Na América do Sul, a parte que foi a América portuguesa durante três séculos, depois o Império brasileiro e é hoje a República do Brasil, contém 20% de toda a água doce superficial da terra. Uns 80% desse volume fica na Amazônia (principalmente a brasileira), e porção significativa do restante fica na bacia Platina, também em grande porção no Brasil. Mas o estoque hídrico brasileiro não é apenas de águas superficiais: 70% do aquífero Botucatu/Guarani, um dos maiores do mundo, com área subterrânea de quase 1,2 milhão de quilômetros quadrados, está em território brasileiro.

A região Norte e a região Centro-Oeste, onde está o Estado de Mato Grosso, têm juntas 84,2% das reservas de águas brasileiras. Em 1995 as cidades ocupavam 2% da superfície terrestre, mas consumiam 60% da água potável do planeta, com isso desencadeando impactos ambientais indiscutíveis. É o que presenciamos hoje, principalmente com a falta de água em residências brasileiras.

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Por incluir “a captação, o tratamento, o armazenamento, a distribuição, o consumo, o uso e os efluentes domésticos ou resíduos líquidos (esgotos domésticos) e sólidos (os lixos) ” da água, sem excluir, é claro, “o controle da água” como “estratégia de poder”, conforme afirma a historiadora Denise Bernuzzi Santana. Afinal o ato de abrir uma torneira de água representa um grande ato de poder, principalmente, em nossos dias e, onde os políticos usam essa estratégia sem nenhum pudor para conquistar votos.

Uma questão importante é a da suposta inexistência de políticas públicas voltadas para os cuidados com os corpos de colonos e cidadãos, em situação urbana, antes da segunda metade do século XIX, em relação ao uso dessas águas.

Estudos recentes têm mostrado vários exemplos de políticas públicas materializadas em legislação e práticas administrativas voltadas para a saúde e higiene dos moradores de ambientes urbanos durante o século XVIII e primeira metade do século XIX. Tento integrar aqui alguns resultados desses estudos.

No século XVIII a ingestão de água potável era observada de perto por médicos e cirurgiões, que consideravam, por exemplo, os perigos de: (…) estando suado, beber muita água fria (…) ou levantando-se de algum ato venéreo, que é ajuntamento com mulher, tendo então os poros abertos, e por isso perigosíssimo (…) ou acabando de fazer algum serviço (…) se lavar ou fartar de água fria.

As relações citadinas com a água potável compõem um longo processo. Em Londres, por exemplo, a água em 1809 era armazenada, na maior parte da cidade, apenas nos porões das moradias. Em certos bairros, a água só podia ser distribuída três dias por semana. Embora os canos de ferro já tivessem aparecido em 1746, não foram muito usados, até que uma lei especial, na Inglaterra, em 1817, determinou que todos os novos encanamentos fossem construídos de ferro, dentro de 10 anos. A partir de 1830 foram introduzidos, para os grupos econômicos médios e superiores, o encanamento de ferro, a privada foi aperfeiçoada, a iluminação e o fogão a gás, a banheira com encanamento de água e drenos fixos, redes de distribuição coletiva de água, contendo água corrente ao alcance de todas as casas e um sistema coletivo coletor de esgoto, conforme afirma a historiadora Maria Stella Martins Bresciani.

Hoje, vivemos o dilema da existência da água e a lavagem das mãos nas cidades brasileiras diante de um vírus que mata tanta gente e, que o seu principal tratamento é lavar as mãos com água e sabão. E a população que não possui esse bem em mãos o que fazer? E as políticas públicas voltadas para a obtenção dessa água, como obter? De igual ao tratamento do esgoto e dos lixos urbanos? Assistimos a cada minuto essa realidade e não temos meios para conseguir esse produto vital de imediato, em pleno século XXI.

Necessário se faz que os governantes priorizem em suas políticas públicas de “bem governar”, o Saneamento Básico no Brasil, nas cidades, nos bairros e, principalmente nas periferias delas, principalmente para o bem da humanidade, afinal somos 70% parte dessa água e o meio ambiente é a nossa vida.

