Sem nunca ter tido a pandemia sob controle, país atinge trágica marca com mortes novamente em alta, imerso em caos sanitário e com brasileiros tendo que lutar com negacionismo científico e desinformação. Meio milhão de mortos por covid-19. A trágica marca foi superada no Brasil neste sábado (19/06). No mundo, é o segundo país com mais vítimas do novo coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos, que têm uma população 55% maior e 600 mil mortos.

Às 14h15 deste sábado, o país contou 1.401 mortes e 20.483 novos casos da doença, elevando o total de óbitos para 500.022, e o de casos, para 17.822.659. O número oficial deve ser maior do que isso.

O Brasil é o segundo país a ultrapassar a marca de meio milhão de mortes — os Estados Unidos alcançaram este número em fevereiro. A contagem impressiona. Em meio ao luto —hoje, são cerca de 2 mil mortes por dia, em média—, o país também enfrenta os efeitos colaterais da pandemia do coronavírus, como o aprofundamento da desigualdade social.

Na última quarta, o número de novas mortes diárias, pela média móvel de sete dias, voltou superar as 2 mil, o que não ocorria desde 10 de maio. O número de novos caso diários, pelo mesmo critério, está em 70 mil, próximo ao pico do final de março de março, quando estava em 77 mil.

Cova coletiva em São Paulo: mortes novamente em alta
Cova coletiva em São Paulo: mortes novamente em alta

Foto: DW / Deutsche Welle

Desde o início de maio, a taxa de reprodução do vírus no Brasil é igual ou maior que 1, o que indica persistência ou aceleração da contaminação. Esse número havia ficado abaixo de 1 durante a maior parte do mês de abril. Foi naquela época que governadores e prefeitos começaram a relaxar as regras que restringiam a circulação de pessoas, um dos motivos apontados por especialistas para a atual alta.

Esses dados se refletem na ocupação dos leitos de UTI, que nesta semana era superior a 90% em dez capitais e no Distrito Federal. No interior de São Paulo, havia no último domingo 5.206 pessoas em leitos de terapia intensiva para covid-19, número mais alto do que pico anterior, de 6 de abril.

A situação da pandemia no momento é “extremamente delicada” no país, diz a epidemiologista Carolina Coutinho, pesquisadora da EAESP/FGV.

As variantes mais transmissíveis do coronavírus, que têm maior capacidade de contaminar pessoas ou reinfectar as que já haviam se recuperado da doença, também contribuem para a resiliência da pandemia.

Um estudo realizado pelo Instituto Butantã com casos identificados até o dia 29 de maio, identificou a variante Gamma (ou P1, encontrada inicialmente em Manaus), em 89,9% das infecções no estado de São Paulo. A Alfa, originada no Reino Unido, representou 4,2% das infecções, e a Beta, da África do Sul, 3,5% Não foram identificadas amostras da Delta, da Índia. Em âmbito nacional, o país tem baixa capacidade de fazer a vigilância genômica, que identifica as novas variantes, diz Coutinho.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, usou as redes sociais neste sábado (19) para lamentar a marca de 500 mil mortes pela covid-19 registrada no Brasil. O Brasil é o segundo país a ultrapassar a marca de meio milhão de mortes —os Estados Unidos alcançaram este número em fevereiro. Queiroga declarou que trabalha para vacinar todos os brasileiros no menor tempo possível. “Presto minha solidariedade a cada pai, mãe, amigos e parentes que perderam seus entes queridos”, escreveu o ministro no Twitter.

Vacina escassa

A recusa de ofertas de doses de vacina pelo governo no ano passado e obstáculos para importar da China o Insumo Farmacêutico Ativo usado para preparar a Coronavac e a vacina da AstraZeneca no Brasil impediram que o país estruturasse a partir do início do ano um ritmo de imunização compatível com a capacidade do Sistema Único de Saúde.

Segundo pesquisas feitas por epidemiologistas e cientistas de dados, o ritmo adequado para o enfrentamento da pandemia seria de pelo menos 2 milhões de doses diárias. Com vacinação lenta e contaminação em alta, o vírus acaba saindo vitorioso nessa corrida.

Em abril, o país aplicou uma média de 730 mil doses por dia, o número recuou para 599 mil por dia em maio, e até quarta, 709 mil por dia em junho, segundo painel mantido pelo Ministério da Saúde. Somente na última quinta, o país superou pela primeira vez a marca das 2 milhões de doses por dia, aplicando 2,2 milhões delas.

Brasil completou a vacinação de 11% de sua população de 211 milhões. Nos Estados Unidos, essa taxa é 44%, e na Alemanha, 29%. Especialistas estimam que a imunidade coletiva contra a covid-19 só será alcançada com cerca de 80% da população vacinada. Até lá, os países terão que manter medidas de controle como testagem continuada e uso de máscaras e restrição a aglomerações onde as taxas de contágio são altas.

Subnotificação esconde tragédia maior

O biólogo Marcelo Bragatte, um dos coordenadores da Rede Análise Covid-19, afirma que a marca simbólica dos 500 mil mortos já havia sido rompida há alguns meses, e que o Brasil, na realidade, teria no momento cerca de 600 mil óbitos pela doença, considerando a notificação.

Sua projeção considera o excesso de óbitos por síndrome aguda respiratória grave (SRAG) desde o início da pandemia, comparado com os dados de anos anteriores. “Há muitos casos em que a pessoa falece, não confirma que foi covid, e ela fica no limbo como SRAG”, diz. Essa estimativa colocaria o Brasil empatado com os Estados Unidos na liderança do número de mortes.

Mantido o atual ritmo de vacinação, ele projeta que o país seguirá com números elevados de novos casos e óbitos. Isso só será revertido se a população adotar os comportamentos recomendados para evitar a disseminação do vírus, como uso de máscaras, distanciamento social e evitar reuniões em espaços fechados. “Como não temos as medidas sanitárias por parte do governo, recai sobre o cidadão tomar as medidas que ele puder”, afirma.

O problema é que não é somente a contaminação pelo vírus que não recua. “A desinformação no país não desce. Ela está em um platô. E, com isso, as ações das pessoas não melhoram”, diz Bragatte.  (Terra)