A Corte de Apelação de Milão vai julgar nesta quinta-feira (10) o recurso apresentado pelas defesas de Robinho e Ricardo Falco, condenados em primeira instância a nove anos de prisão por violência sexual de grupo.
O julgamento em segunda instância, previsto para começar às 8h (12h na Itália), acontece pouco mais de três anos após a condenação (novembro de 2017). Prevista para maio de 2020, a sessão foi transferida para este mês por causa da pandemia do coronavírus, que afetou também o funcionamento da Justiça italiana.
Robinho e o também brasileiro Ricardo Falco, amigo do jogador, foram acusados de abusar sexualmente de uma jovem albanesa, em janeiro de 2013, dentro da boate Sio Café, em Milão. À época, Robinho era um dos principais jogadores do Milan.
Além dele e de Falco, outros quatro brasileiros, todos amigos do jogador, também teriam participado do crime, segundo investigação conduzida pela Procuradoria de Milão. Mas, como deixaram a Itália durante a investigação, eles estão citados em outro processo, atualmente parado.
Robinho e Ricardo Falco estão no Brasil e não viajarão a Milão para acompanhar o julgamento. Eles serão representados por advogados italianos.
A condenação em primeira instância foi baseada no artigo “609 bis” do código penal italiano, que fala da participação de duas ou mais pessoas reunidas para ato de violência sexual, forçando a vítima a manter relações sexuais por sua condição de inferioridade “física ou psíquica”.
Conforme depoimento da vítima e das interceptações realizadas ao longo da investigação, a mulher, hoje com 30 anos, estava “completamente bêbada” quando foi dominada e submetida a relações sexuais sem o seu consentimento com o jogador e seus amigos.
Em outubro, o ge publicou com exclusividade diálogos entre Robinho e seus amigos que embasaram a condenação em primeira instância. Após a divulgação da reportagem, o Santos e o próprio Robinho anunciaram a suspensão do contrato que haviam firmado pouco antes. O jogador divulgou um vídeo em que dizia que iria se concentrar na sua defesa.
Um dos pontos principais do julgamento desta quinta é discutir se a relação entre a mulher e os seis homens foi consensual ou não. Os advogados dos acusados vão sustentar que houve consenso.
Robinho admitiu em depoimento, ainda em 2014, ter feito sexo oral com a mulher. No caso de Falco, a perícia realizada por determinação da Justiça identificou a presença de seu sêmen nas roupas da jovem.
Como aconteceu na primeira instância, o caso também será analisado por três juízes, conforme previsto na legislação italiana. O tribunal desta quinta será formado por três mulheres: Francesca Vitale (que será a presidente), Paola Di Lorenzo e Chiara Nobili.
Os processos em segunda instância são mais rápidos que os da primeira, mas é incerto se o julgamento terminará nesta quinta. Tudo vai depender do que for apresentado pelos advogados e da interpretação dos juízes.
Por causa da emergência do coronavírus, o sistema judiciário italiano estabeleceu como possibilidade nos julgamentos em segunda instância o debate por escrito, feito à distância, se houver concordância entre as partes. O advogado que representa Robinho na Itália, Alexander Guttieres, solicitou a discussão oral.
Guttieres não quis antecipar os pontos que levantará na Corte. Em outubro, a defesa questionou a tradução das interceptações telefônicas apresentadas no processo. Os grampos feitos com autorização da Justiça captaram conversas em português e que posteriormente foram traduzidas para o italiano.
Robinho na passagem pelo Milan em 2014 — Foto: AP
Ricardo Falco será defendido pela advogada Federica Rocca, uma defensora pública que nunca conversou com o cliente. Quando ela foi nomeada para o caso, ele já tinha deixado o país e retornado para o Brasil.
– Pedi a absolvição dele porque ainda há elementos nessa história que não estão claros, como a prova de que ela estava mesmo com as condições psíquicas alteradas – afirmou Rocca.
