Na noite de 16 de março de 2021, o presidente da CBF, Rogério Caboclo, chamou uma funcionária da entidade à sua sala no segundo andar do prédio da entidade. O dirigente então sugeriu que ela tirasse a máscara e insistiu para ela aceitasse uma taça de vinho.

Desconfortável com a situação, ela sacou o celular e enviou mensagens para dois diretores da CBF. Era um pedido de ajuda. Um deles já havia deixado o prédio – e até perguntou se era o caso de voltar – mas o outro foi em seu socorro e inventou um pretexto para entrar na sala. A funcionária então aproveitou para deixar o ambiente.

Mas depois que o diretor foi embora, Rogério Caboclo a chamou novamente. E foi aí ela que resolveu gravar a conversa. O ge teve acesso a essa gravação, que fez parte de uma denúncia de assédio sexual apresentado por essa funcionária ao Comitê de Ética da CBF na última sexta-feira. Dois dias depois de o ge revelar o caso, Caboclo foi afastado da entidade por trinta dias.

O que aconteceu naquela sala já vinha se repetindo, segundo a funcionária. Na denúncia que fez ao Comitê de Ética da CBF, ela detalha diversas situações constrangedoras a que foi submetida por Rogério Caboclo. O presidente da entidade com frequência a insultava e a humilhava na frente de outros diretores – todos homens.

A seguir, trechos da transcrição do diálogo gravado:

Rogério Caboclo: Seu coração tá no cabeção ou no pilotão?

Funcionária: Em nenhum dos dois

RC: Em quem tá?

Funcionária: Não tá em ninguém, é verdade. Mulher consegue ficar bem sozinha.

RC: Eu conheço minha mulher há 26 anos… Já apaixonei, pirei por amor.

[…]

RC: Eu tinha te jurado que eu não ia falar sobre assuntos particulares. Ela tem a buceta dela e eu tenho o meu pau […] Eu sou horroroso?

Funcionária: Chefe, eu não vou entrar no assunto da vida sexual de vocês [ri constrangida].

RC: […] Ela vai fazer ginástica, vai voltar tesuda […]

Funcionária: Então, todo mundo… deixa ela ser feliz.

RC: Sabe o que eu sou contra? Nada […] Você quer uma taça de vinho? […] Não… se não parece que eu tô louco […] Posso te fazer uma pergunta?

Funcionária: Chefe, não vou me meter na sua vida sexual seu e da […]. Não vou, não vou.

RC: Não é isso. É na sua [vida pessoal].

Funcionária: Deixa a minha [vida pessoal] quietinha.

RC: Você consegue resistir ao […] todo dia dando em cima de você?

Funcionária: Consigo, nós somos amigos. Acabei de falar, consigo, ponto, nós somos amigos. E tá tudo bem, tá tudo certo, nós somos amigos, a gente se dá bem, ele no sofá, eu no quarto e tá tudo bem. (Nota da Redação: aqui, a funcionária fala sobre um colega de trabalho com quem divide apartamento)

RC: Eu não acredito.

Funcionária: Eu não tenho por que mentir, não.

RC: Tá bom. Segunda pergunta. Posso?

Funcionária: Fala.

[…]

RC: Você se masturba?

Funcionária: Chefe, tchau.

RC: Ei…

Funcionária: Não quero falar disso, não quero. Eu vou avisar ao […] que você tá lá embaixo.

“Cadelinha” e oferta de biscoitos para cachorros

Este diálogo ocorreu uma semana depois de, segundo a denúncia, a funcionária ter sido insultada durante uma jornada de trabalho na casa de Rogério Caboclo, em São Paulo. Após um dia inteiro de consumo de bebida alcoólica, o dirigente teria chamado a funcionária de “cadelinha”, e em seguida ofereceu biscoitos de cachorro para ela. Como a funcionária o repreendeu, ele então passou a simular latidos.

