Estamos em abril de 2020, cumprindo isolamento social, inundados diariamente pelas informações veiculadas na mídia e nas redes sociais sobre o impacto da doença Covid-19 no mundo, e inteirados das dificuldades enfrentadas por todos os países, despreparados para o enfrentamento dos resultados dessa pandemia.

Como responsável pela área da cidadania do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, convivo há anos com o dilema protagonizado pela dicotomia saúde/doença, porquanto o nosso Sistema Único de Saúde é acionado, desde sempre, embora em seus princípios isso não seja definido como prioridade absoluta, para responder ao tratamento de doenças de nossa gente, em detrimento, inclusive, da adoção de medidas que resultem em saúde à população.

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No exercício do mister de Promotor de Justiça, nossos integrantes manejam, diariamente, instrumentos judiciais e extrajudiciais em busca de insumos e tratamento de doenças alojadas em crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência. Temas como alta complexidade; medicamentos de alto custo; leitos de UTI, etc., ocupam a agenda das Promotorias de Justiça, ainda que as prioridades institucionais para a área da saúde seja atenção básica; segurança alimentar; praticas saudáveis de vida, etc.

Por isso, sabemos que essas agruras de faltas de leitos; EPIs; respiradores, etc., não resolvem a desconformidade gerada pela doença, ainda que haja aporte de grandes somas de recursos.

Essas medidas são importantes e pertinentes mas precisam ser aliadas com a mudança de paradigmas para evitar que o mal prevaleça. E isso, só é possível com a conscientização, envolvimento comunitários e, sobretudo, com o incentivo às práticas saudáveis, incluindo-as como alicerce das políticas públicas.

Costumo repisar que a hipertensão, por exemplo, que atinge praticamente ¼ da população brasileira, mataria bem menos pessoas se, em concomitância com o uso continuado de medicamentos, empreendessemos em toda sociedade a rotina do exercício físico e o desafio de reduzir o consumo de sal.

Precisamos acordar para priorizar o simples e incentivar a vida mais saudável; solidária e coerente com as inovações da sociedade. Tem muita gente pensando além do tradicional e é preciso que isso se torne referência também para as gestões públicas e empresas privadas, com a implementação de novas rotinas.

Em referência ao novo e alienígena coronavírus, os valorosos Promotores de Justiça que atuam em todo o Estado de Mato Grosso, estão recebendo da gestão institucional, o incentivo para que – no exercício da missão de defesa da sociedade e, despiciendo das medidas corretivas que devem, por definição legal, intentar contra eventuais desconformidades detectadas neste período em que o Mundo está susceptível à ampliação substancial do número de pessoas atingidas pelo vírus – contribuam para mudanças de paradigmas no escopo de minorar os impactos, mediante a atuação na tutela coletiva, priorizando, também, a conscientização social.

Para isso, é importante a inserção de alguns pontos na pauta das discussões promovidas com os setores público e privado e com as entidades organizadas e representativas da comunidade, para conciliar o escopo de flexibilizar as regras para o exercício das atividades econômicas e as recomendações da área de saúde, para evitar a propagação do Covid-19. Não há como evitar, por muito tempo, a propagação do vírus, se escondendo dele. Precisamos saber o que o fazer para enfrentá-lo.

Sabemos que esse desafio gigantesco só terá sucesso com o total envolvimento da comunidade na adoção das medidas de prevenção individuais
Sabemos que esse desafio gigantesco só terá sucesso com o total envolvimento da comunidade na adoção das medidas de prevenção individuais e com gestores e empreendedores (pequenos, médios e grandes), mudando os padrões até então empregados na relação cidadão/administração pública; consumidor/fornecedor; empregador/empregado e entre a comunidade e o comunitário.

Como respaldo para essas ações, é importante que os membros do Ministério Público repercutam o legado institucional, disseminando as medidas internas que estão sendo adotadas pela gestão do Ministério Público do Estado de Mato Grosso e de outros órgãos e empresas que assumiram, plenamente, a adequação de suas rotinas para suportar o desafio imposto à raça humana.

A Procuradoria Geral de Justiça editou ato disciplinando o trabalho remoto; a instrução das audiências; a forma de contatos no atendimento ao público; a repaginação do espaço das unidades para adequação ao propósito de evitar aglomeração humana; a intensa utilização dos meios de comunicação internos para disseminar as boas práticas sociais, etc.

Nesse escopo, é preponderante, a conscientização comunitária, pelos meios de comunicação, redes, relações trabalhistas/familiares e, sobretudo, pela mudança dos padrões tradicionais de controle e acesso a bens físicos e de interação horizontal ou vertical entre pessoas.

