“Pornocracia” (do grego pornokratiā, ou “governo de prostitutas”) foi o apelido de um período específico do século 10, entre 904 e 964, quando o Papado estava sob controle dos Condes de Túsculo, uma poderosa e inescrupulosa dinastia aristocrática. Atualmente, historiadores preferem chamar esse período de “Saeculum obscurum” (algo como “século sombrio”).
Antes da pornocracia
Para entender a pornocracia, precisamos voltar no tempo alguns séculos. Em 750, o Papa São Zacarias apoiou que a dinastia dos carolíngios derrubasse os merovíngios como reis dos francos. (Merovíngios e carolíngios eram dinastias, ou seja, famílias reais). Os francos eram um povo germânico que habitavam o que hoje é a França. Ao apoiar os carolíngios, o Papa criou uma aliança entre a Igreja e o Estado, e passou a ter poder político além do religioso.
Esse arranjo não deu muito certo: o Papa se achava mais importante que o imperador e vice-versa. Isso levou a diversas disputas de poderes que perduraram por séculos. As tensões foram aumentando, e isso culminou em diversos episódios de violência, como a morte do Papa João VIII (872-882), que foi assassinado por sua própria equipe. Para completar, era uma época difícil para a Europa, que vivia sob constantes invasões e saques de povos bárbaros, como os nortenhos e os sarracenos.
Um dos episódios mais bizarros dessa era foi o Sínodo do Cadáver, quando o Papa Estêvão VI (896-897) mandou exumar o corpo de seu antecessor, Papa Formoso (891-896). O Papa falecido era pró-carolíngio e havia coroado um imperador que não conseguiu se manter no poder. Estêvão VI, querendo mostrar serviço, colocou o morto na cadeira do réu, vestido com os robes oficiais, e o acusou de desejar apoderar-se da sede da Igreja Romana. Formoso foi considerado culpado e seu corpo foi jogado em um rio.
A pornocracia em si: Teofilato I e Marózia
A pornocracia começa logo após isso. Teofilato I (nascido em 864), o primeiro Conde de Túsculo, era um cônsul e senador muito ativo na nobreza romana. Ele e sua esposa, Teodora (conhecida também como Teodora, A Maior), eram muito próximos do Papa Sérgio III (904-911), que era inimigo de Formoso e havia mandado enforcar os dois últimos Papas.
A Filha de Teofilato I e Teodora, uma garota de quinze anos chamada Marózia, engravidou do Papa Sérgio III, unindo de vez a família ao poder. Quando Sérgio morreu, Teofilato colocou em seu lugar um aliado próximo, o Papa Anastácio III (911-913), sobre o qual se sabe muito pouco. Depois dele, veio o Papa Lando (913-914), outra escolha de Teofilato.
A essa altura, Teofilato I já era o governante de Roma de fato e seus familiares, os Condes de Túsculo, o ajudavam em suas tramóias. O próximo papa, João X (914-928), era supostamente um amante de Teodora. Ele foi um papa importante, conhecido por ser enérgico e por resolver conflitos entre as dioceses dos francos. Após sua morte, o escolhido para ser seu sucessor foi o filho de Marózia, que se tornou o Papa João XI (931-935). Há rumores de que João XI seria um suposto filho do Papa Sérgio III.
Com essa eleição, Marózia se tornou a governante de fato em Roma (Teofilato havia morrido em 925). Talvez por influência da mãe, João ultrajou os bizantinos ao permitir que o imperador Romano I, o Matador de Leões, instalasse seu filho de treze anos como patriarca de Constantinopla (932). O segundo marido de Marózia, Guido, havia morrido (conveniente, não?) e ela se casou com Hugo da Provença, rei da Itália e meio-irmão de Guido. Para evitar acusações de incesto, Hugo fingiu que Guido era filho adotivo, e não biológico, de sua mãe. De bobo, ele não tinha nada: Hugo queria ser imperador.
Mas ficou apenas na vontade porque, na festa de casamento, Hugo insultou Alberico II, filho de Marózia do primeiro casamento, ao exigir que ele os servisse à mesa. Quando o jovem recusou, Hugo encheu a mão e deu um tapão no rosto do menino. Então, Alberico II incitou a multidão romana a invadir o Castelo de Santo Ângelo, residência dos recém-casados. Hugo mal conseguiu escapar com vida e Marózia nunca mais foi vista. João XI permaneceu como Papa, mas com poderes diminuídos.
A pornocracia em si: Alberico II e Papa João XII
Alberico II tomou o lugar de Marózia como líder dos Condes de Túsculo. Em seu leito de morte, ele fez com que seus aliados e o papa prometessem eleger seu filho Otaviano, uma criança, como próximo Papa. E assim aconteceu: aos 18 anos de idade, em 955, Otaviano foi eleito e se tornou o Papa João XII (955-964). Fontes contemporâneas dizem que ele transformou o palácio papal em “um antro de desordem e devassidão”.
Ameaçado por derrotas militares, ele se aliou a Otto I, o Grande, rei da Alemanha, que foi até Roma protegê-lo. Em troca, João ungiu Otto e sua esposa Adelaide como Imperador e Imperatriz do Sacro Império Romano-Germânico em 962. Não demorou muito para que João começasse a conspirar contra seu novo aliado, porém.
O imperador, furioso, retornou para julgar João diante de uma assembleia composta por clérigos, nobres e até um representante do povo. As acusações contra João incluíam: negligenciar o Ofício Divino, ordenar um diácono em um estábulo, adultério, incesto, cegueira e mutilação de padres, invocação de deuses pagãos e transformar “o lugar sagrado em um bordel e refúgio de prostitutas”. João foi deposto e substituído por um leigo de boa reputação, Leão VIII (963–965), que precisou ser ordenado às pressas em um único dia.
João XII, em suas conspirações, conseguiu depor Leão e voltar ao poder, mas não teve tempo de aproveitar: morreu na cama de uma mulher casada, sob circunstâncias misteriosas — as más línguas dizem que ele foi atacado pelo marido da dita cuja em um ataque de raiva.
O fim da pornocracia
Embora a morte de João XII marque o fim da pornocracia, a família de Teofilato I ainda elegeu mais cinco papas: Papa João XIII (965-972), Papa Bento VII (974-983), Papa Bento VIII (1012-1024), Papa João XIX (1024-1032) e Papa Bento IX (1032-1048). E é claro que a bazófia continuou em Roma e no círculo papal por muitos anos até isso começar a mudar com o Concílio de Latrão em 1059, que definiu que somente os cardeais-bispos teriam o direito de escolher o novo papa e que a influência do imperador seria apenas de aprovação simbólica, não mais de controle direto.
Sobre a pornocracia, é importante observar que a maioria dos relatos vem dos escritos de Liutprand de Cremona, bispo e cronista cujos registros são uma das maiores fontes de conhecimento sobre os acontecimentos do século 10. No entanto, seus relatos precisam ser lidos com cuidado, pois Cremona escrevia com vieses e com uma visão negativa sobre a sexualidade, mesmo entre os não religiosos. O fato de ser uma mulher (Marózia) no centro do conflito pode ter piorado as coisas. Além disso, o termo “pornocracia” só foi cunhado no século 19 por historiadores europeus que desprezavam a degradação moral do período.
Por fim, é preciso dizer que as traições, conspirações, assassinatos e adultérios não eram exclusivos de Roma no período — pelo contrário, diversas dinastias na Europa eram tão fanfarronas quanto. A Diocese de Roma, entretanto, era o núcleo mais importante de todo o cristianismo ocidental, por isso ganhou tanta atenção.
(Por Victor Bianchin)