Antes, as obras públicas, nos ambientes urbanos expressavam as necessidades e interesses de moradores mais ricos. Por isso se concentravam nos espaços ocupados por eles, até as primeiras décadas do século XIX, quando geralmente eram situados no centro de vilas e cidades, ou bem próximos a esse centro, não diferindo muito dos tempos atuais.

Essa distribuição espacial era produzida e expressava as diferenças e os conflitos próprios da heterogeneidade social, igual aos atuais dias.

Mas, em meio a isso tudo, houve e há formas várias de apropriação de parcelas desses privilégios, por parte de moradores mais pobres, e, no período aqui em foco, por parte de pessoas alforriadas e mesmo de pessoas escravizadas. Neste, como em outros aspectos da vida em sociedade, alianças e confrontos ocorrem simultaneamente, em busca dessa água.

A Coroa portuguesa, entre os séculos XVI e XVIII, manteve a herança dos tratadistas do Renascimento quanto às concepções de bons lugares para a edificação de ambientes urbanos: ter em conta a existência de boas águas, o que chamamos hoje de redes de abastecimento de água. Já as determinações régias para fundação de vila na Bahia, no século XVI, frisavam a necessidade de se escolher lugar com abastança de águas.

No século XVIII, já se consolidara o abastecimento público de água potável e se fazia por meio de fontes, poços públicos, bicas e chafarizes e a administração portuguesa determinava que a captação e a distribuição de água fossem de responsabilidade de cada vila. Atualmente esses sistemas estão municipalizados ou privatizados e, por parte da população, ainda, sofre com a sua falta.

Algumas vezes, em determinadas vilas, ocorria o abastecimento de água potável por meio da captação direta num rio bem próximo ao espaço urbano. Isso, se por um lado facilitava o acesso à água, por outro, podia ser prejudicial à saúde dos moradores. É a falta da coleta e do tratamento de esgoto desembocando nos rios e contaminando as águas. Cuiabá está inserido nessa realidade. Oh! Quanta falta nos faz as praias de água doce cuiabanas destruídas pelas poluições do Cuiabá e do Coxipó.

Em fins do século XVIII eram comuns as observações sobre o risco de as águas dos rios serem más, para ingestão direta. De um lado, por processos naturais: as enxurradas das águas, que escorrem das serras das cabeceiras dos rios, arrastam consigo as diversas substâncias térreas, salinas e metálicas, de que abundam as mesmas terras. (…) e os que as bebem por costume logo que as tiram dos rios, sem esperar que assentassem nos potes, de um para outro dia, depõem no ventrículo, de cada vez que as bebe, um sedimento viciado, o qual obstruindo os orifícios dos pequenos vasos anuncia pelos clorosis à obstrução que todo mundo sabe, que é como um seminário de outras queixas em que degenera, como são as palpitações de coração, as cardialgias, a icterícia, a hidropisia, a cahexia etc. (…) Aqueles que mais cuidado têm da conservação da sua saúde, jamais bebem outra água, que não seja a que é tirada do meio do rio, onde a correnteza é mais rápida e onde pelo conseguinte não param as imundícies que param nas margens (…). Não contentes com esta precaução, os que são mais escrupulosos filtram a água por um pano fino, ou a purificam das impurezas mediante o alúmen, com que as precipitam para o fundo.

Mas, por outro lado, também pela formação de ambientes urbanos, com o adensamento de população e de atividades (açougues), curtumes, fornos de cal, azougue usado em mineração ou fundição, sementes de algodão e cascas de arroz, ausência de esgotos, diário despejo de dejetos em córregos e rios e, enfim, lavagem de roupas, inclusive de doentes e banhos no rio, – tudo isso contribuía para prejudicar a qualidade das águas fluviais e, hoje, somam-se a isso, a contribuição dos grandes edifícios e condomínios que soterram, matam e poluem as nossas fontes.

