O Poder Judiciário de Mato Grosso, neste ano de 2023, começa a receber uma enxurrada de recuperações judiciais envolvendo o agronegócio e, como era de esperar, a inovação da Lei 11.101/05, por advento das modificações trazidas pela Lei 14.112/20, estão fazendo com que os juristas “quebrem” a cabeça para resolver dois grandes problemas referentes a duas dívidas: aquela oriunda das denominadas Cédula de Crédito Rural (CPR’s) e as que decorrem dos financiamentos realizados pelas Cooperativas de Crédito por meio do “ato cooperado”.
Este artigo se destina a tratar exclusivamente sobre a CPR, com o propósito de chamar a atenção a uma questão bem didática. Pode este título, realmente, ser excluído dos efeitos da recuperação judicial? No meu entender, não. Explico.
Realmente, a Lei 14.112/20 foi um importante mecanismo de regras que regulamentou, além da Recuperação Judicial Lei 11.101/05, a Lei 8.929/94 (que instituiu a CPR no mercado financeiro). Portanto, uma mesma norma jurídica modificou duas outras normas distintas, cada qual com a sua matéria específica.
No âmbito da recuperação judicial, além da inovação sobre o sistema de financiamento para o negócio em dificuldade, substituição da Assembleia Geral de Credores por meio de um Termo de Adesão por Maioria (TACOM), a possibilidade do produtor rural pessoa física se submeter ao processo concursal, também estabeleceu um rol de dívidas que não se submetem aos efeitos da Recuperação Judicial, tudo devidamente exaurido pelo art. 49.
Este dispositivo, que não comporta uma interpretação literal maior do que efetivamente está ali escrito, não fez qualquer menção à CPR. Ou seja, não excluiu a CPR dos efeitos da Recuperação Judicial!
Esta exclusão defendida por tradings e demais credores do agro está sendo justificada pelo art. 11 da Lei 8.929/94, cuja redação, inclusive, tinha sido vetada pelo então Presidente Bolsonaro.
Este fenômeno, no qual há a coexistência de duas normas regulamentando a mesma situação jurídica, é previsto na Legislação Brasileira como “conflito aparente de normas”, cuja solução também se dá por uma regra bem simples. A denominada Lei Especial.
Ou seja, deve prevalecer o dispositivo legal mais específico, tornando inaplicável aquele que trata a matéria de modo geral. E versando a questão sobre submissão de crédito, a lógica é que se aplica a Lei de Recuperação Judicial, que nunca excluiu a CPR dos seus efeitos.
E essa afirmação não é uma construção subjetiva deste articulista, mas da leitura do próprio artigo 49 da Lei 11.101/05, segundo o qual TODAS as obrigações contraídas até o pedido de recuperação judicial devem sujeitar-se a este processo, cuja exceção obriga o julgador a conferir o rol taxativo dos parágrafos seguintes que, como dito, em nenhum deles é possível encontrar a CPR.
Esta posição aqui defendida começa a ganhar corpo no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, que já se depara com listas de crédito verificadas pelos administradores judiciais, que estão mantendo a CPR dentro do processo.
E deste modo, mais uma vez, o Estado mais pujante do agro vai definir o rumo dessa discussão, tendo sempre a Lei como a maior fonte de decisão. Cabe a nós, operadores do direito, laborarmos em prol do sistema construtivo da ordem jurídica, que no caso da CPR impõe a submissão do crédito como forma de manter o equilíbrio das negociações que lastreiam todo o sistema da Recuperação Judicial, uma vez que, além de tratar-se do contrato mais utilizado para o custeio de sua safra, a sua retirada seria um contrassenso para o propósito de salvar o negócio da crise em que o agro enfrenta.
*ALLISON SOUSA FRANCO é empresário, advogado e sócio da ERS
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