A Lei 11.101/05 dispõe de forma expressa sobre os requisitos necessários à aplicação do instituto da Recuperação Judicial (RJ). Ocorre que, no decorrer de quase 15 anos de sua vigência, o mercado financeiro sofreu diversas alterações em virtude da crise econômica que se instalou no país, aumentando demasiadamente o interesse da classe empresarial pela obtenção dos benefícios advindos dela.
Na última terça-feira (05), em uma vitória de todo setor agro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as dívidas contraídas anteriormente à inscrição na Junta Comercial pelo produtor rural podem ser englobadas nos pedidos de RJ.
Porquanto, o instituto da Recuperação Judicial é compreendido como uma medida organizacional de finanças, através da qual se viabiliza a superação da crise econômica da empresa devedora, evitando a perda ou diminuição do patrimônio, tal como a descontinuidade da atividade empresarial.
Sendo assim, em que pese os sinais positivos que a economia apresentar, segue crescente o número de pedidos, em especial no agronegócio. Pois, atualmente, o debate se forma em torno da utilização do instituto por aqueles que até então se mantinham aparentemente distantes da nuvem negra em torno do tema. Hoje, agropecuaristas, usineiros e empresas ligadas ao setor vêm insistentemente recorrendo ao instituto, despertando a “luz amarela” das instituições financeiras.
Ainda nesse sentido, é oportuno mencionar que já era mais que esperado que essa realidade chegasse diante dos reiterados resultados negativos de alguns “gigantes”. O cenário de aparente crise, das incertezas jurídicas, das constantes oscilações do dólar, do aumento desenfreado nos preços de insumos, da ausência de linhas de crédito com juros menores, do protecionismo comercial praticado por competidores do exterior, o momento do agro na RJ é inevitável.
E, especificamente ao que concerne aos produtores de Mato Grosso, percebe-se que os prejuízos suportados em virtude da recente crise econômica sofreram uma elevação tendo em vista a evidente taxação do setor, a exemplo da entrada em vigor da lei 10.353/2015 com a ampla reforma no FETHAB, aparentemente uma porta para maior carga tributária desse seguimento único e que literalmente move o Brasil.
O agronegócio é uma atividade que demanda investimentos de altíssimos riscos e, por mais que traga algum tipo de segurança ou estabilidade, a recuperação judicial para o produtor rural nem sempre é benéfica. Isso porque ela está gerando incertezas em setores estratégicos da economia, em especial na abertura de linhas de investimento.
O crédito rural oferecido pelo sistema bancário afeta diretamente a cadeia produtiva. Em sua maioria, a agricultura de Mato Grosso depende deste financiamento, posto que é mínima a quantidade daqueles que conseguem promover o ciclo da safra com capital próprio, salvo aqueles que se utilizam das operações de barter e venda antecipada de suas lavouras para trading companies, usinas e outros offtakers.
No atual Plano Safra, por exemplo, o governo reservou R$ 225,59 bilhões para o plano agrícola e pecuário e mais do que dobrou o seguro rural, que alcança a cifra inédita de R$ 1 bi. No começo de outubro, o presidente Jair Bolsonaro assinou a chamada MP do Agro, que vai possibilitar a alocação de R$ 5 bi a mais de crédito rural para o setor. A MP complementa medidas previstas no Plano Safra, anunciado em junho.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento anunciou recentemente que o valor das contratações das operações de crédito rural nos três primeiros meses da safra 2019/2020 (julho a setembro) foi de R$ 59 bilhões, representando alta de 3% na comparação com a safra passada. As operações de custeio somaram R$ 35,9 bilhões (+ 4%), investimento, R$ 11,9 bilhões (+8%), comercialização, R$ 6,3 bilhões (-28%) e as de industrialização, R$ 4,7 bilhões (+60%). O resultado é positivo, mas a pergunta que fica é como será daqui para frente com esse crescimento do número de pedidos de recuperação judicial?
Os financiadores privados já analisam com rigor os pedidos dos produtores rurais de crédito e com o crescimento dos pedidos de recuperação judicial executivos de bancos, inclusive, avaliam que o setor financeiro pode ficar ainda mais restrito na concessão destas linhas de credito.
E quanto às tradings? E as multinacionais de agroquímicos, fertilizantes, sementes e grãos? São elas que financiam cerca de 30% da safra de soja mato-grossense, por exemplo. Como estas empresas devem se comportar no mercado diante do crescimento da utilização da RJ?
Por mais que muitas coisas já se atualizaram, as discussões estão só começando. É preciso avaliar muito ainda antes de qualquer decisão que afete o andamento sadio das empresas. O cuidado a ser observado está, principalmente, na segurança gerada num primeiro momento, mas que poderá causar incertezas e desiquilíbrios.
Afinal, não se pode perder de vista que a RJ já passou por vários setores, ocorreram baixas, porém, a mesma regra será aplicada agora ao agro, não havendo motivos para qualquer alteração no setor, que hoje faz do Brasil o verdadeiro celeiro do mundo.
*FLAVIANO TAQUES é administrador judicial, advogado, Ex-Corregedor Geral da OAB-MT, especialista Direito Empresarial e Agroambiental.
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