As audiências de custódia, mecanismo pelo qual uma pessoa é levada a um juiz após ser presa, completam cinco anos nesta segunda-feira (24). Iniciadas na gestão do ministro Ricardo Lewandowski a partir de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, e posteriormente confirmadas pelo Judiciário (ADPF 347) e pelo Legislativo (pacote anticrime), é inegável que o instituto se consolidou nas 27 unidades da federação. Já são pelo menos 700 mil audiências que resultaram na concessão de 280 mil liberdades provisórias. No entanto, a desinformação sobre seus objetivos e funcionamento alimentam polarizações prejudiciais à noção de segurança pública eficiente.
Primeiramente, é preciso desarmar o batido chavão “polícia prende, Justiça solta”. É papel da polícia recolher pessoas que cometeram infração. Porém, é dever do Judiciário analisar o contexto em que se deu a prisão, avaliando, segundo as leis, se a pessoa responderá ao processo presa ou em liberdade, ou ainda se a prisão foi executada corretamente. Não é o juiz, e sim nossa Constituição, que determina a liberdade como regra enquanto corre o processo —o que está longe de significar impunidade, pois, se condenada, a pessoa cumprirá a pena devida.
Também exige mais reflexão a afirmação de que as audiências de custódia soltam presos perigosos. Prisões em flagrante raramente alcançam os crimes mais graves, como homicídio e estupro, que em geral demandam tempo e atividade de investigação policial. No Rio de Janeiro, por exemplo, estudo da Defensoria Pública indica que a maioria dos flagrantes envolvem crimes sem violência. Se homicidas e estupradores pouco chegam às audiências de custódia, é fato que não serão colocados em liberdade quando esses crimes venham a acontecer, pois o Judiciário é rigoroso nessas situações, assim como nos casos de reincidência.
Outro tema polêmico, a reincidência pós-audiência de custódia também demanda evidências à luz dos casos que vez ou outra repercutem na imprensa e nas redes sociais. Dados recentes de tribunais do Distrito Federal, de Mato Grosso e do Maranhão, por exemplo, indicam que menos de 15% dos presos em flagrante liberados em audiência de custódia voltam a ser presos. A ideia de que as audiências de custódia incentivam mais crime, igualmente, não se sustenta diante do quadro nacional. Enquanto a redução nas taxas de crimes vem sendo celebrada nos últimos anos, nunca se realizaram tantas audiências de custódia no país, com um aumento de 56% de audiências entre 2017 e 2019.
Para os críticos da audiência de custódia como controle da superlotação carcerária, sugiro uma dose de pragmatismo. Entre 2009 e 2019, 300 mil pessoas ingressaram em nossas prisões, mas apenas 182 mil vagas foram criadas, descompasso que não deve se resolver em um futuro próximo dada a crise fiscal no país. Vale lembrar que a superlotação e as péssimas condições de cumprimento de pena no Brasil foram o gatilho para o surgimento das facções criminosas, e que ao enviarmos pessoas envolvidas em crimes não violentos ao encontro desses grupos, estamos fornecendo mão de obra barata para o crime organizado.
As audiências de custódia, ademais, promovem racionalização do gasto público ao evitarem prisões ilegais ou desnecessárias, uma vez que o custo de manutenção de um preso é, segundo estimativas, de cerca de R$ 3.000 por mês, enquanto a criação de cada nova vaga custaria cerca de R$ 50 mil. Essa afirmação se reforça na evidência de que pelo menos 37% dos presos provisórios acabam soltos após decisão judicial, como já divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Nos Estados Unidos, onde vários estados já adotam o desencarceramento como estratégia de segurança pública, a ideia do “tough on crime” vem sendo substituída pelo conceito “smart on crime”, que preconiza políticas mais eficientes para o controle da criminalidade.
Longe de representarem um risco, as audiências de custódia são um importante passo nesse sentido e, sobretudo, a convicção de uma Justiça presente no país.
*JOSÉ ANTÔNIO DIAS TÓFFOLI é ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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