O serviço padrão de abastecimento urbano de água potável nas vilas e nas cidades coloniais incluía aquedutos de variadas formas construtivas e a distribuição por chafarizes, sendo o primeiro construído em 1723, na cidade do Rio de Janeiro, no atual Largo da Carioca, com água doce captada no rio Carioca e a ele trazida por aqueduto, espalhando o modelo para outras vilas e cidades coloniais. Por volta de 1750 o Rio de Janeiro teve seu segundo chafariz, na praça fronteira ao convento do Carmo, “de pedra de liós”, pré-fabricado em Lisboa. Este segundo chafariz vinha sendo proposto pela Câmara do Rio desde 1732.

Em São Paulo, chafarizes datam de pelo menos os anos 1740, com detalhes construtivos como os abaixo: (…) 1744 (…) fatura de uma fonte com cano de pedra de cantaria, feita com toda a segurança, pelo preço de quatrocentos mil réis (…). (…) seria aterrado o sítio com capacidade de ficar vistosa a fonte que teria doze palmos (2,64m) em quadra, de chão lajeado, duas pias boas, duas bicas de pedra e ainda com frontispício, também de doze palmos em quadra, com sua cimalha bem-feita, com pirâmides e cruz, tudo de cantaria, de boa pedra.

Na vila e depois cidade de Meia Ponte, Capitania, depois Província de Goiás existiram três chafarizes, constantemente reparados, “pontos de relevância dentro da cidade colonial, por significarem abastecimento de água limpa e, simultaneamente, figurarem-se como locais de sociabilidade, principalmente dos escravos”.

Chafarizes que, como equipamentos urbanos decisivos, expressavam também complexidades da sociedade escravista: O chafariz, ao tornar a água produto de consumo coletivo sui generis e serviço urbano básico, ao exigir o encontro de classes, cria um lugar especial de construção da identidade, denunciado pelas disputas de preferência. Desconhecia-se o expediente da fila que iguala as diferenças, vivia-se o momento de transição entre o ‘tratamento desigual dos desiguais’ para o ‘tratamento igual dos desiguais, conforme os edificados em Cuiabá, à época.

A construção de chafarizes e aquedutos foi importante como novo sistema de abastecimento público de água potável, em sequência ao das fontes e bicas com que coexistiram. Ambos os sistemas resultavam da ação pública das câmaras sediadas nas vilas e cidades, a exemplo da Caixa d´Água Velha.

Eram importantes os governos municipais, locais, as Câmaras, Conselhos ou Senados. Suas políticas públicas, seus serviços públicos, marcavam a qualidade possível da vida urbana, em especial o suprimento de água potável. As câmaras produziam e mantinham sistemas municipais de distribuição/suprimento de água potável na América portuguesa, hoje administradas pelos municípios em muitas cidades brasileiras, os quais devem ficar atentos para o saneamento básico da sua cidade.

É uma preocupação, até porque, conforme o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), estudo recente analisou a água de esgoto do aeroporto de Amsterdam, depois do primeiro caso do coronavirus ser diagnosticado na cidade, e encontrou o vírus presente nas amostras de água coletada. Esse achado pode ser explicado pela excreção do vírus por pré-sintomáticos, assintomáticos e potenciais sintomáticos que passaram pelo aeroporto. A presença do vírus pode levar à transmissão fecal-oral, conforme verificado nos casos de outros vírus.

Semelhante, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou que um estudo seu encontrou a presença do coronavírus em águas do esgoto da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. Ainda assim, os cientistas disseram que não é possível afirmar se água das redes de esgoto teria capacidade de transmitir a doença.

De igual, pesquisa inédita identificou a presença do novo coronavírus no esgoto despejado no Ribeirão Arrudas e no Ribeirão do Onça, em Belo Horizonte e Contagem (MG). As coletas foram realizadas entre 13 a 24 de abril, o vírus causador da Covid-19 foi encontrado em oito das 26 amostras examinadas, equivalente a 31%.

Assim, devemos o mais rápido possível priorizar o saneamento básico no Brasil e, principalmente em Mato Grosso e Cuiabá. Água é vida e dependemos dela para tudo e, o esgoto deve ter o seu caminho certo, após coleta e tratamento. Quem venham políticas públicas para o setor. O meio ambiente e as nossas crianças agradecem!

