Num ano onde as temperaturas em Mato Grosso superam recordes – além da baixa umidade do ar, que torna a vida cotidiana no Estado ainda mais penosa -, o pedido de prisão de 12 pessoas na 6ª fase da Operação Polygunum revela que as áreas que tiveram os dados alterados na Sema-MT foram alvo de queimadas ilegais. A informação consta no decreto de prisão temporária de 12 pessoas, entre servidores públicos, engenheiros e produtores rurais, cumpridos na última segunda-feira (16).
Entre os servidores da Sema-MT, foram alvos das diligências os analistas ambientais Ronnky Chaell Braga da Silva, Alessandro Pontes Gomes, Carlos Vitor T. R. Junior, Juelson do Espírito Santo Santo Brandão, Roberto Passos de Oliveira e Maurílio Evanildo Vilas Boas.
Além dos analistas ambientais, também foi preso o ex-servidor comissionado Heverton Neves Rodrigues de Amorim, e o técnico de meio ambiente Roberto Correa de Arruda. Todos, porém, já tiveram as prisões revogadas e se encontram livres.
O esquema investigado na operação Polygunum consistia na mudança da classificação fitofisionômica de áreas que seriam utilizadas no agronegócio ou na mineração, por exemplo. De acordo com o código florestal, todo imóvel rural deve manter um espaço destinado a chamada “reserva legal”.
Se o imóvel está localizado na Amazônia Legal – uma área que abrange 5 milhões de quilômetros quadrados, e que está presente em nove Estados brasileiros (incluindo Mato Grosso) -, por exemplo, somente 20% pode ser desmatado. Já em locais onde a classificação consta como “cerrado”, 65% da mata nativa pode dar espaço a empreendimentos humanos.
Ocorre, no entanto, que os servidores da Sema-MT, em conjunto com os proprietários dessas áreas no Estado, bem como organizações que prestam serviços a estes empresários, “alteravam” a classificação dessas áreas com objetivo de promover um maior desmatamento.
A “limpeza” dessas áreas, de acordo com o pedido de prisão autorizado pela juíza Ana Cristina Silva Mendes, possibilitou que queimadas ilegais ocorressem em Mato Grosso em pelo menos duas propriedades rurais. Uma delas é a fazenda Centro Oeste V, de propriedade de Paulo Henrique Rovaris. O processo não informa a localização do imóvel rural.
Os autos explicam que as espécies de árvores e plantas encontradas na fazenda não pertenceriam ao cerrado e sim a outra tipologia vegetal. A fraude possibilitou a “derrubada da vegetação seguida de queima”.
“Em vistoria realizada pela equipe do Centro de Apoio Operacional – CAOP do Ministério Público, na data de 19-12-2018, teria observado divergência com relação à identificação nas espécies, na medida em que 2 das 20 espécies de maior valor de importância na vegetação lista no relatório técnico de identificação de tipologia vegetal e no parecer técnico não ocorreriam em Cerrado, mas apenas em ‘Florestas Ombrófilas, Florestas Estacionais Semideciduais ou em vegetação de contato com floresta estacional”, revelam os autos.
“[A alteração] prejudicaria a classificação da vegetação de área como 100% savana arbórea densa ou Cerrado com Mata de Galeria. Ficou prejudicada a vistoria pela equipe da CAOP nas áreas das UAs 1, 2, 3 em decorrência da derrubada da vegetação seguida de queima”, relatou o processo.
O outro imóvel rural onde teria ocorrido queimadas ilegais, segundo o pedido de prisão, é a fazenda Tupã Seretã, de propriedade da Taua Biodiesel, localizada em Gaúcha do Norte (570 km de Cuiabá). Os autos revelam que as unidades de amostras da área utilizadas para sua tipologia vegetal – que teria sido irregularmente alterada para “cerrado” -, foram “intensamente impactadas pela degradação do fogo”.
“Em divergência com o aprovado pelo servidores, consta no relatório do CAOP que três espécies descritas no parecer técnico da Sema como de ocorrência em cerrado não constam em Borges et al. Consignam, ainda, que uma outra espécie não ocorre em formação de cerrado, exceto em área de contato entre Savana-Floresta Estacional. Destacam que as Unidades Amostrais vistoriadas pelos servidores da Sema estavam todas localizadas em áreas lindeiras e/ou intensamente impactadas pela degradação pelo fogo”.
POLYGONUM
De acordo com informações preliminares, 12 pessoas foram alvo da 6ª fase da “Polygunum” – Heverton Neves Rodrigues de Moraes, Ronkky Chael Braga da Silva, Augusto Carvalho Schneider, André Luiz Ferreira de Souza, Pedro Dalla Nora, Alessandro Pontes Gomes, Carlos Vitor Timo Timo Ribeiro Junior, Juelson do Espírito Santo Brandão, Roberto Correa de Arruda, Roberto Passos de Oliveira, Maurilio Evanildo Vilas Boas e César Farias.
A sexta fase da operação, com foco na tipologia de áreas, é resultado das investigações realizadas pela Delegacia Especializada do Meio Ambiente (Dema) e o Ministério Publico Estadual, com apoio do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema).
Os mandados foram expedidos pela Juíza da Vara Especializada do Crime Organizado, Ana Cristina Silva Mendes.
A investigação refere-se a fraudes praticadas por servidores públicos, proprietários rurais e engenheiros florestais, no âmbito da Gestão Florestal, visando a supressão da vegetação nativa, diminuindo a área destinada à Reserva Legal, ao classificar irregularmente a tipologia da propriedade de área de floresta em área de cerrado.
Relatórios de Tipologia elaborados por Engenheiros Florestais, contendo informações falsas acerca do tipo de vegetação existente no imóvel, eram encaminhados à Sema, cujo órgão é responsável por vistoriar a área e confrontar as informações apresentadas no laudo.
Ocorre que alguns servidores responsáveis pela vistoria iam a propriedades rurais e validavam as informações falsas, reenquadrando a classificação da fitofisionomia vegetal, aumentando a área passível de desmate.
As investigações indicam que proprietários de imóveis rurais, por meio de engenheiros florestais, estariam fraudando o sistema ambiental com relatórios ambientais inidôneos. O imóvel localizado em bioma amazônico, por exemplo, pode ser desmatado em apenas 20%. Contudo, se a tipologia florestal for de cerrado, o proprietário tem direito a desmatar 65%.
Com um relatório falso aprovado pela Sema é possível desmatar mais do que o triplo permitido pelo Código Florestal. Assim, uma fazenda de 10.000 hectares, localizada no bioma amazônico, poderá desmatar 4.500 hectares a mais com o relatório fraudado.
Essas informações ficam registradas no sistema e, com o uso de imagens de satélite e outras ferramentas tecnológicas, podem ser auditadas em qualquer momento, mesmo após os desmatamentos.
Peritos do Ministério Público, auxiliados por um pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e fiscais do Ibama, vistoriaram 22 propriedades, com indícios de crime em 18. A operação deflagrada nesta segunda-feira investiga 10 propriedades onde foram constatados indícios de fraudes.