Triste Mato Grosso. Violento Mato Grosso. Mais triste e violento ainda com o bárbaro assassinato do advogado e ex-presidente da OAB-MT, o veterano Renato Gomes Nery, também empresário, também um ativo colaborador da imprensa mato-grossense, na condição de incansável articulista. Recentemente, resolvera embarcar em ferozes disputas judiciais pela terra neste vasto e cada vez mais rico interior de Mato Grosso. Certamente que a investigação policial lançará seu olhar sobre os adversários com os quais Nery teve que duelar, nos processos e fora deles, nessa nossa vida real, cotidiana, mato-grossense, e sempre tão violenta.

A amiga Regina Mandapulão me conta que um dos destaques do Jornal Hoje, da monopolista Rede Globo, neste sábado (6.7) foi justamente o assassinato de Renato Gomes Nery, 72 anos, na porta do seu escritório, na Avenida Fernando Corrêa da Costa, a mais movimentada de Cuiabá. Subi muitas vezes as escadarias daquele escritório, para participar de reuniões da OAB Democrática, articulação de oposição aos conservadores que tomaram conta da Ordem, depois que Renato Nery lá esteve como presidente.

Foram sete tiros, alguns deles na cabeça, o que acabou produzindo a morte do Renato, apesar dos esforços médicos no antigo Hospital Jardim Cuiabá. Fiquei me perguntando por que não levaram o ferido para a Sala Vermelha do Hospital Municipal e Pronto Socorro de Cuiabá? Esse é certamente um caso com muitas coisas a esclarecer. Mas esse cordial Renato Nery acabar assim tão atirado é certamente um escândalo que mostra o tamanho do escândalo que continua sendo a vida em Mato Grosso, submetida há muitos anos ao poder do Agronegócio, desde que Dante de Oliveira, um antigo simpatizante da cartilha revolucionária do MR-8, convertido ao neoliberalismo, resolveu privatizar muitas das estruturas do Estado e favorecer a arremetida dos ruralistas sobre o poder em nosso território.

Apresentado por Zileide Silva, a reportagem de sábado, na Globo destacou que Renato Nery recebeu os balaços quando estava chegando em seu escritório na Fernando Côrrea. Renato salta do carro, caminha por alguns metros e para para olhar o celular, esse vício da contemporaneidade. Segundos depois, ele é baleado e cai na calçada, segundo o relato da televisão. Mais um advogado baleado, vítima de atentado, tal qual acontecera com o advogado Roberto Zampieri, vítima de emboscada semelhante, exatamente sete meses antes, como relembra o Olhar Direto.

Zampieri foi atacado em 5 de dezembro de 2023 e Renato Nery agora no dia 5 de julho de 2024, ambos chegando na porta de seus escritórios. Triste sina da advocacia mato-grossense. Advogados abatidos a tiro, a demonstrar que nosso Judiciário não tem sido bastante para aparar as arestas e pacificar os interesses em conflitos, notadamente nas ricas zonas rurais produtoras de Mato Grosso.

O coronel do Exército Brasileiro Etevaldo Luiz Caçadini de Vargas foi preso, suspeito de financiar a morte de Zampieri. O atentado contra Nery, tão chocante, tão recente, segue mergulhado em mistério. Um crime que aconteceu ainda há pouco, é como se o sangue do Renato Nery ainda encharcasse as calçadas da Fernando Corrêa, do outro lado da rua, em frente à Trescinco, em frente ao Supermercado Assaí.

Em entrevista à Globo, Bruno Abreu, delegado escalado para esclarecer o caso, garantiu que apenas um atirador atuou nessa execução. Um atirador que revive de forma sangrenta, nas ruas de Cuiabá, as práticas assassinas da dupla de ex-policiais, o cabo PM Hércules Araújo Agostinho e o soldado PM Célio Alves de Souza, que tocavam o terror em Cuiabá, no início dos anos 2000 e acabaram condenados a pesadas penas, que superam os 100 anos de prisão, depois que se descobriu, pela ação do Ministério Público Estadual e pelas decisões da Justiça, que matavam para a quadrilha então comandada pelo Comendador Arcanjo.

