Cota zero faz lembrar fome zero, (fome zero é uma ilusão). Os ribeirinhos estão com medo, com muito medo de ficarem sem o seu ganha pão. Ser ribeirinho não é uma tarefa fácil, morar na beira do rio tem que aprender as driblar as cobras, jacarés, piranhas, sucuris, sapos, etc, (bichos típicos da região), é ter que enfrentar o sol nas costas em cima de um barco simples com motor de baixa potência (pois não conseguem comprar outro mais potente), munido de uma vara, um anzol, isca (colhido na madrugada na margem do rio), em meio a altas temperaturas na média dos 38 a 40 graus todos os dias, em busca do pescado, do peixe, em busca de colocar a comida na mesa.

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A maioria deles trabalha em regime de economia de subsistência, de mútua colaboração, ou seja, trabalha em grupo familiar (embora comercialize mais o retorno é precário, a fonte de renda é baixa e exclusiva). Falo do pescador ribeirinho.

Ser pescador profissional é uma tarefa para gente valente, é trabalho para gente corajosa, pois é contínua (eles não pescam por diversão, nem por esporte), eles não pescam só nos finais de semana, ou nas férias ou só para “desestressar”.

Eu fui lá por esses dias (fiquei uma semana acompanhando alguns pescadores) e pude constatar de perto a preocupação dos referidos profissionais, no sentido de eventualmente serem impedidos de exercerem a pesca, muitos deles analfabetos, e que pasmem, nunca vieram a Capital, muito deles não tem Carteira de Trabalho – CTPS, muitos nunca acessaram o seguro-defeso, muitos não são sequer segurados da Previdência Social, embora, exerçam a pesca profissional com validação e autorização do Poder Público.

Ser pescador profissional é uma tarefa para gente valente, é trabalho para gente corajosa, pois é contínua (eles não pescam por diversão, nem por esporte), eles não pescam só nos finais de semana, ou nas férias ou só para “desestressar”.

Existe uma desigualdade gigantesca nesse meio de trabalho. Os princípios constitucionais, a exemplo, do princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade, etc, estão sendo desconstituídos de forma escancarada, embora constituídos na Carta República como princípios fundamentais.

Nesse momento falo dos pescadores que trabalham com protocolos provisórios validados pelo Ministério da Agricultura – MAPA, mas que o proíbem de acessar o seguro-defeso.

Muitos estão nessa situação há mais de 10 (dez) anos, outros há 5 (cinco) anos esperando que o Poder Público olhe para eles, que emita suas carteiras de pescadores artesanais profissionais. Muitas dessas pessoas na época da piracema passam fome, saiba disso senhor governador, senhores deputados, senhores vereadores, etc, etc, etc.

Suspender a pesca por 5 (cinco) anos? Como essas pessoas vão sobreviver? Qual a política pública EFETIVA está sendo buscada capaz de substituir essa atividade enquanto ela estiver suspensa? Reformar as Orlas de Barão de Melgaço e Santo Antônio do Leverger? Essa é alternativa? Está pensando mesmo no ribeirinho nativo ou só no turismo?

É preciso uma solução determinante e real de forma a evitar ainda mais a exclusão dessas pessoas. Reitero, muitos são analfabetos! São pessoas humildes que têm limitação considerável para a prática das atividades mais simples e corriqueiras do dia a dia. Formá-los em turismo? Cuidado com o projeto! Estamos tratando com pessoas, com vidas.

Muitos deles só sabem pescar, de maneira que não sabem fazer outra coisa. Ah, muitos estão acima dos 55 (cinquenta e cinco) anos de idade. Delicado, não é?

Sempre é tempo de recomeçar é verdade, porém, muitos fatores nesse caso precisam ser levados em consideração, o que pode inviabilizar o aprender de uma nova formação profissional em tempo hábil, ainda mais sendo analfabetos.

O projeto de lei 668/2019 que vislumbra trazer mudanças na Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca e que regula as atividades pesqueiras, está em “produção”, a todo vapor, a todo instante tem acontecido audiências públicas nas comunidades para discutir o assunto, o que tem motivado muita preocupação nas pessoas que vivem da pesca, que só sabem pescar (que só fizeram isso a vida toda), volto a dizer, é preciso cautela com esse projeto!

Eu entendo que a espécie (peixe) precisa ser preservada (sou totalmente a favor), mas o ser humano precisa viver, trabalhar, se autossustentar, inclusive a Constituição fala da livre iniciativa do trabalho e estimula a liberdade da profissão. Nesse caso é preciso haver uma ponderação!

A ideia do projeto parece que não é proibir a pesca na sua integralidade, mas sim, vedar o transporte e armazenamento para comércio de pescado. Até pode ser, mas isso sem dúvida alguma afetará o profissional pescador que só vive disso (ribeirinhos).

Aumentará sem dúvida alguma o desemprego, a fome, a desigualdade, diminuirá o recolhimento dos munícipios que arrecadam desse “mercado pesqueiro”, etc.

Justificam dizendo que essa proibição será apenas por um período de 5 (cinco), todavia, 5 (cinco) anos é muito tempo para quem depende da pesca para comer, vestir, beber, estudar, cuidar da saúde, sustentar a família, etc.

Se o projeto for aprovado já valerá a partir de 2020, ou seja, ano que vem. E aí, volto a perguntar como ficará a situação desse público que vive EXCLUSIVAMENTE da pesca? Não é demais lembrar, que já estamos em setembro de 2019.

E os ribeirinhos têm me perguntado como eles vão sobreviver sem a pesca. E o que eu respondo para eles, senhor governador? O que eu respondo para eles?

 *GISELE SILVA DO NASCIMENTO é advogada em Mato Grosso.

CONTATO:  www.facebook.com/nelsi.camilo
Os ribeirinhos de Mato Grosso têm perguntado como eles vão sobreviver sem a pesca