Mais antigo brasileiro entre os cem membros do COI (Comitê Olímpico Internacional), o ex-jogador de vôlei Bernard Rajzman, de 62 anos, disse ao Globoesporte.com nesta segunda-feira que os Jogos Olímpicos de Tóquio vão ser adiados. De acordo com o medalhista olímpico de 1984 e membro da entidade desde 2013, não há a menos dúvida que o adiamento da Olimpíada que está marcada para ter início em 24 de julho deste ano irá acontecer.
– A decisão não está tomada, ela será tomada. Para um bom entendedor… – afirma um dos dois brasileiros membros do COI. O outro brasileiro, desde 2018, é Andrew Parsons, presidente do IPC (Comitê Paralímpico Internacional).
Bernard falou com o Globoesporte.com por telefone, de casa, no Rio, onde mora. Ele que há praticamente um ano se recupera de uma chicungunha, disse que as dores ainda persistem, mas consegue fazer exercícios. Assim como segue participando das reuniões do COI, por videoconferência.
– Estou fazendo uma esteira, esteira, não, uma bicicleta ergométrica que está aqui há muitos anos. Mas trancado, eu minha mulher e dois filhos que moram comigo. Melhor todo mundo ficar em casa mesmo. Esperar, ler, escrever, se comunicar e rezar – diz.
Ele está (ou estava) com viagem para Tóquio prevista para 16 de julho. E conta que ainda não foi cancelada. Uma prova de sua cautela (e do próprio Comitê) em anunciar a mudança de data dos Jogos Olímpicos previstos para o período de 24 de julho a 9 de agosto de 2020.
Abaixo, confira a entrevista com Bernard Rajzman:
Como foi a última reunião do COI que você participou e qual decisão foi tomada?
– Tivemos reunião na sexta-feira (dia 20) com os comitês olímpicos nacionais e aqueles que são membros do COI, como eu, e cada um foi falando sua opinião. É uma situação muito delicada e complexa. As pessoas cobram uma decisão rápida, dando inclusive datas, mas esquecem que é algo muito complexo que passa por governo, comitê organizador de Tóquio, passa pelo mundo, com seus comitês olímpicos nacionais, pelas federações internacionais de cada esporte. Passa por diversas desigualdades. Vou dar um exemplo: a China, que já passou pelo novo coronavírus e está em uma recuperação vertiginosa, se a Olimpíada fosse realidade agora, a partir de 24 de julho, a China ia arrebentar de medalha. Eles podem neste momento estar se preparando, assim como outros da própria Ásia. O vírus não atacou todo mundo junto e saiu todo mundo junto. Aos poucos ele se espalhou por todo mundo.
E qual sua opinião?
– Apoio totalmente a posição do COI, faço parte dele, e acho que há tempo para pensar um pouco. Pensar sobre a injustiça com o país que é sede que gastou bilhões com tudo o que se possa imaginar para se organizar uma Olimpíada. É algo bem complexo e profundo. Esse país também está preocupado, assim como todos os membros do COI, com a saúde humana, com saúde dos atletas, a saúde dos participantes e todos que integram e fazem uma Olimpíada.
Mas houve uma decisão sobre o adiamento?
– Eu recebo diariamente tudo o que está sendo tratado pelo COI. Não só pelos membros do comitê executivo mas de todos os membros em atividade ou não. Sabemos 100% de tudo o que ocorre.
Segundo o canadense Dick Pound, membro mais longevo do COI, a decisão sobre o adiamento já foi tomada e os Jogos não começam em 24 de julho.
– É a opinião dele. De maneira alguma é uma decisão oficial. Quem decide isso aí é o Comitê Olímpico Internacional encabeçado pelo seu presidente Thomaz Bach, apoiado pelo comitê executivo e todos os membros. Está sendo conversado com os comitês de Tóquio e os nacionais. Ele (Dick Pound) se antecipa e diz que vai ser para 2021. E se até lá não tiver sido resolvido o problema? Vai ser quando a Olimpíada? Importante é você dizer que vai ser adiado. Que há essa grande possibilidade eu não tenho a menor dúvida. Nem eu nem ninguém.
Então a decisão de adiar já foi tomada pelo COI?
– A decisão não é oficial, mas ela está praticamente, está encaminhada. Pediu-se um mês, quatro semana, exatamente para se estudar tudo o que corre com uma Olimpíada. De que forma se adiaria, eventualmente, e de que forma se prejudicasse menos a todos. Porque todos vão ser prejudicados. Não é só o atleta. Ninguém ganha. Todo mundo perde com essa situação do coronavírus. É uma coisa triste que não apaga a chama olímpica. Mais uma vez uma superação que vamos ter que mostrar para o mundo. O olimpismo e seus valores também passam por situações nefastas como a que está ocorrendo hoje.
