Deixar o futuro de lado para pensar no presente. Essa frase deve ter martelado por dias a cabeça de dirigentes dos grandes clubes brasileiros quando a pandemia do novo corona vírus foi anunciada em meados de março. O que fazer? Deixar as categorias de base de lado, em segundo plano, e investir nos profissionais? Ou tentar equilibrar os dois lados em meio à crise financeira que estava por abater o futebol brasileiro por conta da paralisação de todas as atividades esportivas?
Essas dúvidas e muitas perguntas que o Esporte Espetacular tentou sanar para os torcedores ao conversar com os 40 clubes das Séries A e B do Brasil.
O Cuiabá, time que representa Mato Grosso na Série B do Brasileiro, foi um dos afetados e teve que encerrar atividades das categorias de base este ano.
No levantamento, notou-se que quatro clubes demitiram funcionários das categorias de base. São eles, Flamengo, Oeste, Confiança e Sport. Outros, por sua vez, utilizaram a Medida Provisória 936 do Governo Federal, que permite as suspensões contratuais de 60 dias e as reduções de jornada e salário que variavam de 25% a 70%, com duração de até 90 dias. Figueirense, Ceará, Cruzeiro, Grêmio, Avaí, Confiança, Fortaleza e América-MG utilizaram este artifício.
Porém, tiveram aqueles clubes que precisaram radicalizar. Encerraram as atividades da base em 2020 por não terem competições a disputar na atual temporada. Casos de Confiança, Cuiabá, Sampaio Correa e Oeste. O clube do interior paulista, inclusive, enviou a seguinte resposta via assessoria de imprensa.
– Parou tudo por falta de verba.
O presidente do Confiança, Hyago França, confirmou o encerramento das atividades da base do clube.
– Não teremos competições para o Confiança em 2020 nas categorias de base. Por isso, nós encerramos as atividade e mantivemos o foco total no elenco profissional para esse ano de Série B. Mas acreditamos que no ano de 2021, quando tudo isso normalizar, a gente vai conseguir dar sequência ao trabalho que a gente vinha fazendo.
Quem também encerrou parte das atividades da base foi o Sport. As categorias abaixo do sub-15 não existem mais. E o clube aproveitou para ceder sete promessas a outros clubes, sem custos, visando lucro em vendas futuras. Flamengo, São Paulo, Cruzeiro e Palmeiras foram algumas equipes que incorporaram atletas do Leão da Ilha do Retiro.
O Esporte Espetacular encontrou três casos de atletas que estão passando por situações distintas. O mais preocupante é do atacante Carlos Eduardo, do Cuiabá. Aos 19 anos, o jogador teria o seu primeiro ano para efetivamente jogar pelo sub-20 do clube. Porém, a pandemia estragou os planos do atletas. Para piorar, a equipe não tem previsão de retorno, já que a próxima competição em vista seria a Copa São Paulo de Juniores de 2021.
– Muito triste. Vinha treinando, ralando todos os dias e acontece tudo isso – contou o jogador, que mora na região metropolitana de Cuiabá.
Carlos Eduardo, que atualmente recebe apenas uma ajuda de custo do clube para ir e retornar para casa dos treinos, contou que iria assinar o seu primeiro contrato profissional com o Cuiabá uma semana após o anúncio da pandemia. Por conta do problema, a assinatura não aconteceu. Agora é esperar dias melhores.
Quem também está com o futuro incerto é o colombiano Camilo Castro. Contratado pelo Náutico no ano passado, ele iria começar a atuar de fato em 2020. Mas o corona vírus impediu o jogador de realizar o sonho de atuar no Brasil.
– Eu esperei esse ano pra começar a jogar. Estava tudo bem e treinando todos os dias, mas quando começou a pandemia falaram que ficaríamos parados somente por um mês. Eu voltei pra Colômbia e as coisas começaram a complicar mais e mais.
Camilo tem contrato com o Náutico até novembro de 2020. Caso as coisas não melhores, o jogador pensa em seguir em seu país.
– Eu fico muito triste com porque é meu último ano. Não sei o que fazer. Quero ficar aqui na Colômbia e seguir jogando. Se não, vai tocar, estudar, universidade, a fazer alguma coisa.
Valdenílson, atacante do Palmeiras, ganhou oportunidade para treinar com os profissionais — Foto: Divulgação Palmeiras
Porém, se Camilo e Carlos Eduardo lutam com as incertezas, o atacante Valdenílson, também de 19 anos e vivendo seu último ano de categoria de base, parece ter um futuro mais certo pela frente. Contratado pelo Palmeiras ao Moto Club logo após a Copa São Paulo de Juniores deste ano, o jogador sequer estreou pelo clube paulista. Mas apesar disso, ganhou uma oportunidade trabalhar com os profissionais e ser comandado por Vanderlei Luxemburgo.
