Caminhabilidade, oriunda do termo “walkability”, significa a capacidade proporcionada pela cidade para que uma pessoa possa andar a pé, sem precisar fazer uso do automóvel, na sua rotina diária e em deslocamentos que não ultrapassem distâncias superiores a dois quilômetros, aproximadamente.

A ideia de se medir a caminhabilidade surgiu na cidade de Otawa, no Canadá, entre os anos de 1992 e 1993, e hoje este conceito é aplicado em diversos países mundo afora.

Além de medir aspectos físicos como a largura, inclinação, ausência de obstáculos e a regularidade do piso, o conceito se expandiu de tal maneira que atualmente outros elementos foram incorporados no estudo da caminhabilidade, deixando de ser uma avaliação meramente quantitativa e passando a contar também com aspectos qualitativos. Assim, atributos como o ruído urbano, a poluição atmosférica, a ausência de vegetação, que possa proteger as pessoas do sol, a sinalização viária, como faixas de travessia ou semáforos, e a segurança pública, tornaram-se fatores que interferem diretamente na decisão de uma pessoa entre caminhar ou fazer uso do automóvel.

Seguindo essa ótica, a caminhabilidade é um fator relevante na decisão das pessoas em fazer uso do sistema de transporte coletivo para deslocamentos urbanos maiores do que dois quilômetros, uma vez que, via de regra, é necessário exercer o caminhar entre a casa ou o trabalho até um ponto de ônibus ou estação de metrô.

A caminhabilidade é um fator relevante na decisão das pessoas em fazer uso do sistema de transporte coletivo para deslocamentos urbanos maiores do que dois quilômetrosNum estudo denominado “Campanha Calçadas do Brasil 2019”, elaborado pelo Instituto Mobilize Brasil – Mobilidade Urbana Sustentável”, foi constatado que nenhuma capital brasileira apresenta condições adequadas para circulação de pedestres e cadeirantes nas calçadas, ruas e faixas de travessia, mesmo no entorno de edificações mantidas diretamente pelo poder público e em áreas com alta movimentação de pedestres onde, supostamente, há uma melhor fiscalização por parte da administração pública. Segundo o relatório, a média nacional entre as 27 capitais, considerando todos os itens avaliados ficou em 5,71, um número muito baixo uma vez que o mínimo estabelecido seguindo os critérios de boa caminhabilidade seria a nota 8, numa escala de vai de zero a dez.

Quando olhamos para os números da nossa tricentenária Cuiabá, notamos como estamos na contramão da mobilidade urbana sustentável. Por aqui, o estudo foi coordenado pela minha colega, Profª Doriane Azevedo da Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), num belíssimo trabalho que ela e seus alunos desenvolvem nas atividades do Grupo de Pesquisa e Extensão ” Estudos de Planejamento Urbano e Regional” (Épura). Dentre as 27 capitais, estamos na 25ª posição com a nota 4,79 e só não estamos pior do que as cidades de Fortaleza (CE) e Belém (PA), a última colocada no ranking.

No auge dos 300 anos, a capital de todos os mato-grossenses, que apresenta uma população estimada de 608 mil pessoas e uma frota de aproximadamente 420 mil veículos, é desprovida de um Plano de Mobilidade Urbana que coloque o “ser” ao invés da “máquina” no centro das políticas públicas. Com tanta pressão imposta pela frota crescente, as calçadas e demais infraestruturas de apoio ao pedestre vêm perdendo espaço no dia a dia da cidade.

Entre os critérios analisados destaco o semáforo para pedestres com nota 0,41, a faixa de pedestres com a nota 2,87 e a arborização e paisagismo com a nota 3,74. O terceiro critério traduz em números o porque da nossa querida Cuiabá não ostentar mais o título de Cidade Verde que outrora nos orgulhava. Na cidade que durante as últimas semanas experimentou temperaturas na faixa dos 45°, exercer a caminhabilidade tornou-se um desafio desumano, restrito àqueles que o fazem por falta de opção ou condição enquanto o poder público comemora ter entregue à população uma nova Avenida Mato Grosso mais “humanizada”, onde o canteiro central foi reduzido à míngua para dar lugar às vagas de estacionamento.

Há 17 meses, a Prefeitura deu início ao processo de troca e modernização dos semáforos localizados em aproximadamente 125 pontos ou cruzamentos espalhados pela cidade, num contrato que totaliza R$ 15 milhões e incorpora, segundo seus técnicos, o que há de mais moderno em tecnologia semafórica aplicada no mundo e equiparada, por exemplo, ao sistema existente na cidade de Nova York. Tanta tecnologia, porém, não foi capaz de agregar os conceitos da Mobilidade Urbana Sustentável com o objetivo de favorecer a caminhabilidade em nossa capital, haja visto que em mais de 90% dos cruzamentos não há tempo de travessia dedicado aos pedestres ou pela ausência de porta-focos nas esquinas indicando o momento mais seguro de cruzar a via. Há, disparadamente, uma lógica inversa, perversa e desigual aplicada em favor dos automóveis em relação aos pedestres. Quer um exemplo: quem deseja atravessar a Avenida Historiador Rubens de Mendonça de uma calçada à outra nas imediações do supermercado Comper, irá fazê-lo de forma segura em 04 ciclos semafóricos enquanto quem está nos automóveis consegue passar pelo mesmo cruzamento aguardando apenas 01 ciclo. Injusto, não?

O fato é que a pesquisa realizada pelo Instituto Mobilize Brasil deixa claro como a cidade de Cuiabá maltrata diariamente seus pedestres, impondo-os um severo nível de dificuldade ao direito de ir e vir fazendo uso das próprias pernas.

O dia 22 de setembro foi escolhido há muitos anos como a data da campanha “Dia Mundial Sem Carro” e trata-se de um evento que busca a reflexão sobre o uso intensivo do automóvel nas cidades e seus efeitos na redução da qualidade de vida, redução de áreas verdes e de convivência para construção de novas vias de tráfego entre outras externalidades negativas. Estamos na Semana Nacional do Trânsito e não há muito o que se comemorar por aqui.

*RAFAEL DETONI MORAES é arquiteto urbanista, mestre em engenharia de transportes e usuário assíduo das calçadas e do transporte coletivo.