Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Coimbra, em Portugal, analisou marcas em exemplares de dentes de pavlovianos (hominídeos primitivos) da Era do Gelo. Há séculos, esses objetos são focos de especulação, mas só agora um arqueólogo parece ter encontrado a resposta para desvendar o mistério sobre seu desgaste: piercings nas bochechas.
De acordo com John Willman, líder do projeto, no período entre 25 mil e 29 mil anos atrás, esses adereços provavelmente tinham uma função cultural de identificação de grupos específicos. É possível ainda que indivíduos muito jovens, com apenas 10 anos, já tivessem as suas bochechas perfuradas em ritos de passagem.
Os resultados encontrados pelo pesquisador renderam um artigo científico, publicado em janeiro na revista Journal of Paleolithic Archaeology.
Desgaste estranho nos dentes
À medida que os humanos envelhecem, o esmalte dos dentes naturalmente se desgasta por meio de comportamentos repetidos (mastigar, ranger e segurar objetos na boca). Essas atividades geralmente fazem com que a camada fique mais plana ou ligeiramente angulada na superfície de mastigação. Porém, no caso dos pavlovianos, o desgaste parecia estar no lado contrário, voltado à bochecha.
“Houve uma longa história de discussão sobre o desgaste estranho nos caninos e molares desses indivíduos, mas ninguém sabia o que, de fato, o causava”, afirma Willman ao site Live Science. “Achei que os ‘labrets’ eram uma hipótese muito boa”.
O termo “labret” se refere a um tipo de piercing que é inserido no lábio inferior ou na área da bochecha de uma pessoa. O seu uso é bem conhecido em culturas modernas, mas, até o momento, nenhum exemplar foi encontrado em sepulturas pavlovianas. Isso pode ser explicado pelo fato de que o material de confecção, como madeira ou couro, é facilmente perecível.
Embora o uso de labrets seja considerado seguro, ele pode causar danos aos dentes e às gengivas se feito incorretamente. Piercings podem fazer com que um dente se mova, atuando quase como um “aparelho reverso”. Por isso, inclusive, o especialista destaca que alguns indivíduos apresentavam apinhamento dentário, um reflexo direto de labrets apoiados contra os dentes por longos períodos.
Elemento cultural
Após notar o desgaste em alguns dentes de leite, pesquisadores levantaram a hipótese de que os primeiros labrets já deviam ser furados ainda na infância. Nos adultos, por sua vez, é possível que o grau elevado de desgaste do esmalte na região da bochecha esteja relacionado à inserção de labrets maiores ao longo do tempo.
“No caso dos pavlovianos, ter labrets parece estar relacionado a pertencer a um grupo”, lembra Willman. “Assim, a variação no desgaste dos dentes pode estar relacionada à escolha individual, às diferentes experiências de vida que ‘ganham’ labrets durante a vida, como passar pela puberdade ou após o casamento”.
O próximo passo é reexaminar coleções de artefatos de sítios pavlovianos e de outras eras glaciais para verificar a existência de eventuais evidências de labrets perdidos no passado.
(Por Arthur Almeida)