Pesquisadores colombianos analisaram com detalhes inéditos a carga de moedas de um naufrágio localizado na costa de Cartagena, na Colômbia – conhecido como “naufrágio mais rico do mundo”. O estudo apoia a hipótese de que a embarcação que está no local é San José, o galeão que liderava uma das frotas de carga mais importantes do império espanhol durante a colonização da América.

Os registros apontam que a embarcação carregava cerca de 180 toneladas de ouro, prata e pedras preciosas brutas quando foi afundada, em meio a um duelo de canhões com navios de guerra britânicos em 1708. Estima-se que o valor corrigido atual desse tesouro pode chegar a US$ 17 bilhões (cerca de R$ 95 bilhões).

Visita remota ao naufrágio

Depois de anos de busca pelo Oceano Atlântico, o governo colombiano anunciou, em 2015, a descoberta dos restos de um grande navio em sua costa. Embora sua identidade não pudesse ser confirmada na época, parecia se tratar do galeão San José. A hipótese era apoiada, sobretudo, pela presença de diversos objetos metálicos próximos de seu casco no fundo do mar.

Pela dificuldade em acessar a região com mergulhos, os pesquisadores dependem de tecnologias de monitoramento para avaliar a sua estrutura e carga. Foi justamente por isso que o projeto mais recente propôs uma visita remota à embarcação por meio de um veículo operado remotamente (ROV), capaz de inspecionar os destroços sem perturbar seu frágil estado de preservação.

Os mergulhos com ROV em 2021 e 2022 revelaram dezenas de moedas de ouro características em vários locais dentro do naufrágio, cercadas por outros artefatos — Foto: ARC-DIMAR 2022/Vargas Ariza et al.
Os mergulhos com ROV em 2021 e 2022 revelaram dezenas de moedas de ouro características em vários locais dentro do naufrágio, cercadas por outros artefatos — Foto: ARC-DIMAR 2022/Vargas Ariza et al.

“As moedas são artefatos cruciais para a datação e a compreensão da cultura material, especialmente em contextos de naufrágios”, afirma Vargas Ariza, autora do estudo, à revista La Brújula Verde. “As peças analisadas, conhecidas como macuquinas — feitas à mão e com formas irregulares —, foram a moeda corrente em circulação nas colônias americanas por mais de dois séculos”.

Olhar detalhado para as moedas

Segundo os investigadores, as moedas que o San José levava têm um diâmetro médio de 32,5 milímetros e um peso estimado em 27 gramas. Seus dois lados apresentam desenhos e símbolos.

A frente possui uma variação de uma cruz de Jerusalém (uma cruz grande cercada por quatro cruzes menores) e um escudo decorado com castelos e leões. Já o seu verso exibe o símbolo dos “Pilares Coroados de Hércules sobre as ondas do mar”, uma marca exclusiva da Casa da Moeda de Lima. Veja mais detalhes no esquema abaixo:

Os símbolos nas moedas indicam que elas foram cunhadas em 1707 — Foto: ARC-DIMAR 2022 / Vargas Ariza et al.

Os símbolos nas moedas indicam que elas foram cunhadas em 1707 — Foto: ARC-DIMAR 2022 / Vargas Ariza et al.

Essas descobertas permitem uma cronologia precisa: o navio deve ter afundado depois de 1707, já que as moedas não poderiam ter sido carregadas antes daquele ano. Nesse mesmo período, o San José fazia parte de um comboio que transportava um grande carregamento de prata do Peru para a Espanha, que nunca chegou ao seu destino.

Palco de disputas políticas

Embora a pesquisa reforce a hipótese de que o naufrágio corresponde ao San José, os cientistas alertam que esta não é uma confirmação definitiva. “O processo de identificação da embarcação liderado pelo Estado colombiano está em andamento e análises mais aprofundadas são necessárias para descartar outras possibilidades”, destaca Vargas Ariza.

Vale lembrar que o naufrágio de San José é um dos mais valiosos da história, e há intensas disputas legais sobre quem tem o direito de recuperá-lo. Isso mesmo sem qualquer evidência de que essa missão é sequer possível.

A Colômbia espera que parte do tesouro possa ser vendida para custear o trabalho de recuperação arqueológica de todo o navio, mas a lei colombiana pode proibir a venda de qualquer coisa considerada um artefato histórico. Por sua vez, a Espanha reivindica seu tesouro, sob uma convenção internacional sobre o Direito do Mar, que estabelece que destroços pertencem à sua nação original.

(Por Arthur Almeida)