Nascida na Albânia e criada na Itália, onde chegou ainda criança, a vítima estará presente na Corte de Apelo de Milão para acompanhar o julgamento. Ela foi abusada na noite em que completou 23 anos. O advogado dela, Jacopo Gnocchi, diz esperar que o julgamento termine ainda nesta quinta-feira.
– A expectativa é de que a sentença da primeira instância seja confirmada. É uma sentença correta que acertou ao reconstituir o que aconteceu naquela noite. As provas são abundantes e coerentes – disse Gnocchi.
O caso na Justiça italiana, contudo, não deve terminar por aqui. Há ainda a Corte de Cassação, tribunal que no sistema judiciário do país é equivalente ao Supremo Tribunal Federal no Brasil. Só após o processo tramitar na terceira instância um acusado pode ser considerado culpado por algum crime.
Robinho pode ser preso?
A Corte de Apelação, quando confirma uma sentença da primeira instância, pode pedir o cumprimento de medidas preventivas (prisão ou prisão domiciliar) para determinados tipos de delitos. O mais comum é isso acontecer com os condenados por crimes relacionados à máfia, mas também está previsto para os casos de violência sexual de grupo.
Se a condenação de Robinho na segunda instância for confirmada, o tribunal pode solicitar a sua detenção antes do julgamento definitivo, na Corte de Cassação. Mas, como o jogador reside no Brasil e o país não extradita seus cidadãos, o judiciário italiano deve emitir um mandado internacional de prisão para ser encaminhado ao Estado brasileiro.
Uma outra possibilidade é o mandado ser cumprido quando o jogador eventualmente pisar em algum país europeu.
Músico cumpre pena alternativa
O único dos presentes na boate em Milão que começou a cumprir a pena aplicada pela Justiça é o músico brasileiro Jairo Chagas, que vive na Itália há anos e que naquela noite de 2013 tocava no Sio Café. O crime teria ocorrido no camarim dele, conforme a reconstituição feita pela Procuradoria.
Desde 2018, ele faz serviço comunitário uma vez por semana numa casa de repouso de idosos em Milão. Amigo de Robinho e nome conhecido dos jogadores brasileiros que já passaram por clubes italianos, como Milan, Inter e Juventus, Jairo foi acusado de falso testemunho e fez um acordo para prestar serviço comunitário, pena alternativa para as falsas imputações durante o processo.
Segundo o código penal da Itália, o crime de falso testemunho – um delito contra a administração da Justiça – pode resultar em até seis anos de prisão.
Jairo não teve participação na violência sexual de grupo, mas foi uma das testemunhas. Segundo o depoimento da vítima, o músico apareceu depois do episódio para consolá-la.
Jairo Chagas foi condenado por falso testemunho — Foto: Reprodução / redes sociais
Logo após a vítima denunciar o crime à Justiça, as investigações contra o jogador também se estenderam ao músico, alvo de interceptações realizadas a pedido da Procuradoria de Milão. Nas conversas, ele e Robinho discutem sobre o que aconteceu num camarim da boate Sio Café.
– Eu te vi quando colocava o pênis dentro da boca dela – disse Jairo, num telefonema com Robinho.
A uma amiga, em outra conversa transcrita na sentença da primeira instância, Jairo comentou que o que aconteceu na boate tinha nome: “Chama-se estupro”.
Depois, quando convocado para depor sobre o episódio perante os juízes, ainda quando o processo tramitava na primeira instância, o músico disse não ter visto cenas de sexo naquela noite e nada falou sobre o “estupro”. Por isso, ele foi acusado de falso testemunho, procedimento que acabou separado do processo principal.
– Estou pagando isso aí por culpa dos outros. Eu estava trabalhando lá, não tenho nada a ver com o que aconteceu. Foi um dano que fiz a mim mesmo – disse Jairo, ao ge.
O músico reconhece o falso testemunho, mas ressalta que ele não mudou ou influenciou o teor da sentença contra Robinho e Falco. Jairo disse que a pandemia do coronavírus atrasou o cumprimento de seu serviço comunitário, estimando que talvez consiga concluí-lo no próximo ano. (Globo Esporte)