As lágrimas do comediante, disse um dia Denis Diderot, filósofo francês e estrela do Iluminismo, escorrem de seu cérebro; as do homem sensível jorram de seu coração. Na política também é assim. Políticos, como atores, vivem de representações. E criam projeções que passam a se confundir com os personagens que representam. Poucos, muito poucos, podem dizer que o “eu” e o “ele” são a mesma coisa. Alguns construíram perfis sobre um conceito negativo, que, de tanto banalizado, passou a ser aceito pelos cidadãos. É o caso, por exemplo, do “rouba, mas faz”.
Muitos esticam o ciclo de sua vida política graças à caricatura que moldaram. É o caso de protagonistas com o carimbo de “obreiros, estradeiros, fazedores, pai dos pobres, desenvolvimentistas, heróis da Pátria”.
Até hoje, comediantes têm impressionado suas plateias, não por dizerem a verdade, mas por dourarem muito bem a pílula, ou seja, por terem boa performance no teatro da política. Ocorre que o ciclo dos histriões, estes que sobem aos palcos para comover a audiência, está chegando ao fim. A máscara das promessas começa a ser retirada dos atores políticos por grupos, movimentos, núcleos, que clamam por atitudes éticas e morais.
A quebra de paradigmas (que apareceu na eleição de outubro passado), sinaliza o enterro de uma era, o declínio do engodo, o combate à mentira, o fim de promessas mirabolantes. As águas do populismo começam a escassear na fonte.
O populismo ganhou culminância na era getulista (anos 30) e prosseguiu em outros ciclos: o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek; o trabalhismo de João Goulart; o estilo autoritário de Jânio Quadros; o matiz nacionalista de viés esportista de Garrastazu Médici nos anos de chumbo; o olimpismo-modernizante de Fernando Collor; o apartheid social (“Nós e Eles”) de Lula da Silva, para registrar apenas alguns movimentos.
Nos Estados, os casos mais emblemáticos vêm de São Paulo, por exemplo, nos governos de Adhemar de Barros e Paulo Maluf. O primeiro deixou a marca do “rouba, mas faz”, refrão que colou, mais adiante, na imagem do segundo. Este plasmou sua identidade com a marca do obreirismo faraônico, uma avalanche de obras sob a sombra de um slogan que marcou suas campanhas: “Maluf fez, Maluf faz”. Ao passar do tempo, a carga negativa das imagens de ambos foi aliviada. O país acabou abrindo os cofres da corrupção e casos antigos foram canibalizados por novas descobertas.
O populismo de ontem se banhava nas emoções da plebe e em grandes mobilizações. Hoje, não há mais comícios. E as manifestações de rua ganharam outros focos, principalmente na órbita dos serviços públicos. A massa está desconfiada e a mídia assopra brasa na fogueira de escândalos. O rolo que a Lava Jato começou a desenrolar esfumaça o ambiente.
Os espectadores da cena política não querem se entregar mais às ilusões, preferindo exercitar seu espírito crítico, tirar atores do palco e denunciar a encenação dos personagens.
Nos últimos tempos, multiplicou-se a violência; os serviços públicos se deterioraram; o desemprego chegou ao pico (12 milhões de desempregados); a extrema pobreza aumentou para 4 milhões, que vivem com uma renda mensal inferior a R$ 145, R$ 4,80 por dia, valor insuficiente para garantir alimentação e suprir necessidades básicas; a saúde está precária; remédios custam caro e a vida, para milhões de pessoas, se torna insuportável. Por isso, o povo quer ver um novo tipo de ator. Que chore com o coração e não com um cérebro encenando peças.
Por isso, a indignação popular atinge altos índices. O sentimento de revolta oxigena as veias da nossa democracia.
John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo Representativo, faz a distinção entre duas espécies de cidadãos: os ativos e os passivos. Os governantes preferem os segundos – pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes -, mas a democracia necessita dos primeiros.
Numa sociedade passiva, os súditos são transformados em ovelhas dedicadas tão somente a pastar capim uma ao lado da outra e a não reclamar nem mesmo quando o capim está escasso.
O povo percebe quando o discurso político não passa de encenação canhestra. Não quer mais pagar tributo por um expressionismo cênico, caricatural, grotesco, mímico, demagógico.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação