O termo “Bolsonaro paz e amor” tem sido usado no último mês para representar uma mudança repentina nas falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Os textos que utilizam o termo vão desde de reportagens e notícias à editoriais, colunas e artigos de opinião, todos defendem que o presidente teria adotado um tom mais moderado e conciliador nas últimas semanas, fugindo do padrão de embate constante com os demais poderes, a imprensa e os opositores.

A cientista política Thatiana Chicarino, doutora em ciências sociais pela PUC-SP e professora da FESP-SP (Fudanção Escola de Sociologia e Política), vê com desconfiança esse discurso mais contido do presidente. “É possível que ele tenha suavizado os embates por conta de outras pressões, mas as questões fundamentais continuam “, explica.

“Baseado nos referenciais teóricos que eu utilizo e na pesquisa que eu venho desenvolvendo há muito anos, eu diria que o Bolsonaro não mudou de tom. Como eu posso qualificar essa resposta? Mudança de tom até que ponto? Pra entender se há mudança é preciso analisar dois elementos: os valores políticos dessa figura pública e o histórico autocrático – que se mantém “, acrescenta Chicarino.

O deputado federal André Figueiredo (PDT -CE), líder da oposição na Câmara dos Deputados, acredita que o presidente mudou de comportamento nas últimas semanas, mas analisa que a mudança pode durar pouco.

“Nós não temos dúvida de que essa aparente serenidade, certamente, será modificada em um curto espaço de tempo . O momento atual requer por parte dele [Jair Bolsonaro] uma certa dose de tranquilidade, até para não acirrar ainda mais o posicionamento dos seus seguidores, dele próprio e dos seus familiares em relação ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que investigações rondam os seus três filhos e ele próprio “, diz o deputado.

“Ele talvez tenha sido orientado a adotar essa estratégia para ter um pouco mais de tranquilidade nessas últimas semanas, mas eu não dúvida de dizer que isso é um fenômeno momentâneo”, complementa. Chicarino concorda com o deputado sobre a breviedade desse comportamento e o define como ” um recuo estratégico “.

” Bolsonaro tem características extremamente autocráticas . O que justifica eu dizer isso? O histórico de atuação dele. Não dá para a gente olhar para algumas ocorrências – uma reunião em que ele está sendo pressionado e por isso suavizou em alguns momentos – e caracterizar como uma mudança de tom. Não é só a imagem internacional da Amazônia [que fez Bolsonaro recuar], mas são também todas essas investidas contre ele, a família e a rede de apoio”, afirma a cientista política.

A prisão de Fábricio Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro investigado no esquema da rachadinha , no dia 18 de junho, é repercutida na imprensa como o principal evento que levou ao fenômeno “paz e amor”.

Tatiana elenca, ainda, os avanços da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News, do inquérito com mesmo nome no STF e a suspensão de páginas bolsonaristas no Facebook, como fatores que fecharam o cerco contra o presidente e o obrigaram a amenizar o tom temporariamente para se manter em condições de governar.

“O Bolsonaro recua, como figura pública, mas a estrutura de comunicação continua a mesma”, afirma Chicarino ao dizer que as bolhas virtuais bolsonaristas continuam reproduzindo o tom de enfrentamento utilizado pelo presidente.

Aliado
Já o deputado federal General Girão (PSL-RN), da base governista, Bolsonaro não recuou no seu estilo de governar e as pressões que avançam contra a cúpula bolsonarista não influenciam em nada na postura do presidente.

“Eu não acredito que o presidente tenha mudado o “tom”. Ele está em isolamento, com Covid-19, e está conciliando o tratamento de saúde com a função de governar o país, no meio de uma pandemia. Tentam, novamente, atribuir uma mudança de tom ao presidente em um momento em que ele não pode sair de casa e nem falar com ninguém”, afirma General Girão.