Na América do Sul, a parte que foi a América portuguesa durante três séculos, depois o Império brasileiro e é hoje a República do Brasil, contém 20% de toda a água doce superficial da terra. Uns 80% desse volume fica na Amazônia (principalmente a brasileira), e porção significativa do restante fica na bacia Platina, também em grande porção no Brasil. Mas o estoque hídrico brasileiro não é apenas de águas superficiais: 70% do aquífero Botucatu/Guarani, um dos maiores do mundo, com área subterrânea de quase 1,2 milhão de quilômetros quadrados, está em território brasileiro.

A região Norte e a região Centro-Oeste, onde está o Estado de Mato Grosso, têm juntas 84,2% das reservas de águas brasileiras. Em 1995 as cidades ocupavam 2% da superfície terrestre, mas consumiam 60% da água potável do planeta, com isso desencadeando impactos ambientais indiscutíveis. É o que presenciamos hoje, principalmente com a falta de água em residências brasileiras.

Por incluir “a captação, o tratamento, o armazenamento, a distribuição, o consumo, o uso e os efluentes domésticos ou resíduos líquidos (esgotos domésticos) e sólidos (os lixos) ” da água, sem excluir, é claro, “o controle da água” como “estratégia de poder”, conforme afirma a historiadora Denise Bernuzzi Santana. Afinal o ato de abrir uma torneira de água representa um grande ato de poder, principalmente, em nossos dias e, onde os políticos usam essa estratégia sem nenhum pudor para conquistar votos.

Uma questão importante é a da suposta inexistência de políticas públicas voltadas para os cuidados com os corpos de colonos e cidadãos, em situação urbana, antes da segunda metade do século XIX, em relação ao uso dessas águas.

Estudos recentes têm mostrado vários exemplos de políticas públicas materializadas em legislação e práticas administrativas voltadas para a saúde e higiene dos moradores de ambientes urbanos durante o século XVIII e primeira metade do século XIX. Tento integrar aqui alguns resultados desses estudos.

No século XVIII a ingestão de água potável era observada de perto por médicos e cirurgiões, que consideravam, por exemplo, os perigos de: (…) estando suado, beber muita água fria (…) ou levantando-se de algum ato venéreo, que é ajuntamento com mulher, tendo então os poros abertos, e por isso perigosíssimo (…) ou acabando de fazer algum serviço (…) se lavar ou fartar de água fria.

As relações citadinas com a água potável compõem um longo processo. Em Londres, por exemplo, a água em 1809 era armazenada, na maior parte da cidade, apenas nos porões das moradias. Em certos bairros, a água só podia ser distribuída três dias por semana. Embora os canos de ferro já tivessem aparecido em 1746, não foram muito usados, até que uma lei especial, na Inglaterra, em 1817, determinou que todos os novos encanamentos fossem construídos de ferro, dentro de 10 anos. A partir de 1830 foram introduzidos, para os grupos econômicos médios e superiores, o encanamento de ferro, a privada foi aperfeiçoada, a iluminação e o fogão a gás, a banheira com encanamento de água e drenos fixos, redes de distribuição coletiva de água, contendo água corrente ao alcance de todas as casas e um sistema coletivo coletor de esgoto, conforme afirma a historiadora Maria Stella Martins Bresciani.

Hoje, vivemos o dilema da existência da água e a lavagem das mãos nas cidades brasileiras diante de um vírus que mata tanta gente e, que o seu principal tratamento é lavar as mãos com água e sabão. E a população que não possui esse bem em mãos o que fazer? E as políticas públicas voltadas para a obtenção dessa água, como obter? De igual ao tratamento do esgoto e dos lixos urbanos? Assistimos a cada minuto essa realidade e não temos meios para conseguir esse produto vital de imediato, em pleno século XXI.

Necessário se faz que os governantes priorizem em suas políticas públicas de “bem governar”, o Saneamento Básico no Brasil, nas cidades, nos bairros e, principalmente nas periferias delas, principalmente para o bem da humanidade, afinal somos 70% parte dessa água e o meio ambiente é a nossa vida.