– Fiquei um pouco triste quando saiu essa pandemia. Logo fiquei pensando na minha idade porque esse é meu último ano para estar jogando sub-20.
Para o coordenador das categorias de base do Internacional, Erasmo Damiani, os reflexos da pandemia na base brasileira serão vistos por muitos anos.
– Nós só vamos ter um reflexo dessa pandemia daqui a seis, sete, oito anos. Nós estamos falando de atletas de sub-20 a sub-14. Muitos vão perder o principal da categoria de base que é treinabilidade e competição.
E Damiani, que foi coordenador das categorias de base da CBF no ano da conquista da medalha de ouro na Rio 2016, fez uma constatação.
– Às vezes no clube ele tem alimentação, café da manhã, almoço, jantar, lanche da tarde, lanche da noite, tem assistência médica o tempo inteiro. E, às vezes, ele está retornando pra casa dele com estrutura muito, infelizmente, inferior ao que o clube oferece.
No fim da semana passada, a CBF divulgou o calendário das categorias de base. O que era para ser finalizado em 2020 vai acabar apenas em março de 2021. Das oito competições previstas, seis delas se encerrarão no ano que vem.
Calendário Base
COMPETIÇÃO | DATA |
Campeonato Brasileiro sub-20 | 23/09/2020 a 07/02/2021 |
Copa do Brasil sub-20 | 07/10/2020 a 30/12/2020 |
Campeonato Brasileiro sub-17 | 11/10/2020 a 20/12/2020 |
Brasileiro de Aspirantes | 18/10/2020 a 21/01/2021 |
Copa do Brasil sub-17 | 25/11/2020 a 31/01/2021 |
Supercopa sub-17 | 11/02/2021 – 1 data |
Supercopa sub-20 | 11/02/2021 – 1 data |
Copa do Nordeste sub-20 | 02/12/2020 a 14/03/2021 |
O diretor de competições da CBF, Manoel Flores, explicou o que a entidade fez para tentar manter a tranquilidade dos clubes num momento tão preocupante do mundo.
– O maior incentivo foi o diálogo constante e permanente com as categorias de base, com os gestores da base. A gente sempre deixou muito claro que era uma determinação do nosso presidente, uma orientação do nosso presidente, que todas as competições seriam entregues. Sejam elas profissionais, de base ou femininas. A comunicação constante fez com que os clubes tivessem a tranquilidade para manter o seu trabalho com a certeza de que as competições seriam entregues em toda a esfera nacional – disse.
Porém, o Movimento dos Clubes Formadores do Futebol Brasileiro (MCFFB) começou a discutir uma solução para que os atletas que atingirão a idade máxima para participar de competições do sub-20 não sejam prejudicados. Segundo o presidente do movimento, Eduardo Freeland, que também é gerente de futebol de base do Flamengo, a ideia é alterar as idades das categorias para que todos possam ter um ano completo de competições de alto nível.
– A pandemia está inibindo os atletas a terem acesso a competições de alto nível. Desde que começaram a jogar futebol, talvez eles nunca tenham ficado tanto tempo inativos. Exceto por lesões. Na prática, qual é a nossa ideia? A proposta seria que o calendário deste ano que seria do sub-20, para a geração 2000, que fosse colocado para o sub-21, para a geração 2000 ainda. Para que ela pudesse ter o seu ano competitivo de uma forma plena, para que pudesse mostrar o seu trabalho, se desenvolver da melhor maneira possível sem esse espaço de 120 dias de inatividade. A ideia é que eles possam performar da melhor maneira possível. Na carona do sub-20, transformado em sub-21, é o sub-17 se transformando em sub-18. Teríamos a geração 2003 podendo ter um calendário com ótimo nível de competição pelo mesmo motivo.
A CBF, porém, não acredita que tal discussão saia do papel.
– Essa é uma discussão que está muito embrionária. Recebemos uma consulta dos gestores da base, algo que merece uma discussão muito ampla. Não há resposta no momento. Merece um estudo aprofundado e é uma discussão muito aprofundada, que envolve Fifa, Conmebol, questão legal, legislação. É algo que merece uma mesa muito ampla de discussão para a gente tomar algum rumo nesse sentido se é que vamos tomar – explicou Manoel Flores, diretor de competições da entidade.
O técnico Rogério Micale, campeão olímpico com a seleção brasileira em 2016, assumiu o sub-20 do Cruzeiro pouco antes da pandemia. Para ele, o ano de 2020 tinha tudo para ter dado bons frutos ao futebol brasileiro.
– A gente costuma produzir muito, e eu tava vendo um cenário muito promissor em 2020 – disse.
Agora é torcer para que o Camilo, o Carlos Eduardo e o Valdenílson possam voltar a brilhar nos gramados brasileiros. (Globo Esporte)