Não raras vezes relacionamentos chegam ao fim, e a culpa da ‘derrota’ é sempre colocada sobre os ombros de uma das partes. Em se cuidando de violência doméstica e familiar contra a mulher, elas aceitam que não conseguiram suprir às necessidades do companheiro, se culpando pelo fracasso.
E quando se falam em falta de suprir necessidades, a parte sexual nem sempre é o pano de fundo. As mulheres são culpadas por não conseguirem ser e representar as ‘maquinas’ à disposição do companheiro.
Na contemporaneidade, onde homens e mulheres atuam em iguais papeis sociais, não conseguir cumprir o intento está acima de qualquer expectativa.
Como querem elas alçar postos de comando, ou cumprir agendas intermináveis de estudo e compromissos, sem ter onde deixar a prole? Como almejam administrar o lar, sem terem tempo para isso? O resultado, muitas vezes, não alcança ao sonho do relacionamento perfeito, conforme outrora imaginado.
A facilidade em tudo cuidar nos primórdios, com menores tarefas, sem descendentes, e menos responsabilidades torna-se pesadelo presente e futuro.
E o ‘final das contas’ mostra que a culpa sim, é da mulher. E não o é, em definitivo! Todavia, as cobranças soam como músicas aos ouvidos dos menos avisados e avisadas.
Ora, ela saía e não deixava sequer o café pronto. Fui a casa deles, e que mulher relaxada e preguiçosa, tudo estava sujo e fora de lugar. Não aguentei mais aquela situação, tinha que lavar louças sendo homem, acredita?
Pedi, por diversas vezes, para ela escolher se queria continuar trabalhando ou casada comigo, e ela disse que não deixaria de trabalhar fora. Você devia ser mais caprichosa como a sua amiga, pois assim não há casamento que aguente.
As máquinas não podem representar e nem identificar seres humanos. Se ficarem em casa, na condição de cuidadoras do lar, devem, por obrigação, deixar tudo em perfeito estado. Todavia, ao saírem em busca de estudo, capacitação e trabalho, pelo menos o mínimo deve estar de acordo dentro de casa, sob pena de terem que a tudo renunciar em nome da ‘família margarina’.
Fugir dos malfadados papeis de gênero é reconhecer que a ninguém é dado privilégio em detrimento da opressão de outrem.
Paul Preciado, em “O que é contrassexualidade?”, trata do tema: “O sistema sexogênero é um sistema de escritura. O corpo é um texto socialmente construído, um arquivo orgânico da história da humanidade como história da produção-reprodução sexual, na qual certos códigos se naturalizam, outros ficam elípticos e outros são sistematicamente eliminados ou riscados. A (hetero)sexualidade, longe de surgir espontaneamente de cada corpo recém-nascido, deve se reinscrever ou se reinstruir através de operações constantes de repetição e de recitação dos códigos (masculino e feminino) socialmente investidos como naturais.”
Enquanto o mundo estiver vivendo por códigos e abandonando a realidade, o ser humano estará a buscar indicadores do que é a moralidade e a normalidade.
Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.