No dia seguinte, a funcionária confrontou Caboclo e deixou claro para ele que nunca tinha se sentido tão humilhada e ridicularizada. O dirigente então disse que não se intrometeria mais na vida pessoal dela, mas exigiu que ela não tivesse mais nenhuma relação pessoal ou de amizade ou com ninguém da CBF.

Nesta mesma conversa, o dirigente teria afirmado para a funcionária que as roupas de trabalho dela não eram compatíveis com a função – o que foi compreendido por ela como uma demonstração de misoginia. Rogério Caboclo, de acordo com a denúncia, teria então exigido que ela mudasse a maneira de se vestir, e afirmado que providenciaria até o dinheiro para a compra de novas roupas.

No dia 9 de abril deste ano, ela pediu licença da entidade por motivos de saúde. Logo após seu afastamento, teve início uma negociação entre Rogério Caboclo e a funcionária para abafar o caso. De acordo com a denúncia feita ao Conselho de Ética da CBF, o cartola exigiu que ela desse declarações falsas a jornalistas e assinasse um documento desmentindo os ocorridos denunciados por ela. Ela recusou.

Perito verificou áudios

A gravação da funcionária foi enviada ao perito Wanderson Castilho, especialista em crimes digitais, que mora em Miami e trabalha para a polícia americana.

– Da análise do áudio completo desde o incio até o final existe a continuidade. Sem qualquer edição, corte ou inserção. A outra etapa é a filtragem de frequência de voz. E de uma entrevista que o senhor Rogério Caboclo fez. Eu fiz essa comparação. Fiz a limpeza, tirei os ruídos e comparei com o arquivo analisado. Deu um match. Deu uma confirmação de que eram as mesmas pessoas. ou seja, a confirmação de que a voz pertencia sim ao senhor Rogério Caboclo.

A defesa de Rogério Caboclo enviou ao ge a seguinte nota:

Rogério Caboclo nega veementemente ter cometido qualquer ato de assédio. Embora ele reconheça que houve brincadeiras inadequadas e excesso de intimidade, é preciso deixar claro que essas decorreram do fato de que havia uma relação de amizade entre ambos, que a denunciante esteve várias vezes na casa dele, convivia com sua família e que ambos conversavam com frequência sobre assuntos de natureza pessoal. Mas jamais ele se aproximou fisicamente da denunciante, menos ainda fez qualquer movimento ou proposta no sentido de se aproveitar de forma libidinosa dela.

A denunciante omite o fato de que, por várias semanas, negociou acordo em torno da questão, e até constituiu advogado para tanto, tendo feito pedido inicial de 12 milhões de reais, em troca da não divulgação da gravação. Estranhamente, acabou por fazer a denúncia, três meses após a data em que realizou a gravação, e em dia de jogo oficial da Seleção Brasileira. Minutas de acordo foram comprovadamente trocadas, mas, ao que parece, ao final, a denunciante não se contentou com seus termos.

Procurada, a defesa da funcionária afirmou que jamais houve algum pedido por parte dela, mas sim uma oferta, que foi recusada.

E como fica a CBF após o afastamento de Caboclo?

A denúncia de assédio sexual e moral revelada pelo ge ocorreu na mesma semana em que Rogério Caboclo atravessava sua pior crise desde que se tornou presidente da entidade, em abril de 2019. O dirigente estava em atrito com o técnico Tite e os jogadores da seleção brasileira desde que ofereceu o Brasil para ser sede da Copa América – competição que originalmente seria disputada no Brasil e na Colômbia.

Depois da revelação do caso, a CBF passou a sofrer pressão de seus patrocinadores por uma solução para o caso. Além disso, o diretor de Governança e Conformidade da CBF, André Megale, enviou um e-mail para Caboclo no qual sugeria seu afastamento. Os demais diretores e vice-presidentes da entidade também pediram que ele saísse de cena. Rogério Caboclo se recusava. Até que uma decisão da Comissão de Ética resolveu a questão.

Na manhã desta segunda-feira, diretores e vice-presidentes da CBF se reúnem para discutir o futuro da entidade – e os destinos do futebol brasileiro. (Globo Esporte)