Apresentado no último sábado, o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol destrincha as 44 ocorrências racistas em jogos envolvendo brasileiros em 2018. O principal alvo são os atletas: foram 25 vítimas. O quadro de arbitragem aparece como alvo de insultos em três ocorrências, e nem mesmo os policiais escapam. No jogo entre Corinthians e Independiente, pela Libertadores de 2018, o atacante Silvio Romero foi acusado de proferir insultos racistas contra o Cabo J. Carlos. O caso é um dos relatos que fazem os argentinos liderarem as ofensas racistas contra brasileiros, em competições Sul-Americanas. Ao todo foram oito casos, sendo seis em partidas disputadas no país vizinho e dois no Brasil. Quando consideramos apenas os casos provocados por brasileiros, em todos os estádios do país, são 16 episódios. São Paulo lidera o ranking dos estados, com quatro ocorrências.
Considerando os 29 casos ocorridos em estádios de futebol, 13 deles foram cometidos em competições controladas pela Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL). São oito provocados por argentinos, três por uruguaios, um por paraguaio e um na Bolívia. Em torneios brasileiros o número aponta para 16 ocorrências.
Em abril de 2018, a torcida do Boca Juniors imitou macacos em direção aos torcedores do Palmeiras, na vitória do clube paulista por 2 a 0, na Bombonera. Outro caso emblemático ocorreu em São Januário, durante o empate em 1 a 1 entre Vasco e Racing, quando torcedores do clube argentino atiraram bananas em direção aos vascaínos. Os casos, que ocorreram durante a Libertadores de 2018, não tiveram qualquer registro de punição aos envolvidos.
– O que chama a atenção na maioria dos casos é o silenciamento dos atletas. O atleta denuncia a primeira vez e dificilmente ele quer falar outra vez sobre o incidente. Dificilmente ele quer fazer falas de conscientização. Esse silenciamento me chama a atenção. É preciso termos uma rede de proteção para o atleta que denunciar – disse o pesquisador Marcelo Carvalho, idealizador do relatório anual.
Quando o recorte da análise são os clubes brasileiros, onze estados aparecem com incidência de casos racistas. Em 2018, São Paulo lidera a estatística, com quatro ocorrências, seguido de Rio de Janeiro e Mato Grosso, com dois cada uma. Se considerarmos o acumulado nos cinco relatórios apresentados, desde 2014, o Rio Grande do Sul aparece com 27 ocorrências. São Paulo, com 17, e Minas Gerais, com nove, completam o ranking dos três primeiros.
Clubes intensificam campanhas contra o racismo
Os elevados números e a orientação do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, de punir os clubes em caso de ofensas discriminatórias nos estádios, fizeram com que os clubes intensificassem campanhas para conscientização dos torcedores. Com histórico na luta contra o racismo, o Vasco aproveitou o lançamento do uniforme, em abril deste ano, para destacar a origem do clube e o combate à discriminação. Em junho, foi a vez de Bahia e Grêmio darem enfase à causa. Em parceria com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, os clubes entraram para a partida da sétima rodada do Brasileiro com camisas que estampavam a marca da ação contra o racismo, que depois foram leiloadas em prol da causa.
Bahia e Grêmio se unem em campanha contra o racismo — Foto: Divulgação / EC Bahia
O próprio relatório anual contou com a parceria de um clube: o Internacional. O clube gaúcho abriu as portas do Conselho Deliberativo para a apresentação do documento.
– Temos uma preocupação grande com quem vive o Internacional. O trabalho em conjunto ao Observatório é muito importante para que possamos continuar alinhados, de maneira não esporádica, mas sim perene, ao combate a todo tipo de intolerância, fazendo do nosso Clube um ambiente cada vez mais humano – disse o primeiro vice-presidente, João Patrício Herrmann, na ocasião.
Vale destacar que desde a paralisação para a Copa América (entre 14 de junho a 7 de julho), o STJD notificou os clubes sobre possíveis punições em casos de discriminação, que vão desde multa a perda de pontos. Para isso, usou como base o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.
Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
Punições possíveis em caso de atos discriminatórios
Suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do numero de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do numero de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de pratica desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente.
§2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada a entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Globo Esporte)