“Agora, a verdade é uma só: o Presidente Bolsonaro, constantemente, é vítima de fake news e de matérias que saem em determinados veículos da imprensa, totalmente tendenciosas, com o claro objetivo de prejudicarem o Governo Bolsonaro”, afirma o deputado bolsonarista.

No entanto, as ideias sobre a postura mais podenrada do presidente circulam desde junho – um mês antes do presidente testar positivo para o novo coronavírus (Sars-cov-2), no dia 7 de julho .

O deputado federal defende que a imprensa e os opositores do presidente são responsáveis por “criar fatos políticos” a partir das falas dos presidente e que com a impossibilidade de conceder entrevistas, por causa do diagnóstico da Covid-19, tentam criar a ideia de recuo.

“Quem considera essas declarações polêmicas são vocês [imprensa]. Nós, que apoiamos o governo, consideramos que o presidente sempre foi direto, verdadeiro e sincero. Absolutamente tudo o que o presidente diz é interpretado de forma errada, com a clara intenção maléfica de desgastar a imagem do presidente perante a população, e com o intuito de, ao invés de arrefecer, piorar qualquer crise, seja ela política, ou não”, defende General Girão.

O deputado diz ainda que a ausência de Bolsonaro nas entrevistas e a suposta ponderação gerada por causa disso são “positivas para o governo”.

“Como ninguém pode acusar o governo de corrupção, porque o governo Bolsonaro é honesto, criar esses fatos políticos têm sido a ‘salvação’ das pautas de quem só quer atacar o Presidente. Eu acredito que Bolsonaro deve manter esse posicionamento, adotado sem querer por causa do isolamento compulsório, para não ficar dando ‘ combustível ‘ para aqueles que não querem o bem do país”, afirma o deputado do PSL.

“Pelo jeito, já tem muita gente sofrendo de abstinência pela falta dessas declarações polêmicas. Espero que assim permaneça”, complementa.

Fim da era “paz e amor”?
Apesar do isolamento social e da ausência em compromissos públicos – palco onde geralmente ocorriam as falas mais truculentas do presidente da República -, Bolsonaro voltou a estimular o clima de tensão nesta semana. Dessa vez, o Congresso e o STF, alvos preferenciais do presidente, foram substituidos pela oposição e governos internacionais.

“Nós da oposição temos o conhecimento, até porque convivemos com ele no parlamento, de que essa característica que ele tenta demonstrar é fictício. Portanto, em nada muda o nosso posicionamento, até porque ele continua em alguns momentos fazendo mentiras levianas como é o casa agora do recente tweet dele sobre a questão da pedofilia. Uma imputação completamente criminosa de dizer que a esquerda não quer criminalizar a pedofilia” , diz o líder da oposição no Congresso André Figueiredo.

O fato narrado pelo deputado federal levantou uma discussão na terça-feira (14) sobre o retorno do perfil de enfrentamento do presidente. Bolsonaro foi alvo de uma notícia-crime encaminhada ao procurador-geral da República por partidos de esquerda como PT, PDT, PSB, Psol, PCdoB e Rede, por compartilhar uma notícia falsa, em sua conta oficial no Twitter.

A fake news criada durante o período das eleições presidenciais que mentia sobre um projeto de autoria do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para discriminalizar a pedofilia. O suposto PL 236/2012 é de autoria do senador José Sarney (MDB-AP), que não pertence ao espectro da esquerda, e não propõe discriminalizar o crime de violência sexual contra crianças.

Outro fala do presidente que indica o fim da temporada de conciliação foi a declaração dada durante as lives mensais que realiza no Facebook, em que acusou a imprensa de fraudar números sobre o desmatamento na Amazônia. Além de minimizar o aumento do desmatamento na região, com a frase “não é esse trauma todo” e acusar os países membros da União Europeia de serem “uma seita ambiental” que ataca o Brasil “de forma injusta” movida por interesses comerciais.

Fonte: IG Política

Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro  (Wilson Dias / Agência Brasil)