Antes, as obras públicas, nos ambientes urbanos expressavam as necessidades e interesses de moradores mais ricos. Por isso se concentravam nos espaços ocupados por eles, até as primeiras décadas do século XIX, quando geralmente eram situados no centro de vilas e cidades, ou bem próximos a esse centro, não diferindo muito dos tempos atuais.

Essa distribuição espacial era produzida e expressava as diferenças e os conflitos próprios da heterogeneidade social, igual aos atuais dias.

Mas, em meio a isso tudo, houve e há formas várias de apropriação de parcelas desses privilégios, por parte de moradores mais pobres, e, no período aqui em foco, por parte de pessoas alforriadas e mesmo de pessoas escravizadas. Neste, como em outros aspectos da vida em sociedade, alianças e confrontos ocorrem simultaneamente, em busca dessa água.

A Coroa portuguesa, entre os séculos XVI e XVIII, manteve a herança dos tratadistas do Renascimento quanto às concepções de bons lugares para a edificação de ambientes urbanos: ter em conta a existência de boas águas, o que chamamos hoje de redes de abastecimento de água. Já as determinações régias para fundação de vila na Bahia, no século XVI, frisavam a necessidade de se escolher lugar com abastança de águas.

No século XVIII, já se consolidara o abastecimento público de água potável e se fazia por meio de fontes, poços públicos, bicas e chafarizes e a administração portuguesa determinava que a captação e a distribuição de água fossem de responsabilidade de cada vila. Atualmente esses sistemas estão municipalizados ou privatizados e, por parte da população, ainda, sofre com a sua falta.

Algumas vezes, em determinadas vilas, ocorria o abastecimento de água potável por meio da captação direta num rio bem próximo ao espaço urbano. Isso, se por um lado facilitava o acesso à água, por outro, podia ser prejudicial à saúde dos moradores. É a falta da coleta e do tratamento de esgoto desembocando nos rios e contaminando as águas. Cuiabá está inserido nessa realidade. Oh! Quanta falta nos faz as praias de água doce cuiabanas destruídas pelas poluições do Cuiabá e do Coxipó.

Em fins do século XVIII eram comuns as observações sobre o risco de as águas dos rios serem más, para ingestão direta. De um lado, por processos naturais: as enxurradas das águas, que escorrem das serras das cabeceiras dos rios, arrastam consigo as diversas substâncias térreas, salinas e metálicas, de que abundam as mesmas terras. (…) e os que as bebem por costume logo que as tiram dos rios, sem esperar que assentassem nos potes, de um para outro dia, depõem no ventrículo, de cada vez que as bebe, um sedimento viciado, o qual obstruindo os orifícios dos pequenos vasos anuncia pelos clorosis à obstrução que todo mundo sabe, que é como um seminário de outras queixas em que degenera, como são as palpitações de coração, as cardialgias, a icterícia, a hidropisia, a cahexia etc. (…) Aqueles que mais cuidado têm da conservação da sua saúde, jamais bebem outra água, que não seja a que é tirada do meio do rio, onde a correnteza é mais rápida e onde pelo conseguinte não param as imundícies que param nas margens (…). Não contentes com esta precaução, os que são mais escrupulosos filtram a água por um pano fino, ou a purificam das impurezas mediante o alúmen, com que as precipitam para o fundo.

Mas, por outro lado, também pela formação de ambientes urbanos, com o adensamento de população e de atividades (açougues), curtumes, fornos de cal, azougue usado em mineração ou fundição, sementes de algodão e cascas de arroz, ausência de esgotos, diário despejo de dejetos em córregos e rios e, enfim, lavagem de roupas, inclusive de doentes e banhos no rio, – tudo isso contribuía para prejudicar a qualidade das águas fluviais e, hoje, somam-se a isso, a contribuição dos grandes edifícios e condomínios que soterram, matam e poluem as nossas fontes.

O serviço padrão de abastecimento urbano de água potável nas vilas e nas cidades coloniais incluía aquedutos de variadas formas construtivas e a distribuição por chafarizes, sendo o primeiro construído em 1723, na cidade do Rio de Janeiro, no atual Largo da Carioca, com água doce captada no rio Carioca e a ele trazida por aqueduto, espalhando o modelo para outras vilas e cidades coloniais. Por volta de 1750 o Rio de Janeiro teve seu segundo chafariz, na praça fronteira ao convento do Carmo, “de pedra de liós”, pré-fabricado em Lisboa. Este segundo chafariz vinha sendo proposto pela Câmara do Rio desde 1732.

