Células cancerígenas podem manipular a própria noção de tempo para confundir o organismo humano. É o que argumenta um novo um artigo feita por pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), no Japão, e publicado nesta terça-feira (9) na revista Nature Communications. A descoberta desvenda um mecanismo biológico que permite a células nocivas ignorarem sinais de parada, resistirem à morte celular programada e persistirem em ciclos de divisão descontrolada.
A chave para essa estratégia furtiva reside nas vias de resposta ao estresse celular, fundamentais para manter a estabilidade do código genético. Desreguladas em diversos tipos de câncer, essas vias funcionam como sistemas de controle de danos: detectam erros, interrompem a mitose ou induzem a apoptose, a morte celular. Mas o novo estudo revela que tumores podem “escapar” dessa vigilância ao perder a “noção do tempo”.
A descoberta, apesar de microscópica, tem amplas implicações para a oncologia. A equipe de pesquisadores afirma que tratamentos e terapias de combate ao câncer poderão buscar restaurar a percepção temporal da célula para, assim, ajudar pacientes.
Tempo celular
Os cientistas focaram em um fenômeno apelidado de “cronômetro mitótico”. Trata-se de uma resposta de estresse que se ativa quando a divisão celular se prolonga além do normal. Em condições saudáveis, esse cronômetro dispara uma espécie de alerta: ou a célula interrompe sua divisão ou entra em apoptose. No câncer, porém, esse mecanismo parece falhar.
“Ao desvendar os mecanismos moleculares que controlam as respostas ao estresse mitótico, podemos orientar o desenvolvimento de terapias antimitóticas de próxima geração e identificar quais agentes são mais eficazes em contextos biológicos ou clínicos específicos”, afirmou Franz Meitinger, do OIST, em comunicado.
A equipe observou que alguns tumores conseguem manipular esse cronômetro ao distorcer sua percepção interna de duração. Como exatamente uma célula percebe o tempo – sejam 30 minutos ou 1 hora – ainda é um mistério, admite Meitinger: “temos algumas informações estruturais, mas ainda não temos o quadro completo”.
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Para decodificar esse enigma, os pesquisadores concentraram-se em uma proteína crucial: a protease específica de ubiquitina 28, conhecida como USP28. Ela integra o complexo molecular responsável por estabilizar a p53, um importante supressor de tumores.
Em um organismo saudável, a p53 circula em níveis baixos e se degrada rapidamente. Só atinge concentrações suficientes para acionar a parada do ciclo celular ou a apoptose quando estabilizada por proteínas como a USP28. Qualquer ruptura nesse equilíbrio abre espaço para a proliferação descontrolada.
“As células precisam estar sempre prontas para responder a danos”, explica Meitinger. “Se essa estabilização for bloqueada, as células podem continuar se dividindo, como ocorre no câncer”.
Encontrando brechas
Utilizando imagens de células vivas, técnicas de rastreamento individual e métodos teóricos, a equipe acompanhou a atividade da USP28. A análise apontou que em uma de suas extremidades, na região chamada C-terminal, existe um grupo carboxila (molécula formada por um átomo de carbono, dois de oxigênio e um de hidrogênio), é essencial para manter o complexo proteico coeso.
Segundo a equipe, em muitos casos de tumores, as mutações aparecem exatamente na região C-terminal da USP28. O efeito acaba por ser direto com o rompimento do complexo proteico. Neste processo, a p53 deixa de ser estabilizada, e a célula perde a sua capacidade de marcar o tempo, dividindo-se indefinidamente.
“Nossas investigações revelaram que essas mutações interrompem a formação do complexo proteico, permitindo a divisão celular contínua e a proliferação das células cancerígenas”, afirmou Hazrat Belal, também do OIST.
(Por Júlia Sardinha)


