Charles 3º, 73, foi proclamado novo rei na manhã deste sábado (10), em cerimônia no palácio de Saint James, em Londres. A proclamação foi lida pouco depois das 10h no horário local (6h em Brasília), em um evento transmitido na TV pela primeira vez na história.

“Se a véspera foi de luto e tristeza por todo o Reino Unido, hoje foi o dia em que a nação ergueu novamente a cabeça com orgulho”, resumiu um apresentador.

“É meu triste dever anunciar a vocês a morte de minha amada mãe, a rainha”, começou Charles em seu discurso -uma frase surpreendente, dado que vivemos em um mundo conectado à internet e com notícias em tempo real, mas trata-se de tradição arraigada.

“Eu sei como vocês, a nação, e acho que posso dizer o mundo inteiro, lamentam profundamente comigo a perda irreparável que sofremos. O reinado de minha mãe foi inigualável em sua duração, dedicação e devoção”, disse o novo rei.

“Tenho total compreensão do tamanho desse dever e das difíceis responsabilidades da soberania que agora passaram para mim. Devo me esforçar para seguir o exemplo inspirador que me foi dado ao defender o governo constitucional e buscar a paz, a harmonia e a prosperidade dos povos dos reinos e territórios da comunidade britânica em todo o mundo.”

Sem a imponência do vizinho Buckingham, o Palácio Saint James recebeu a nata da realeza, como o príncipe William (sem a esposa, Kate) e a nova rainha consorte Camilla, e da política britânica, incluindo a nova primeira-ministra, Liz Truss, e seus antecessores no cargo Boris Johnson, Theresa May, David Cameron, Tony Blair, Gordon Brown e John Major.

Na primeira parte da cerimônia, da qual o rei não participou, a presidente do chamado Conselho de Ascensão também anunciou a morte da rainha Elizabeth 2ª e proclamou o novo monarca. O colegiado é formado por deputados, o prefeito de Londres, Sadiq Khan, funcionários públicos, altos comissários dos países da Commonwealth (56 nações de alguma forma ligadas ao império britânico), a primeira-ministra e uma série de lideranças religiosas, como o arcebispo Justin Welby.

A imprensa destacou que nenhum dos integrantes do órgão estava presente na última proclamação, 70 anos atrás, de Elizabeth 2ª.

Depois da cerimônia interna houve um momento em certa medida medieval, quando o escriturário do conselho apareceu na varanda do Saint James e leu a proclamação para “o povo” -na verdade apenas algumas dezenas de pessoas puderam acompanhar o momento, do lado de fora do palácio e atrás de grades. Com roupa de veludo cor de vinho e detalhes dourados, chapéu com plumas brancas e um cetro na mão, o escriturário foi acompanhado de um grupo de corneteiros com longas roupas douradas.

Além do povo, com smartphones em punho a lembrar que afinal estamos no século 21, os famosos guardas de túnica vermelha com chapéu felpudo preto acompanhavam a declaração. Eles depuseram as armas no chão, tiraram os chapéus e, a uma ordem, gritaram “hip hip hurra!” três vezes. Tiros de canhão foram disparados pela cidade.

Os eventos não ficaram restritos a Saint James. Uma procissão percorreu as ruas de Londres e, cerca de uma hora após a proclamação, o texto foi lido novamente no Royal Exchange, no centro financeiro de Londres. O rito foi seguido de gritos “Deus salve o rei”. Depois, o primeiro verso do hino nacional britânico foi tocado e a multidão aplaudiu o novo monarca.

Charles assumiu o trono automaticamente após a morte da mãe, Elizabeth 2ª, na última quinta-feira (8). A cerimônia deste sábado faz parte de uma série de eventos que antecedem o funeral da rainha -ainda sem data para acontecer, mas que será feriado nacional, conforme oficializado neste sábado.

Também não há data para a coroação do novo rei, que pode demorar mais de um ano. Em 1952, quando o rei George 6º morreu, Elizabeth virou rainha, mas sua coroação só aconteceu 16 meses depois, em junho do ano seguinte.

Símbolo da monarquia em todo o mundo, Elizabeth 2ª ocupou o trono por sete décadas e faleceu serenamente, segundo o comunicado oficial, na quinta, aos 96 anos, no Castelo de Balmoral, na Escócia. Na terça (6), em sua última aparição, ela deu posse à nova primeira-ministra britânica.

Charles é o monarca mais velho a assumir o trono britânico na história. Ele deve fazer de seu reinado um período de transição entre o da mãe, venerada pela dedicação ao serviço público, e o do filho William, 40, visto como a modernização da realeza.

Charles também jurou neste sábado fidelidade à Igreja da Escócia, seguindo uma tradição do início do século 18, uma vez que há divisão de poderes entre Igreja e Estado no país que integra o Reino Unido. Antes, afirmou que lhe foi confiada uma tarefa pesada -“à qual agora dedico o que me resta de minha vida, oro pela orientação e ajuda de Deus todo poderoso”.

Ao assinar os documentos, Charles acenou a um assessor, de forma atrapalhadamente disfarçada, para que retirasse da mesa um estojo de canetas. O gesto de pouco protocolo real talvez não entrasse na história caso a cerimônia não estivesse sendo transmitida ao vivo.

Enquanto Elizabeth assumiu o trono quanto o Reino Unido ainda era uma potência, o novo rei herda um país que vive uma crise de identidade e se tornou um ator secundário na geopolítica global. Além de ter optado por uma guinada isolacionista com o brexit, o divórcio com a União Europeia, tem sua própria existência sob risco.

Estão no horizonte um novo referendo sobre a independência da Escócia, pressões crescentes para a integração da Irlanda do Norte à República da Irlanda e até um ressurgente nacionalismo em Gales -região à qual o agora rei sempre foi associado.

O primeiro discurso oficial de Charles no trono havia sido feito nesta sexta. Ele centralizou sua fala em um ideal de continuidade, sem gerar expectativas de grandes mudanças e apontou a rainha como sua grande inspiração, o que voltou a fazer neste sábado.

Sem autoridade política real, Charles tem como marca o ativismo, que inclui um interesse especial pela Amazônia. Nunca houve um príncipe tão engajado em assuntos que afetam diretamente os súditos como ele, da defesa do ambiente à educação para jovens desfavorecidos, causa que defende por meio da sua organização Prince’s Trust. Em seu discurso na sexta, porém, ele antecipou que deve se afastar de atividades como essas para se dedicar aos assuntos de Estado.

Ao mesmo tempo que a proclamação foi lida no palácio, eventos em homenagem à rainha Elizabeth 2ª e ao novo rei aconteceram também em cidades da Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales.

Fonte: FOLHAPRESS