Os leões estão classificados como vulneráveis à extinção pela lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) — Foto: Guy Roberts/Wikimedia Commons

Durante décadas, acreditou-se que os leões africanos possuíam um único tipo de rugido: a poderosa vocalização que ecoa por quilômetros e marca o domínio do “rei da selva”. Mas um estudo publicado em 20 de novembro na Ecology and Evolution revelou que essa história é diferente do que se imaginava.

Pesquisadores da Universidade de Exeter descobriram que os leões produzem dois tipos distintos de rugido, incluindo um até então desconhecido e, agora, chamado de “rugido intermediário”. A identificação desse novo padrão pode transformar o monitoramento da vida selvagem e fortalecer programas de conservação em todo o continente africano.

Compreender como os leões se comunicam sempre foi um desafio técnico. Embora estudos anteriores já tivessem mostrado que cada indivíduo possui um rugido único – capaz de revelar sexoidade características fisiológicas – diferenciar automaticamente essas vocalizações ainda era considerado inviável. Grande parte dos métodos tradicionais dependia do julgamento de especialistas, sujeito a vieses humanos e limitado pelo volume de dados disponíveis.

Buscando avançar nessa fronteira, a equipe tentou criar um algoritmo capaz de classificar, de forma automática, diferentes categorias de sons: rugidos plenos, grunhidos e até gemidos. Para isso, os pesquisadores reuniram mais de 3.000 gravações de vocalizações de leões em diferentes contextos comportamentais e ecológicos.

Até então, nenhum sistema havia conseguido mapear esses detalhes com precisão suficiente para ser aplicado ao monitoramento de populações selvagens.

IA como ferramenta de conservação

A virada veio com o uso de técnicas avançadas de machine learning, que permitiram distinguir, pela primeira vez, os diferentes tipos de vocalizações dos leões. O modelo alcançou 95,4% de precisão, reduzindo drasticamente o viés humano na análise de dados e abrindo caminho para aplicações em larga escala.

“Se for possível identificar um leão pelo seu rugido, isso poderá ser uma ferramenta para contar o número de indivíduos em uma determinada área”, explicou Jonathan Growcott, da Universidade de Exeter, em entrevista à Smithsonian Magazine.

Segundo o pesquisador, o avanço representa um salto conceitual no monitoramento acústico, uma vez que os rugidos dos leões são semelhantes ao que as digitais são para os humanos. Pelo rugido, é possível estimar o tamanho das populações e, até mesmo, monitorar animais de maneira individual.

As representações visuais mostraram rugidos clássicos e potentes como arcos nítidos, com seus tons subindo e descendo — Foto: Ecology and Evolution
As representações visuais mostraram rugidos clássicos e potentes como arcos nítidos, com seus tons subindo e descendo — Foto: Ecology and Evolution

A descoberta também se alinha a progressos recentes em estudos bioacústicos de outros grandes carnívoros, como as hienas-malhadas, reforçando o papel crescente da acústica automatizada na pesquisa ecológica.

Resultados e implicações

O novo método permitiu aprimorar a distinção entre indivíduos, tornando o processo mais rápido, menos invasivo e mais confiável do que técnicas tradicionais, como armadilhas fotográficas ou monitoramento por pegadas, que exigem grandes equipes e longos períodos em campo.

A abordagem também facilita a expansão do monitoramento acústico passivo, um processo em que microfones instalados na savana registram continuamente sons ambientais para análise posterior. Esse tipo de sistema tem potencial para cobrir áreas muito maiores e identificar mudanças populacionais com mais precisão.

“Acreditamos que é necessária uma mudança de paradigma no monitoramento da vida selvagem e uma mudança em larga escala para o uso de técnicas acústicas passivas. À medida que a bioacústica melhora, ela será vital para a conservação eficaz de leões e outras espécies ameaçadas”, concluiu Growcott.

(Por Júlia Sardinha)