Exemplificando algumas medidas que podem pautar reuniões, audiências públicas, encontros, notificações e ajustamentos decorrentes da atuação do Ministério Público, sem qualquer preocupação em exaurir a matéria, temos:

1. Isolamento da população incluída no grupo de risco, com amparo daqueles que não se enquadram nessa condição, durante toda epidemia e a construção de alternativas simples para que a medida não seja rechaçada pelos destinatários da restrição. Ex: em alguns supermercados há um horário próprio para as pessoas idosas; a prioridade legal de atendimento em órgãos públicos pode evoluir para que essa priorização não concorra com a presença de pessoas fora do grupo de risco;

2. A reiteração da disseminação ambiental das manifestações sintomáticas da Covid-19, precisa ser compreendida como rotina suplementar das atividades produtivas ou de serviços, cabendo aos órgãos de controle evidenciar, mediante padrão definido em cada município, eventuais desconformidades;

3. Na propagação pelos órgãos, entidades e empresas, das informações sobre prevenção à doença Covid-19, temas considerados como ínsitos ao ser humano ou próprios da “boa educação”, como a maneira correta de espirrar ou tossir, respeitar distância mínima de interlocução, lavar as mãos, higienização antes e após manusear produtos, ventilação de ambientes, etc., devem ser explicitados exaustivamente. Esse processo é educacional e requer mudança de paradigma do conceito de transferência do conhecimento para formação do povo brasileiro. As organizações, por mais simples que sejam, precisam se preparar tecnicamente para exercer destacado papel de coadjuvante nesse cenário. E para tanto, a tradicional tática de vitimização, embasada na realidade mato-grossense; nas carências locais ou na falta de estrutura de microempresas e de setores públicos, não pode justificar a falta de enfrentamento da matéria sopesando os mesmos princípios de médias e grandes cidades, órgãos e empresas. A doença atinge a todos, do mesmo modo;

4. Os setores público e privado, além da adequação de espaços físicos e das ações de impacto em seus colaboradores para evitar a disseminação da doença, devem estender, também, a adoção dessas medidas no ambiente familiar, dessas pessoas;

5. Isolamento domiciliar de pessoas com sintomas de gripe. As unidades de saúde e os comitês criados para gerenciamento da crise devem atentar para que essas evidências sejam acompanhadas, diagnosticando as desconformidades antes de seu agravamento. Para tanto é importante a construção com gestores e empreendedores, de caminhos para essa tarefa, limitando-a no tempo e espaço, consoante as peculiaridades locais;

6. Incentivo e disponibilização de manual para produção de máscara caseira (GUIA SESI anexo). Essa é uma tarefa que pode ser ajustada com as organizações, destacando o papel de donas de casas; pequenas empreendedoras (costureiras), etc., proporcionando, inclusive, um legado sobre o tema para a comunidade. É possível que o uso de máscara passe a integrar a rotina das pessoas, em virtude das evidências que o vírus permanecerá muito tempo circulando. Por isso, incutir o seu uso habitual é tarefa de toda a comunidade.

Além das medidas individuais, o atendimento ao público em geral, por exemplo, deve ser realizado remotamente, virtual ou por teleconferência. E, na impossibilidade desse tipo de atendimento, o contato pessoal precisa respeitar algumas medidas:

• Agendamento para atendimento presencial ao público;

• Alteração do horário de funcionamento para atendimentos;

• Controle de acesso e áreas externas na unidade com distanciamento mínimo entre as pessoas que buscam o atendimento e os que realizam a recepção, respeitando com mais rigor as filas de prioridades (se houver);

• Disponibilização de álcool gel às pessoas e aos servidores;

• Rigor na higienização dos ambientes;

• Obrigatoriedade de utilização de máscaras de proteção pelo público e servidores, disponibilizando inclusive, máscaras reservas nas recepções para pessoas que serão recebidas pessoalmente e que não estejam utilizando a proteção;

Como defensor da sociedade, incumbe ao Ministério Público a tarefa de proporcionar, em cada localidade, município ou região, a discussão produtiva do tema, tendo como norte a saúde do mato-grossense. E essa saúde só será alcançada com a mudança dos padrões sociais; de trabalho; de convivência e de higiene, até pouco tempo adotado pelo conjunto da população. Precisamos construir um novo tempo, para enfrentar esse novo desafio.

Na eventualidade da incidência positiva da doença, o padrão será o mesmo sempre enfrentado pela comunidade – falta de profissional; de medicamento; de terapia adequada, etc. E sem dúvida, temos respondido, acionando a Justiça ou construindo com a gestão do Sistema a alternativa, senão a mais adequada, a oportuna para a situação. Com o Covid-19 não será diferente. Já com o coronavírus, pode ser….

*EDMILSON DA COSTA PEREIRA é procurador de Justiça e titular da Procuradoria de Justiça Especializada da Cidadania e do Consumidor

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