Indispensável em grande parte das cozinhas brasileiras, a cebola é um legume bastante versátil, que pode ser utilizado como coadjuvante na receita, para temperar o arroz e o feijão, ou ainda ser o ingrediente principal de uma salada, molho ou sopa. Mas prepará-la pode, por vezes, levar a um efeito colateral curioso: lágrimas nos olhos.
Esse problema é gerado pela liberação de um líquido volátil chamado óxido de sin-propanethial-S durante o corte das camadas do vegetal. O contato dos olhos com esse jato aerossol provoca a formação e a liberação das lágrimas, dissociadas de um estado de tristeza ou felicidade.
Por mais que os pesquisadores já saibam há algum tempo o que desencadeia o problema, eles ainda não tinham clareza a respeito da mecânica por trás das minúsculas gotículas de aerossol – pelo menos, até agora. Em um estudo inédito, autores da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, desenvolveram um projeto para visualizar e quantificar gotículas conforme eram ejetadas de uma cebola.
Seus experimentos combinaram a técnica de velocimetria de rastreamento de partículas de alta velocidade (PTV) e a técnica de correlação de imagem digital (DIC), que é usada para medir deformação de superfície, deslocamento e tensão em materiais e estruturas. Os resultados encontrados foram descritos em um artigo científico que ainda não foi revisado por cientistas independentes, mas que já está disponível na plataforma arXiv.
Testes em laboratório
Para verifiar como o óxido de sin-propanethial-S é liberado durante o corte das cebolas, os cientistas montaram uma estrutura semelhante a uma guilhotina. Ela empregava um deslizador vertical com uma lâmina que podia ser liberada de cima para cortar, de uma vez, um quarto do vegetal.
A cebola então foi revestida com tinta spray preta, e deixada secar por 30 minutos antes do experimento. Isso permitiu à equipe monitorar como ela se deformava ao ser cortada, e observar como o spray de partículas emergia pelo ambiente.
Mais do que apenas monitorar o corte da cebola, a equipe também utilizou um microscópio eletrônico para avaliar a nitidez das lâminas utilizadas (a largura das pontas das lâminas variou entre 5 e 200 milímetros). A altura das lâminas também contou com ajustes para que a velocidade de corte pudesse ser variada.
Foi assim que a equipe descobriu que as lâminas mais afiadas produziam menos gotas, que também eram mais lentas, pois tinham menos energia. Em contraste, quando as cebolas eram cortadas com facas mais cegas, a sua casca se curvava mais, produzindo mais pressão, o que resultava em mais respingos.
Como evitar as lágrimas?
“Usando nossas técnicas personalizadas de visualização e rastreamento de partículas, revelamos que o corte de cebola com lâminas não afiadas gera gotículas de líquido por meio de um processo de duas etapas”, explicam os autores no artigo. “Primeiro, uma explosão impulsionada pela pressurização interna, seguida por uma fragmentação mais lenta dos ligamentos no ar”. Em alguns casos, o spray ejetado pelas lâminas cegas atingiu velocidades de até 40 metros por segundo.
Concluiu-se, portanto, que se o objetivo for diminuir a quantidade de lágrimas na cozinha, deve-se optar por facas mais afiadas, com cortes mais lentos e controlados.
Por mais que mais estudos precisem ser conduzidos sobre a influência da temperatura do vegetal na mecânica de ejeção envolvida no corte de cebolas, as crenças populares sugerem que o corte de unidades refrigeradas evitava o choro. No entanto, o grupo de pesquisadores não achou evidências de que isso seria verdadeiro.
De acordo com os autores, este pode até parecer um tópico trivial, mas pode ter implicações práticas diversas. Inclusive, para minimizar a propagação de patógenos transportados pelo ar na cozinha.
(Por Arthur Almeida)