Mataram mais uma mulher em Cuiabá. Degolada em uma calçada, no meio do dia. Seus últimos minutos de vida antes da facada foram o susto de ser atacada, derrubada, e vários chutes na cara.
O motivo: aquele homem não aceitou que ela terminasse o relacionamento.
Até quando? Quantas? Quem será a próxima? E o que fazer?

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Cuiabá e Mato Grosso, em 2020, tiveram aumento absurdo no índice de feminicídio, quando a mulher morre pela condição de ser mulher. No primeiro semestre, 32 mulheres foram vítimas de feminicídio no Estado, um aumento de 68% se comparado a igual período de 2019, conforme dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp-MT).
Na raiz do crime que tirou a vida dessa moça trabalhadora, dessa pessoa que tinha direito à vida, está o ideário dos velhos papéis masculinos e femininos que culturalmente e até nas normas legais a sociedade cultivava (o homem era a cabeça da relação, só ele decidia quando começar e terminar; ideias como “se não é minha, não é de mais ninguém”, num reforço da figura de homem que não tolera que a outra não lhe obedeça e o abandone.).
Na narrativa dos fatos que antecederam a morte, a mesma história tantas vezes lida: ela tinha medida protetiva. Ele a ameaçava de morte diariamente. Ou seja: o ciclo de violência instalado.
Eis uma tristeza profunda: essa morte que levou embora uma mãe de um filho doente, era um crime evitável. Por quê? Por que essa mulher se socorreu dos serviços públicos de segurança, e tantos outros, para lutar por sua vida.
Ela estava no radar das instituições que trabalham pelo fim da violência. Então, onde falhamos?
Ouso começar a responder. Esse feminicídio é um fato que demonstra que a rede de enfrentamento à violência contra a mulher em Cuiabá, infelizmente,  não está funcionando. A rede de enfrentamento nada mais é que a instalação de um procedimento de união do trabalho dos diversos órgãos responsáveis pelos serviços públicos necessários para assistir as vítimas.
Explico de forma mais clara, para os que não atuam diretamente na área:
Quando se faz a denúncia em uma delegacia, em seguida, normalmente a mulher deve ir ao IML (Instituto Médico Legal), deve fazer entrevista com psicólogo, assistente social (para identificar qual o ponto que a levaria a voltar para o agressor: dependência econômica? Emocional?), pode ser que precise de casa de amparo, e, ao voltar para o seu ambiente, precisa ser monitorada  pela patrulha Maria da Penha, a fim de mostrar ao agressor que há proteção à ela, e ainda, para efetivamente protegê-la. Precisará do Poder Judiciário, da defensoria, do Ministério Público.
Percebem que essa vítima vai transitar por muitos órgãos públicos? Independentemente de serem municipais ou estaduais?
Há exemplos de Estados que zeraram o índice de feminicídio dentre as mulheres que denunciaram agressão de menor gravidade ao fazer com que esses órgãos se comuniquem no acompanhamento da situação dessa vítima. Temos em Mato Grosso o caso de Barra do Garças, cuja rede implantada a “REDE de Frente” é exemplo para o país, e até para a Inglaterra, que mandou sua própria polícia aprender com eles.
O município de Sorriso que batia recordes de feminicídio diminuiu drasticamente esses índices ao instalar o trabalho em REDE.
A rede de enfrentamento funciona. É eficaz para diminuir agressões e feminicídio. Crime que mata mães, esse crime transforma os que eram pais e em criminosos e os coloca na cadeia, e deixa crianças órfãs. Uma chaga social. Uma tragédia diante dos nossos olhos. Por motivo fútil. Um crime tantas vezes evitável.
Então, há uma providência a ser tomada: a instalação da REDE de enfrentamento à violência contra a mulher de Cuiabá. Para isso, Estado e Município precisam trabalhar juntos. A rede já se encontra formalizada. Por esforço direto do TJMT, e pessoal da Desa. Maria Erotides Kneip Duarte, que na época coordenava o CER Mulher.
Porém, a Rede de Cuiabá precisa sair do papel, e todos os agentes e representantes dos órgãos envolvidos, no Estado e município, devem receber a determinação (vinda dos chefes dos dois executivos) de sentarem juntos, e imediatamente fazer funcionar esse, que é basicamente um mecanismo de comunicação. Não demanda investimento de dinheiro. Depende de trabalharmos juntos.
Não faz sentido todos os equipamentos públicos instalados, sem comunicarem-se, e mulheres morrendo.
Já é tarde para a empregada que terminou uma relação, e morreu chutada e esfaqueada no meio da rua. Mas não é tarde para tantas mulheres cuiabanas.
Até quando? Enquanto não exigirmos que todo o aparato contra a violência funcione. Enquanto não mudarmos a cultura.
Precisamos da Rede.

 *GLÁUCIA ANNE KELLY RODRIGUES DO AMARAL é procuradora do Estado de Mato Grosso e presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.

CONTATO:                  www.facebook.com/glaucia.amaral