O DNA do Time Brasil expõe uma dura realidade que vem à tona a cada edição dos Jogos Olímpicos: dos 309 atletas brasileiros em Tóquio, 131 não têm patrocínio algum, 36 realizam permutas, 41 fazem vaquinhas para arrecadar dinheiro e 33 conciliam o esporte com outros empregos. Na delegação brasileira, 78 competidores sequer estão incluídos no Bolsa Atleta, que tem faixas de pagamento que vão de R$ 925 (Nacional) até R$ 5 a 15 mil (Bolsa Pódio).
Thiago Braz, o campeão olímpico do salto com vara na Rio 2016 e bronze em Tóquio, por exemplo, não tem clube para treinar. Pouco depois do começo da pandemia, o saltador foi demitido do Esporte Clube Pinheiros, a oito meses do fim de seu contrato. Nos bastidores, o clube considerou que não havia retorno de visibilidade que justificasse o investimento, uma vez que o atleta tinha o maior salário de toda a equipe de atletismo.
Durante as Olimpíadas, depoimentos de atletas sobre dificuldades financeiras para treinar e competir têm sido recorrentes. Após as eliminatórias dos 200m, a brasileira Vitória Rosa desabafou em entrevista ao SporTV.
Após prova dos 200m, Vitória Cristina Rosa desabafa sobre dificuldades financeiras, lesões e desentendimento com comissão, mas sustenta: “Não seria justo não tentar”
– Foi um ano muito difícil. Estamos em uma pandemia e estou sem patrocinador, o salário do clube foi reduzido. Graças à Marinha consegui me manter, para hoje estar aqui – disse.
Número 2 do ranking brasileiro de marcha atlética, Matheus Corrêa é um dos atletas que não conseguem se sustentar por meio do esporte. Para sobreviver, começou a fazer fretes.
– Eu estava contando com o Bolsa Atleta para pagar o aluguel e outras contas, só que acabou atrasando bastante. Era para o benefício ser renovado em abril, mas só foi entrar novamente em junho. Então foram meses bem difíceis. Precisei trancar a faculdade e passei a fazer fretes. Levava geladeira, fogão, o que cabia na caminhonete. E começou a ficar cansativo, porque exige muita força física – lembra Matheus, que disputará a prova de 20km em Tóquio nesta quinta.
“Consegui fazer o índice olímpico enquanto eu treinava e trabalhava com fretes”, ressaltou Matheus Corrêa — Foto: Reprodução/Instagram
Não é raro ver atletas recorrendo a rifas, vaquinhas e eventos beneficentes para custear o esporte. Família e amigos entram em cena para ajudar. Os pais de Matheus, por exemplo, chegaram a realizar pequenos eventos para arrecadar dinheiro.
– Organizávamos feijoadas beneficentes para conseguir pagar passagem. No começo deste ano, resolvi sair da casa dos meus pais, que sempre foi muito longe do local de treino. Mas como os gastos aumentaram demais e o Bolsa Atleta atrasou alguns meses, tive que encontrar outro emprego.
– Eu voltei a receber meu salário no mês passado, é menos que um salário mínimo. A gente recebeu apenas duas parcelas durante o ano de 2021. E eu figuro entre os três primeiros do Brasil desde 2015. É muito complicado, eu fico bem triste. Mas a gente faz o que ama. Por isso tento me manter, e também porque meu pai me dá comida, me dá abrigo. Minha família me ajuda financeiramente, senão seria impossível – diz Lucas.
“Graças a Deus, minha família me ajudou financeiramente, porque eu estava com dívidas, muitas dívidas”, compartilhou Lucas Mazzo — Foto: Matheus Corrêa
Entre os atletas que representam o país em Tóquio, 88 fazem parte das Forças Armadas – 42 militares da Marinha, 25 do Exército e 22 da Aeronáutica. Trata-se do Programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR), parceria entre o Ministério da Defesa e o Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria Especial do Esporte. Na Rio 2016, atletas das Forças Armadas conquistaram 13 das 19 medalhas obtidas pelo Time Brasil, o que representou 68% dos pódios brasileiros. Reflexo de investimento: suporte financeiro e estrutura de treino.
– Um monte de gente me manda: “Traz o ouro, traz o ouro!”. Cara, é o meu sonho. O sonho de qualquer atleta é ser campeão olímpico. Mas é muito difícil a gente que não tem apoio chegar onde os maiores estão. Eu fiquei um ano e meio sem pisar numa pista de atletismo, tendo que ir andando para o lugar onde eu treino. É até triste falar isso: eu não tinha dinheiro para pegar o ônibus. Eu já treinei em tanto lugar absurdo, já dei 125 voltas em um salão de festas de 20 por 40 metros – Lucas Mazzo. (Globo Esporte)