito, tão bem alicerçada por Miguel Reale”, comenta.
“A regra penal original data de 1940, com profundas alterações da lei de 1984. De lá pra cá, novas ferramentas e novos arranjos sociais impulsionaram inúmeras outras alterações legislativas para fazer adequar a lei, à necessidade de proteção a qual a sociedade passou a demandar – e, assim, permanecerá demandando continuamente.”
Aumento de práticas ofensivas na internet
A especialista explica que a Lei 13.964/2019 versa sobre inúmeras alterações na legislação penal e processual penal. Uma delas é quanto ao aumento da punibilidade de crimes contra a honra, que é a ofensa à dignidade ou ao decoro. Atualmente, a pena é aumentada em 1/3 se realizada por meio que facilite a divulgação da ofensa, de acordo com o artigo 141 do Código Penal. Com a derrubada do veto, o ato terá sua penalidade triplicada quando cometido no ciberespaço.
A justificativa de Bolsonaro era de que a medida viola o princípio da proporcionalidade e de que a legislação já permitia, a contento, o agravamento da pena em um terço. A elevação da pena, segundo o Planalto, obrigaria a instauração de inquérito policial para a investigação dos crimes, o que culminaria na superlotação das delegacias e redução do tempo e da força de trabalho para o combate de crimes graves.
“A prática de ilícito pela internet tem o nome de cibercrime (ou cybercrime, em inglês), que potencializa o ilícito pela sua instantaneidade e velocidade. Portanto, ofender uma pessoa, utilizando essa via é um cibercrime que se traduz, muitas das vezes, em uma atividade descontrolada e de caráter irreversível, diante da infinidade de pessoas que passam a ter acesso àquela ofensa, tornando-a efetiva a cada destinatário”, pondera Patrícia.
Diante do aumento exponencial de práticas ofensivas pela internet, a proposta inicial da Lei Anticrime visava inibir a incidência desse ilícito, segundo a especialista. Para ela, triplicar a pena em vez de somar-lhe um terço faz jus à necessidade social frente à enxurrada de atos praticados em prejuízo de milhares de pessoas.
“A rede mundial de computadores gerou uma falsa noção de anonimato e de impunidade, permitindo toda a sorte de práticas que atingem a honra, desde bullying, induzimento ao suicídio e até violência doméstica. Tamanha é a incidência dessa prática, que impulsionou a alteração do Código Penal com aumento da pena, buscando o caráter punitivo-educativo da norma.”
Mulheres são as principais vítimas de ofensa na internet
Segundo a diretora nacional do IBDFAM, qualquer pessoa está sujeita a ser vítima de xingamentos, acusações, exposição da intimidade e da vida privada na internet de forma que atinja a sua honra. No entanto, mulheres entre 14 e 35 anos de idade são as maiores vítimas de violência on-line, segundo a pesquisa realizada no final de 2020 pelo Observatório Brasileiro de Violência On-line da Universidade de Brasília – UnB. O levantamento também aponta que a maioria dos agressores são homens entre 26 e 35 anos de idade.
“Importante salientar que essas práticas também podem ser enquadradas como violência doméstica, aplicando-se as medidas previstas na Lei Maria da Penha (11.340/2006) – o que não afasta a imposição da lei penal. Outra prática observada é a criação de perfis falsos com o objetivo de denegrir determinada pessoa ou grupo de pessoas, gerando ofensas com racismo, homotransfobia, intolerância religiosa e diversos outros ilícitos contra a honra.”
A especialista frisa: “É importante a exposição dessa temática para que se conheça os meios de denúncia e de responsabilização, tanto criminal quanto cível”.
“O Brasil é o quarto país no ranking de denúncias de cibercrimes, segundo o SaferNet em parceria com o Ministério Público Federal, Polícia Federal, Congresso Nacional e Secretaria de Direitos Humanos. Portanto, o aumento da pena reflete a realidade da prática ilícita, porém, precisa estar em consonância com atividades e políticas públicas para torná-la efetiva”, ressalta Patrícia Corrêa Sanches.