Qual é seu posicionamento hoje?
– Com certeza eu vou esperar o limite que foi dado e aguardar quatro semanas. Até lá o quadro vai mudar. Enquanto isso estão todos se conversando. O mundo inteiro está discutindo. Seria de certa forma precipitado tomar uma decisão hoje e dizer que vai ser em outubro, ou vai ser ano que vem. Tem que ver o que vai acontecer no mundo, cada dia muda o quadro. O Comitê Olímpico Internacional está se preservando.
E os atletas?
– Ninguém é mais preocupado com atleta do que o COI. Tem muitos e muitos membros do COI que são atletas olímpicos, como é meu caso, que participei de três Olimpíadas. Sei o quanto é importante para vida do atleta e para o mundo, o que representa o olimpismo, um exemplo para toda a humanidade. É uma decisão que não precisa ser já. Existe a euforia de querer uma decisão já, mas como vai decidir já se você não tem uma posição de como vai estar daqui a um mês. Será que daqui a três meses isso já passou? Será que em cinco meses passou? Então é tomar muito chá e ficar aguardando em casa para ver qual forma vai prejudicar menos o mundo inteiro.
Alguns comitês olímpicos nacionais (Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Noruega) já anunciaram que, se for mantida a data, eles não participarão dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Essa pressão é positiva ou negativa para o COI?
– Se for agora eles não iriam. Acho que cada um tem sua opinião, mas eu considero precipitada qualquer que seja a declaração relativa aos seus atletas, o que vai acontecer ou não. Cada um tem direito de falar o que quiser e arcar com as consequências, óbvio.
Em outra escala, aconteceu uma pressão antes da Olimpíada do Rio, em 2016, por causa da zica e da chicungunha. Como você avalia se a pandemia de coronavírus fossem antes dos Jogos no Brasil?
– Aconteceu essa pressão nos seis meses que antecederam a Olimpíada no Brasil. Comitês, atletas, a goleira americana (Hope Solo)… Você fala as coisas e depois tem que arcar. Durante a Olimpíada do Rio ninguém morreu por causa de dengue, chicungunha, nem nada. Ou seja, foram feitas de uma forma ampla sem problema algum. Não quero dizer que o coronavírus seja a mesma coisa. É completamente diferente. São situações diferentes. O coronavírus está chegando agora nas Américas. É uma situação que precisamos acompanhar, é uma novidade para todos. A melhor forma de combater é a comunicação.
Quando vai ser anunciada a decisão do adiamento? Há uma cláusula no contrato do COI com Tóquio que diz que não pode ser anunciada antes de estarem faltando 120 dias. Hoje faltam 122, certo? Então pode haver um anúncio na próxima quinta-feira?
– Eu acho que é uma comoção tão grande, uma decisão mundial tão importante, que qualquer cláusula vai ser pensada da melhor forma. Quem poderia imaginar que, quando Tóquio foi anunciada como sede, que aconteceria isso aí? São 120 dias e não se tem uma posição? Tudo bem, vamos ter que superar. Não vejo como um grande problema, porque obviamente o bom-senso vai fazer com que as partes modifiquem essa cláusula. Essa é minha opinião, não estou falando em nome do COI. Até porque as pessoas são inteligentes. Ninguém é maluco de executar algo que prejudique todo um país.
Portanto, teremos um anúncio em breve?
– Foram pedidos quatro semanas. Pode até sair uma decisão na próxima quinta-feira, mas o que acho justo é já dizer a nova data. Eu recebo mensagens o dia todo e cada uma com um absurdo maior do que a outra. Cada um tem a sua opinião. Então, vamos ser racionais, vamos postegar mas não vamos definir enquanto a gente não tem uma situação real do que está acontecendo no mundo? Temos que pesar todas as circunstâncias, o que vai ter de prejuízo, porque não vai ter benefício para ninguém. Ninguém ganha, todo mundo perde. E não só o esporte, o mundo todo, a humanidade está perdendo vidas humanas que são mais importantes do que qualquer coisa.
Para finalizar e deixar claro: a decisão de adiar os Jogos Olímpicos de Tóquio já foi tomada?
– A decisão não está tomada, ela será tomada. Para um bom entendedor… Todo mundo pode imaginar o que vai ocorrer. Temos que pensar no que vai implicar esse comunicado para o mundo de um adiamento eventual. Tem que pensar em tudo, não só no lado do atleta ou do país sede. Tem que pensar no impacto que vai deixar. O mundo vai ficar menos intranquilo. (Globo Esporte)