Mario Celso Petraglia, presidente do Athletico-PR, mandou a torcedores em abril uma mensagem em tom catastrofista. Ele descartou qualquer desconto ao programa de associação, em meio à pandemia do coronavírus, e afirmou que o clube quebraria se não fosse ajudado. Ainda disse que a recuperação de uma crise absoluta levaria anos.
– Meu caro sócio e torcedor, estamos todos no mesmo barco, infelizmente o vírus chinês nos pegou a todos! Se o Furacão não for apoiado, ajudado neste momento, vai quebrar! Teremos longos anos pela frente para nos recuperar! No mesmo nível só com ajuda de todos! Sinto muito o CAP precisa de todos nessa hora de crise absoluta – escreveu Mario Celso Petraglia.
Não há dúvidas de que todos os clubes de futebol, até os mais ricos da Europa, enfrentam problemas financeiros com a Covid-19. A paralisação dos campeonatos também interrompe pagamentos de emissoras de televisão e patrocinadores, além de comprometer receitas com bilheterias e associações. No Brasil, então, muitos realmente quebrarão.
Não há, no entanto, sinais para pânico por parte do Athletico-PR. Apesar do que afirmou categoricamente seu presidente, que conhece seu clube como ninguém, as demonstrações financeiras rubro-negras mostram que não estão todos no mesmo barco. Ou, se estiverem, Petraglia está agarrado no mastro e será o último a colocar o nariz debaixo d’água.
O que dizem os números…
A história mais comum no futebol brasileiro é a do clube que, endividado, não tem dinheiro nem mesmo para pagar seus custos mais básicos. E essa história não tem nada a ver com o Athletico-PR. O gráfico abaixo é uma raridade. O clube tem pela primeira vez desde a reforma da Arena da Baixada um faturamento maior do que o endividamento.
Campeão da Copa do Brasil no momento em que a competição paga sua premiação mais alta na história, o Athletico-PR elevou muito sua receita com direitos de transmissão. Prêmios de campeonatos são entendidos como televisão, pois têm nas emissoras a fonte pagadora.
Petraglia ainda acertou em cheio na estratégia adotada em relação aos direitos do Campeonato Brasileiro. Em vez de assinar um acordo pela venda do pay-per-view com valores baixos, o cartola não vendeu este direito e se beneficiou por um número maior de transmissões na TV aberta – que também são variáveis e importam no cálculo.
A área comercial elevou um pouco as receitas com patrocínios; associações cresceram; e as bilheterias mais do que dobraram. A Arena da Baixada nunca gerou tanto dinheiro quanto em 2019.
Nas transferências de atletas, outro recorde. Mesmo depois de descontados repasses de direitos econômicos para terceiros e comissões para intermediários, sobrou para o Athletico-PR uma receita líquida de quase R$ 100 milhões. E nem estão contabilizadas todas as vendas recentes. Na temporada em questão, só foram Renan Lodi e Pablo.
Um pessimista diria: “ok, precisamos lembrar que transferências de jogadores não são receitas recorrentes, elas podem não se repetir em 2020”. E a realidade apresentada pelos documentos produzidos pelo clube o deixaria sem argumentos para prosseguir.
Todos esses jogadores foram vendidos recentemente e serão contabilizados apenas no balanço de 2020. A disparada do dólar e do euro em relação ao real se torna benéfica neste caso excepional. Nenhum clube de futebol no Brasil tem tanto dinheiro para receber.
Bruno Guimarães por 20 milhões de euros
Léo Pereira por 5 milhões de euros
Rony por 6 milhões de euros
Robson Bambu por 8 milhões de euros
A situação financeira é tão confortável que hoje o clube pode considerar o seu endividamento praticamente zerado. Em 31 de dezembro de 2019, data de fechamento das demonstrações financeiras, o clube tinha R$ 35 milhões disponíveis em caixa e outros R$ 50 milhões aplicados no Tesouro Nacional com liquidez imediata. Que podem ser sacados já.
Ainda que o clube vá ser impactado negativamente pela pandemia do coronavírus, pois existem as possibilidades de calotes por parte dos dirigentes para quem Petraglia vendeu os atletas, além da suspensão de receitas com a paralisação, o único com reservas financeiras para enfrentar um imprevisto desta magnitude é o… Athletico-PR.
A única ameaça – que não é nova – é a dívida em potencial por causa da reforma da Arena da Baixada para a Copa do Mundo de 2014.
Vale a pena recapitular a história para entender a gravidade dela. O Athletico-PR decidiu administrar ele mesmo as obras em seu estádio. O orçamento da reforma ficou em R$ 185 milhões. O clube fez um acordo para dividir o custo em três partes. A Prefeitura de Curitiba pagaria uma, e o governo estadual do Paraná arcaria com outro terço.
O custo das obras na Arena da Baixada aumentou várias vezes desde o primeiro orçamento até a reinauguração. Foram investidos R$ 391 milhões no final das contas. Daí nasceu o impasse entre dirigentes e governantes. Enquanto clube entende que esse novo valor deveria ser repartido em três, a prefeitura se recusou a aumentar a parte dela.
O impasse foi judicializado. Os valores sobem gradualmente por causa dos juros. Hoje, as demonstrações financeiras apontam para uma dívida de R$ 458 milhões em empréstimos com bancos. O Athletico-PR detém R$ 183 milhões em títulos de potencial construtivo, uma benesse concedida pelo governo, e poderá usá-los para abater a dívida.
A diferença entre os números do parágrafo anterior, menos uma sobra do caixa e da aplicação no Tesouro, é justamente a dívida em potencial do clube. E ainda não há perspectiva de execução dos empréstimos vinculados ao estádio, nem se o Athletico-PR perderá o caso.
Mario Celso Petraglia acaba de inaugurar um tipo novo de cartola no futebol brasileiro. Em vez de tentar convencer a torcida de que a situação não é tão ruim assim, um clichê, o atleticano arrumou as contas, fez investimentos corretos em infraestrutura e base e teve excelentes resultados esportivos. Mas quer persuadir a opinião pública do pior.
(Globo Esporte)