Com esses dois bárbaros assassinatos de advogados, vítimas de emboscadas em ruas movimentadas de Cuiabá, o que se constata é que pouca coisa mudou quando se fala em criminalidade em nossa capital, por mais que a atual gestão do governador Mauro Mendes (UL) tente fazer crer que a criminalidade estaria sobre controle. Não adianta o governador pagar matérias, como se especula, no Pânico, no Roda Viva, para tentar traçar um cenário de paz para o Estado e para o Brasil, quando o que se vê é que o poder das armas de repetição continua muito forte nessa rica periferia do Brasil.

Evidentemente que queremos ver tudo em pratos limpos. No assassinato de Zampieri, já foi anunciada a identificação de mandantes e executantes, mas o impacto de revelações que estariam contidas no celular do advogado assassinado ainda inquietam muita gente e já serviram para tirar o sossego da vida do juiz Wlademir Perri, nas mãos de quem as investigações foram parar, inicialmente.

Ora, ora, o temor que aparece nas entrelinhas é que o “perigoso” celular contenha informações explosivas sobre a relação de Zampieri com algumas das autoridades do Poder Judiciário de Mato Grosso. O que só serve para ampliar a angústia dos cidadãos dessa terra de Marlboro, ao ler o noticiário regional.

É terrível a gente imaginar e temer que tenhamos um Judiciário que, através de suas múltiplas facetas, flerta com o crime e sobre qual o poder de fiscalização é tão frágil, tão reduzido, notadamente quando se sabe de histórias de pretensas vendas de sentenças sendo sussurradas à boca pequena e envolvendo sempre interesses financeiros volumosos. Casos em que as disputas agrárias aparecem sempre em destaque.

Não esquecer que, antes de Zampieri e Nery, já tivemos aqui mesmo em Mato Grosso, o brutal desaparecimento do magistrado Leopoldino Marques do Amaral, que denunciara e fora denunciado por corrupção no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, e cujo corpo acabou por aparecer carbonizado em uma distante ravina em um apagado e esquecido povoado lá do Paraguai. Leopoldino também era ativo articulista na imprensa cuiabana. Publicava um artigo todo domingo, durante anos, no Diário de Cuiabá.  Acabou carbonizado. Queimado. O horror! O horror! Uma forma monstruosa de execução.

Em memória de Renato Gomes Nery, um pensador tão inquieto, é vital, todavia, que tenhamos a coragem que trabalhar, todos nós que temos a possibilidade de investigar, e principalmente a Polícia e o Ministério Público, para que tudo se ponha em pratos limpos. Todos  esses crimes não podem ficar impunes. Assassinos e mandantes devem ser identificados, punidos.

Há que se resistir e lutar para que o crime não se faça poder maior, hegemônico, em Mato Grosso. Silval e Pedro Nadaf confessaram e uma ousada quadrilha criminosa foi afastada, ainda que parcialmente, do controle da máquina do Estado. Zé Geraldo Riva confessou e nos livramos, ainda que parcialmente, de uma quadrilha que durante anos dominara o Parlamento estadual. Conseguiu-se também identificar e punir grupos de policiais que haviam se colocado a serviço do crime organizado.

Mas olhem em volta, o mar de violências não se acalmou. Agora são advogados com vistosos colarinhos brancos que também são atirados e jogados na sarjeta. Não faz muito tempo, tivemos em Cuiabá um jornalista, Alexandre Aprá, ameaçado de morte pelo simples fato de atuar incansavelmente como jornalista.

Todos nos devemos sentir ameaçados, e sentir ameaçado o futuro de nossos filhos e netos, se não formos competentes e ágeis para fazer valer a Lei e a Ordem.

*ENOCK CAVALCANTI DA SILVA  71, jornalista, é editor do blogue PAGINA DO ENOCK, editado a partir de Cuiabá, MT, desde o ano de 2009.

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Advogado Renato Gomes Nery foi brutalmente assassinado, a tiros, na porta do seu escritório (Fotos: Álbum de Família)