Em São Paulo, chafarizes datam de pelo menos os anos 1740, com detalhes construtivos como os abaixo: (…) 1744 (…) fatura de uma fonte com cano de pedra de cantaria, feita com toda a segurança, pelo preço de quatrocentos mil réis (…). (…) seria aterrado o sítio com capacidade de ficar vistosa a fonte que teria doze palmos (2,64m) em quadra, de chão lajeado, duas pias boas, duas bicas de pedra e ainda com frontispício, também de doze palmos em quadra, com sua cimalha bem-feita, com pirâmides e cruz, tudo de cantaria, de boa pedra.

Na vila e depois cidade de Meia Ponte, Capitania, depois Província de Goiás existiram três chafarizes, constantemente reparados, “pontos de relevância dentro da cidade colonial, por significarem abastecimento de água limpa e, simultaneamente, figurarem-se como locais de sociabilidade, principalmente dos escravos”.

Chafarizes que, como equipamentos urbanos decisivos, expressavam também complexidades da sociedade escravista: O chafariz, ao tornar a água produto de consumo coletivo sui generis e serviço urbano básico, ao exigir o encontro de classes, cria um lugar especial de construção da identidade, denunciado pelas disputas de preferência. Desconhecia-se o expediente da fila que iguala as diferenças, vivia-se o momento de transição entre o ‘tratamento desigual dos desiguais’ para o ‘tratamento igual dos desiguais, conforme os edificados em Cuiabá, à época.

A construção de chafarizes e aquedutos foi importante como novo sistema de abastecimento público de água potável, em sequência ao das fontes e bicas com que coexistiram. Ambos os sistemas resultavam da ação pública das câmaras sediadas nas vilas e cidades, a exemplo da Caixa d´Água Velha.

Eram importantes os governos municipais, locais, as Câmaras, Conselhos ou Senados. Suas políticas públicas, seus serviços públicos, marcavam a qualidade possível da vida urbana, em especial o suprimento de água potável. As câmaras produziam e mantinham sistemas municipais de distribuição/suprimento de água potável na América portuguesa, hoje administradas pelos municípios em muitas cidades brasileiras, os quais devem ficar atentos para o saneamento básico da sua cidade.

É uma preocupação, até porque, conforme o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), estudo recente analisou a água de esgoto do aeroporto de Amsterdam, depois do primeiro caso do coronavirus ser diagnosticado na cidade, e encontrou o vírus presente nas amostras de água coletada. Esse achado pode ser explicado pela excreção do vírus por pré-sintomáticos, assintomáticos e potenciais sintomáticos que passaram pelo aeroporto. A presença do vírus pode levar à transmissão fecal-oral, conforme verificado nos casos de outros vírus.

Semelhante, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou que um estudo seu encontrou a presença do coronavírus em águas do esgoto da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. Ainda assim, os cientistas disseram que não é possível afirmar se água das redes de esgoto teria capacidade de transmitir a doença.

De igual, pesquisa inédita identificou a presença do novo coronavírus no esgoto despejado no Ribeirão Arrudas e no Ribeirão do Onça, em Belo Horizonte e Contagem (MG). As coletas foram realizadas entre 13 a 24 de abril, o vírus causador da Covid-19 foi encontrado em oito das 26 amostras examinadas, equivalente a 31%.

Assim, devemos o mais rápido possível priorizar o saneamento básico no Brasil e, principalmente em Mato Grosso e Cuiabá. Água é vida e dependemos dela para tudo e, o esgoto deve ter o seu caminho certo, após coleta e tratamento. Quem venham políticas públicas para o setor. O meio ambiente e as nossas crianças agradecem!

*NEILA MARIA DE  SOUZA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História. É membro da Academia Mato-Grossense de Letras (AML).
E-MAIL:    neila.barreto@hotmail.com

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